REl - 0600298-77.2020.6.21.0056 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/09/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Dos Documentos Juntados com o Recurso

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição quando sua simples leitura pode sanar irregularidades, ictu primo oculi, sem a necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se, assim, o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO.

1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator Des. El. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, p. 4.) Grifei.

 

Por essas razões, conheço dos documentos acostados com o recurso – consistentes em contratos, cheques e recibos de pagamento – de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades.

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto por VERIDIANE CARDOSO DA COSTA contra sentença que desaprovou suas contas de campanha e lhe determinou o recolhimento de R$ 2.920,00 ao Tesouro Nacional, em razão de gastos em que há divergência entre o fornecedor de campanha e o beneficiário dos pagamentos, estes efetuados (I) com recursos do Fundo Partidário, no valor de R$ 200,00, e (II) com verbas do FEFC, no montante de R$ 2.720,00.

Passo, a seguir, à análise discriminada dos dispêndios glosados.

I – Da Despesa Paga com Recursos do Fundo Partidário

Na instância de origem, a examinadora técnica, em seu parecer conclusivo (ID 44997436), apontou inconsistência em relação ao gasto com recursos do Fundo Partidário, no valor de R$ 200,00, contratado com PATRICK DUMOND VAZ NUNES, CNPJ 14.595.070/0001-44, para prestação de serviços com mídia digital, consoante nota fiscal n. 2 (ID 44997377), emitida em 05.11.2020, mas pago, mediante transferência bancária eletrônica, em 11.11.2020, a A. ATHANASIO E CIA LTDA, CNPJ 02.770.711/0001-70 (ID 44997377, fl. 3).

Na sentença, a magistrada entendeu por configurada a irregularidade, assinalando que a declaração firmada por PATRICK (ID 44997435, fl. 8), dando conta de que recebeu da candidata a quantia de R$ 200,00, não é hábil a suprir a falha, pois se trata de documento unilateral que não comprova o recebimento e trânsito da verba pública em sua conta bancária.

A candidata, no recurso, indica os documentos que esclareceriam os pagamentos, consistentes em demonstrativos de despesas referidas na contabilidade (ID 44997360, fls. 4-5, e ID 44997364, fls. 1-2), nota fiscal e comprovante bancário (ID 44997377), além da declaração mencionada (ID 44997435, fl. 8).

Contudo, não explica o motivo pelo qual o pagamento por transferência bancária foi endereçado diretamente à empresa diversa daquela efetivamente contratada.

No caso, conquanto haja documento fiscal indicando a realização do gasto, corroborado por declaração do fornecedor, tenho que a flagrante dissonância quanto ao beneficiário do pagamento – merecendo destaque o fato de ter sido concretizado por transferência bancária a terceiro –, aliada à circunstância de inexistirem esclarecimentos pertinentes, impede que seja afastada a irregularidade, sobretudo por ter sido o dispêndio suportado por verbas públicas, o que atrai a necessidade de recomposição ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, não merece reforma a sentença em relação ao ponto.

II – Das Despesas Pagas com Recursos do FEFC

A mesma divergência entre fornecedores e beneficiários do pagamento foi apurada quanto aos dispêndios com recursos do FEFC, quitados por meio de cheque, conforme excerto da sentença abaixo transcrito (ID 44997440):

Igualmente, a inconformidade levantada nos documentos comprobatórios relativos às despesas, em específico aos comprovantes de pagamento (ausência de cópia do cheque nominal cruzado ou transferência bancária identificando o beneficiário), realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC – aponta dissonância entre o fornecedor declarado e o efetivo recebedor do valor correspondente, como se verifica no apontamento do relatório preliminar:

Em sua manifestação a candidata alça a tese de que o valor recebido do prestador de contas representa crédito em favor do fornecedor e, como tal, transmissível por meio de endosso. Afirma a destinação do recurso está comprovada pela indicação do nome do fornecedor declarado no título, independendo, assim, a aplicação dada a ele.

Sem razão.

Cabe apontar que a determinação prevista no art. 38 da Resolução anteriormente referida não se restringe a mera formalidade. De fato, a definição da forma como se dará o adimplemento - por meio de transferência bancária ou cheque nominal cruzado - pretende permitir a fiscalização e o controle de como são utilizados os valores envolvidos na campanha eleitoral, pois implicam obrigatoriamente no depósito e movimentação financeira vinculando as partes e garantindo a rastreabilidade da transação, principalmente quando se trata de gestão de dinheiro público.

Nesse sentido:

(...)

Salienta-se contudo, que a discussão sobre o depósito em conta bancária diversa do beneficiário aposto na cártula só se mantém diante da análise das microfilmagens e/ou cópias dos cheques emitidos.

Pois bem. Ocorre que a informação e a defesa construída de que crédito decorrente de cheque nominal é transmissível e que a ausência do “cruzado” representa falha superável não se sustenta sem que sejam verificados os referidos títulos emitidos.

Nessa perspectiva, como não houve por parte da prestadora de contas, apresentação dos cheques solicitados em sede de diligência está impossibilitada a constatação dos fatos como narrados. A simples ilação de situação confrontada com a carência de prova não se presta como meio idôneo para elidir a irregularidade apontada no relatório preliminar. Essa compreensão segue a lógica adotada pelo Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul:

(...)

E, como apontado no relatório conclusivo, em consulta ao extrato bancário eletrônico, disponibilizado pelo TSE no site http://divulgacandcontas.tse.jus.br, não é possível relacionar a contraparte ao fornecedor registrado na prestação de contas, situação que seria viabilizada através do cheque nominal cruzado ou transferência bancária.

Desta forma, as falhas apontadas configuram irregularidades que comprometem a transparência do processo e, por não comprovação de gastos realizados com recursos públicos, e ensejam o recolhimento ao Tesouro Nacional na quantia de R$ 2.920 (dois mil novecentos e vinte reais) dos quais R$ 200,00 (duzentos) correspondem a gastos irregulares com valores oriundos de Fundo Partidário e R$ 2.720,00 (dois mil setecentos e vinte) correspondem a gastos irregulares com valores oriundos de Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

(...)

Com o apelo, a candidata providenciou a juntada de documentos, visando comprovar a regularidade dos gastos (IDs 44997444 e 44997445):

a) em relação ao gasto, em 09.11.2020, com RICARDO VILMAR OLIVEIRA DA SILVA, CPF 027.970.350-38, concernente a atividades de militância e mobilização de rua, no valor de R$ 200,00, a recorrente coligiu a microfilmagem do cheque n. 6, o qual foi emitido nominal em benefício do respectivo prestador de serviços, com o devido cruzamento (ID 44997445, fl. 20);

b) sobre o gasto, em 09.11.2020, com LORECI DOS PASSOS, CPF 031.269.220-07, concernente a atividades de militância e mobilização de rua, no valor de R$ 200,00, a recorrente, com o recurso, coligiu a microfilmagem do cheque n. 9, o qual foi emitido nominal em benefício da respectiva prestadora de serviços, com o devido cruzamento (ID 44997445, fl. 19);

c) em relação ao pagamento, em 09.11.2020, de JULIANA COUTINHO PEREIRA, CPF 040.617.220-00, relativo a atividades de militância e mobilização de rua, no valor de R$ 200,00, a recorrente, com o recurso, coligiu a microfilmagem do cheque n. 10, o qual foi emitido nominal para a respectiva prestadora de serviços, com o devido cruzamento (ID 44997445, fls. 19-20);

d) em relação ao dispêndio, em 09.11.2020, com RUDNEIA MARTINS RODRIGUES, CPF 018.766.420-09, concernente a atividades de militância e mobilização de rua, no valor de R$ 200,00, a recorrente, com o recurso, coligiu a microfilmagem do cheque n. 7, o qual foi emitido em benefício da respectiva prestadora de serviços, com o devido cruzamento (ID 44997445, fls. 21); e

e) no tocante à despesa, em 09.11.2020, com CLEITON FAGUNDES DA SILVA, CPF 048.056.410-88, concernente a atividades de militância e mobilização de rua, no valor de R$ 200,00, a recorrente, com o recurso, coligiu a microfilmagem do cheque n. 14, o qual foi emitido em benefício do respectivo prestador de serviços, com o devido cruzamento (ID 44997445, fl. 25), de modo que deve ser afastada a falha.

Assim, em relação a tais gastos, está evidenciada a escorreita emissão de cheque nominal e cruzado aos respectivos contratados, nos exatos termos estabelecidos pelo art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, de modo que devem ser afastadas as correspondentes irregularidades apontadas na sentença.

Por outro lado, em relação aos gastos com OSMAR NICANOR DE CASTRO e com THALIA VARGAS ALEXANDRE, não houve a apresentação de qualquer prova idônea para o saneamento das falhas.

A inconsistência apontada em relação ao dispêndio, em 21.10.2020, com OSMAR NICANOR DE CASTRO, CPF 300.978.780-49, concernente a atividades de militância e mobilização de rua, no valor de R$ 1.360,00, foi a falta de apresentação de cópia de cheque emitido e ausência de registro de contraparte no extrato bancário.

Portanto, a despesa foi considerada comprovada pela documentação juntada, qual seja, contrato de prestação de serviços e recibo de pagamento, porém a mácula diz respeito ao pagamento.

A recorrente alega que, de acordo com a Lei do Cheque, “é legal ao beneficiário transferir a posse e os direitos do crédito do cheque a um  terceiro, indicando-o no verso do próprio documento”. E, para a cabal comprovação da regularidade, requer seja oficiado ao Banrisul S.A. para que forneça fotocópia/microfilmagem do cheque n. 12, da conta n. 06.142840.0-9.

Quanto à possibilidade de endosso, a afirmativa é correta. Este Tribunal Regional, na trilha da jurisprudência firmada pelo TSE, entende que a existência de endosso em cheque utilizado para pagamento de gastos eleitorais não é proibida pela legislação de regência.

Nesse sentido, reproduzo ementa de julgado desta Corte Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(TRE-RS, REl n. 0600285-77.2020.6.21.0024, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 06.07.2021) Grifei.

 

Entretanto, para se verificar a correta emissão da cártula, há de ter sido juntada aos autos a microfilmagem do cheque, o que não ocorreu na espécie.

Insta salientar que, no presente processo, o órgão técnico afirmou, em seu relatório (ID 44997428), que “os gastos eleitorais de natureza financeira só podem ser efetuados por meio de cheque nominal cruzado”, sendo apontada a seguinte inconsistência: “não foi apresentada cópia de cheque emitido e há ausência de registro de contraparte no extrato bancário”. Em face disso, “solicita-se a manifestação do prestador de contas para que comprove que os pagamentos realizados com os recursos do FEFC foram destinados aos fornecedores constantes da tabela acima – demonstrando que houve efetivo trânsito dos valores para os fornecedores indicados”.

Como se percebe, a requisição de complementação probatória foi suficientemente clara, de que havia a necessidade de apresentar imagem do título de crédito.

Quanto ao pedido de que seja expedido ofício à instituição bancária para que remeta a microfilmagem do cheque n. 12, a medida se revela incabível nesta instância, tendo em vista que essa providência deveria ter sido executada diretamente pela candidata, ordinariamente durante a fase instrutória, atendendo solicitação oriunda da área técnica, ou, excepcionalmente, com o apelo, como fez em relação a vários outros gastos de campanha.

Aliás, conforme visualizo no extrato disponível no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89290/210001118411/extratos), não há elementos para se apurar que o cheque foi emitido cruzado e/ou nominal porque foi descontado por meio de “saque eletrônico”, o que, segundo a compreensão deste Tribunal para as eleições de 2020, trata-se de falha grave, apta a ensejar a desaprovação de contas e o comando de ressarcimento ao erário, caso suportado por verbas públicas, como na hipótese vertente.

Desse modo, há que se manter a falha, porquanto não restou demonstrado que o cheque foi emitido com cruzamento e nominalmente ao fornecedor de campanha, na linha da atual jurisprudência desta Casa (TRE-RS; REl 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021).

Da mesma forma, no concernente ao dispêndio, em 09.11.2020, com THALIA VARGAS ALEXANDRE, CPF 057.452.230-14, relativo a atividades de militância e mobilização de rua, no valor de R$ 200,00, a recorrente deixou de carrear ao processo a microfilmagem do cheque n. 11, o qual teria sido emitido em benefício da respectiva prestadora de serviços, mas que findou por ser compensado na conta de PAULA ELISANDRA M SOARES, CPF 031.902.100-98.

Portanto, não existem nos autos elementos para se constatar a regularidade da emissão das cártulas, subsistindo as irregularidades em relação a tais operações e, por consequência, a imposição de recolhimento do montante ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

III – Do Julgamento das Contas

Assim, tendo em vista que o somatório das irregularidades alcança R$ 1.760,00 (R$ 200,00 + R$ 1.360,00 + R$ 200,00), que representa 21,62% do total das receitas declaradas (R$ 8.141,89), resta inviabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de mitigar a gravidade das falhas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas.

Ante o exposto, VOTO, preliminarmente, pelo conhecimento dos documentos juntados com o apelo, e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, para, mantendo a desaprovação das contas de campanha de VERIDIANE CARDOSO DA COSTA, relativas às eleições de 2020, reduzir para R$ 1.760,00 o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.