PC-PP - 0600197-14.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/09/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas:

O Diretório Estadual do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA apresentou as contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2019.

Em parecer conclusivo, a unidade técnica apontou irregularidades quanto à aplicação inadequada de verbas do Fundo Partidário – FP, recebimento de contribuições de fontes vedadas, ingresso de recursos de origem não identificada – RONI, e descumprimento do dever de aplicação mínima de 5% de valores do FP na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

1. Irregularidades no uso de verbas do Fundo Partidário - FP

Os vícios, de acordo com o relatório conclusivo, consubstanciam-se em falhas atinentes a despesas quitadas com FP e ao ingresso da verba pública em conta bancária destinada a “Outros Recursos”, quando deveria transitar por conta específica, nos termos da regra eleitoral.

 

1.1. Despesas irregulares com FP

Os gastos indevidos perfazem R$ 56.451,00 e derivam de expensas realizadas com o advogado Lieverson Luiz Perin, sem contrato descrevendo o serviço prestado; Pereira e Cezar Comércio de Materiais e Comercial JCM Ltda., com contrapartes em extrato divergentes dos documentos apresentados; e Reinaldo Fernandes da Conceição Junior, carente de comprovação do serviço realizado, bem como de sua vinculação às atividades da grei.

Quanto ao dispêndio ocorrido com Lieverson Luiz Perin, no importe de R$ 39.600,00, o partido aduz se tratar de advogado atuante em todos os seus feitos judiciais há mais de 20 anos e, no intuito de ver sanada a demanda, colaciona contrato de prestação de serviços de consultoria jurídica (ID 44922220).

A Procuradoria Regional Eleitoral, na linha do parecer da unidade técnica, entende não satisfeita a questão, visto que o acordo juntado pela grei não especifica adequadamente os serviços contratados, bem como carece de assinatura do causídico, de sorte que eivado de vício quanto à sua validade.

Em que pese a argumentação ministerial, tenho que demonstrada a escorreita utilização das verbas do Fundo Partidário.

A uma, porque colacionadas procurações de ID 6075533, 6075583 e 6075633, outorgando poderes ao Dr. Lieverson Luiz Perin, sobre as quais, em nenhum momento da instrução, pairou dúvida quanto à validade.

A duas, pois juntados aos feito documentos idôneos, capazes de fazer prova quanto à destinação dos recursos do FP, a saber, recibos de transferência bancária e notas fiscais eletrônicas, as quais podem ser aferidas junto à Receita Federal, e constam dos ID 44859548, 44859555, 44859562, 44859566, 44859570, 44859576, 44859581 e 44859646.

A três, porquanto coligido ao feito acordo, ainda que firmado apenas pelo contratante, dando notícia da sua finalidade - consultoria jurídica - mesmo que de forma precária, de modo a satisfazer a obrigação de demonstrar o fim da verba pública.

Observo, por fim, que entendimento diverso levaria não apenas à devolução do montante ao erário, mas à negativa dos consabidos préstimos realizados pelo advogado na gênese do processo, perpassando toda a fase instrutória, até agora, o que, friso novamente, não foi objeto de questionamento em momento algum.

Diante do acervo probatório e da inegável atuação do procurador no feito, entendo sanada a mácula.

 

No que toca às despesas com Pereira e Cezar Comércio e Comercial JCM Ltda., no valor de R$ 12.911,00, as quais não encontram amparo nos extratos eletrônicos, o partido faz ilações desconexas, na medida em que informa ter juntado ao feito os contratos firmados, porém, o único documento acostado em alegações foi o contrato de consultoria jurídica. Segue manifestação da grei:

2.2 – Orizon, Documento apresentado não corresponde. Conforme se comprova documentalmente, o escritório é o responsável pela folha de pagamento e escrituração do PDT estadual, não havendo qualquer impropriedade no mesmo.

2.3 – Para sanar o apontamento, se junta os contratos firmados, comprovando assim a devida prestação de serviços, junto a Sede Partidária.

2.4 – Gastos sem contraparte no extrato bancário. Os documentos anexados, dão conta da regularidade das contas, não havendo motivos para se manter a inconformidade.

 

O relatório contempla 7 operações junto a Pereira e Cezar Comércio de Materiais e 1 relacionada a Comercial JCM Ltda., todas incorrendo no mesmo erro, a falta de correspondência com as despesas arroladas em extrato e sobre as quais o partido não se desincumbiu do ônus de comprovar o uso escorreito de valores do Fundo Partidário.

Compulsando os autos, foram encontrados recibos de transferência bancária, com a finalidade de demonstrar pagamento de honorários, destinados a Pereira e Cezar Comércio de Materiais. Entretanto, os recibos de prestação de serviços foram emitidos por S & C – Serviços Contábeis, tendo por cliente, acrescento, não o diretório regional do partido, CNPJ n. 88.483.128/0001-02, mas o diretório municipal de Triunfo/RS, CNPJ n. 03.719.167/0001-03. Os documentos constam dos ID 44859573, 44859574, 44859633, 44859634, 44859637, 44859641 e 44859649, e, quanto a estes, sublinho, de modo a majorar a falha, que o recibo de serviços realizados, preenchido pela S & C, ID 44859633, menciona o período de competência de outubro de 2018, ou seja, exercício pretérito ao aqui esquadrinhado.

Na mesma toada segue a documentação juntada para demonstrar o gasto realizado junto a Comercial JCM Ltda., no valor de R$ 940,00. A nota fiscal foi emitida pela empresa MT Comércio de Eletro Eletrônicos Ltda., CNPJ n. 17.424.513/0001-22, enquanto o recibo de transferência do Banrisul tem como destinatário Comercial JCM Ltda., CNPJ n. 23.285.520/0001-93, não havendo concordância entre os dados informados pela agremiação.

Há, ainda, dispêndio com Reinaldo Fernandes da Conceição Júnior, R$ 3.000,00, sem evidência da efetiva prestação e do vínculo do serviço realizado com a atividade partidária, diante da insuficiente descrição do trabalho realizado para a grei.

O Recibo de Pagamento a Autônomo – RPA (ID 44859567) não faz menção à atividade realizada, indicando apenas que se deu “pela prestação de serviços de autônomo”.

A obrigação de descrever os serviços contratados vem insculpida no art. 18 da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 18

A comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo dele constar a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço. (grifei)

 

Quanto ao ponto, inegável a falha apontada em parecer, diante da omissão da legenda em pormenorizar o serviço contratado, de forma que persiste o vício.

A corroborar, segue excerto do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

A comprovação dos gastos com recursos públicos, principalmente na seara eleitoral, não é via de mão única, devendo ser demonstradas a regularidade do pagamento realizado e a efetiva prestação dos serviços, bem como a pertinência desta com as atividades partidárias, conforme estabelecido na Resolução TSE nº 23.546/2017.

Com efeito, se, por um lado, o art. 18, caput e §1º, da Resolução TSE nº 23.546/20172 , estabelece que a comprovação dos gastos pode ser feita por documento fiscal ou qualquer outro meio idôneo de prova, por outro os meios de pagamento elencados no art. 18, §4º, com a ressalva ali constante, são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o rastreamento, para que se possa apontar, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Desse modo, apenas o pagamento pelos meios indicados na Resolução não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para atividade partidária, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o partido contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via, a tão só confirmação do terceiro, mediante recibo, contrato ou nota fiscal, também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi tal pessoa quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que torna possível, nos termos da Resolução supramencionada, a aferição da regularidade na aplicação de recursos públicos, o que não restou demonstrado.

 

Diante da percuciente análise, entendo não comprovados os dispêndios realizados junto a Pereira e Cezar Comércio de Materiais e Comercial JCM Ltda, e Reinaldo Júnior, os quais perfazem R$ 16.851,00 e devem ser recolhidos ao erário.

 

1.2. Ingresso de valores do Fundo Partidário na conta “Outros Recursos”

O parecer conclusivo dispõe que o Diretório Regional recebeu do Diretório Metropolitano, em conta bancária destinada a outros recursos, verba do Fundo Partidário, de forma que, mesclado os valores oriundos de fontes distintas, restou inviável a aferição do destino do dinheiro público, em desacordo com o art. 6º da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 6º

Os partidos políticos, em cada esfera de direção, devem abrir contas bancárias para a movimentação financeira das receitas de acordo com a sua origem, destinando contas bancárias específicas para movimentação dos recursos provenientes:

I - do Fundo Partidário, previstos no inciso I do art. 5º; (grifei)

 

De outro vértice, a legenda partidária sustenta ter recebido o aporte do diretório municipal de Porto Alegre em pagamento pelo aluguel de sala comercial, sem, contudo, ter conhecimento sobre a origem pública do montante. Os recibos e o contrato de locação não ingressaram ao feito com as razões finais, mas, sim, com os esclarecimentos prestados quanto às falhas apontadas em exame preliminar, e têm como valor mensal R$ 18.000,00 (ID 44859658, 44859663, 44859664, 44859665, 44859666).

Com efeito, o valor transitou por conta bancária distinta da prevista na resolução eleitoral, todavia o ingresso ocorreu adequadamente na conta bancária destinada ao Fundo Partidário na esfera municipal e, somente após, o aporte foi direcionado à sede regional, operação que não ocorreu a título de repasse ou doação, com o fito de dispor valores para assistir ao partido, mas dado em pagamento por locação de imóvel pela grei metropolitana, fim válido e adequado para o Fundo Partidário, eis que respaldado pelo art. 44, inc. X, da Lei n. 9.096/95:

Art. 44

Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:

X - na compra ou locação de bens móveis e imóveis, bem como na edificação ou construção de sedes e afins, e na realização de reformas e outras adaptações nesses bens; (Incluído pela Lei n. 13.877, de 2019)

 

A relação aqui vertida é comercial, entre locador e locatário, e poderia recair sobre imóvel de outra titularidade, seja pessoa jurídica ou física, que não a da agremiação, bastando, para justificar a despesa, finalidade e documentação válida à sua perfectibilização. De sorte que a cifra, ainda que pública, poderia ingressar na conta outros recursos do partido quando da sua utilização para fins de adimplemento de aluguel.

Afora o exposto, a origem dos recursos é conhecida, a finalidade da verba adequada, o contrato válido, os demais dispêndios do exercício anotados em relatório de despesas, e os gastos irregulares estão sendo tratados, de forma que não entendo como prejudicada a higidez da contabilidade, visto que acompanhada de documentação idônea e regular a fazer prova do uso dos valores, arroladas pela unidade analisadora as situações diversas.

Ainda que o entendimento ministerial sustente haver dúvida quanto à caracterização da receita, o contrato juntado ao feito foi devidamente assinado pelas partes e reconhecido em cartório, contendo, ainda, relatório de vistoria e avaliação do imóvel para aluguel, de forma que revestido de requisitos suficientes à sua convalidação.

Destarte, entendo desnecessária a devolução da quantia, R$ 72.000,00, aos cofres público.

 

2. Recebimento de valores de fonte vedada

O parecer conclusivo relatou a existência de contribuições de não filiados ao partido politico, os quais exerciam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, e de pessoa jurídica.

As situações enquadram-se no previsto no art. 12, incs. II e IV, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 12

É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as dotações orçamentárias do Fundo Partidário e do FEFC;

III - pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão; ou

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (grifei)

 

A tese da grei vai no sentido de que as doações oriundas de autoridades públicas (R$ 8.395,20) eram realizadas de forma automática pelo sistema do Banrisul, via débito, e foram autorizadas pelos colaboradores; enquanto o subsídio derivado de pessoa jurídica, em realidade, se trata de contribuição de pessoa física (R$ 165,00), funcionária da Secretária da Educação, que assentiu com o auxílio realizado por meio do sistema da Secretaria da Fazenda, o qual somente pode ser cancelado pela servidora.

O partido colacionou aos autos ficha de filiação de Claudio Gauss de Oliveira (R$ 2.112,00) e Jucelino Rosa dos Santos (R$ 308,00), autoridades públicas ao tempo dos fatos, visando enquadrar as doações por eles realizadas na exceção disposta no § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.546/17, acima reproduzido. Contudo, o relatório da unidade técnica apontou que ambos não constam nos quadros do partido.

As peças juntadas pela agremiação não fazem prova suficiente do alegado, visto se tratar de documento unilateral desprovido de fé pública.

O Tribunal Superior Eleitoral, a fim de dirimir conflitos relativos a essa questão específica, editou o enunciado da Súmula n. 20, com a seguinte redação:

A prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/1995, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública.
 

Na mesma linha é a jurisprudência desta Corte, no sentido de que o registro da filiação no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral é que confere caráter público e formaliza a vinculação dos cidadãos aos partidos políticos (REl n. 16-71.2019.6.21.0073, Des. Eleitoral Gustavo Diefenthäler. Julgado em 21.9.2020), até mesmo porque a aceitação de documentos unilaterais geraria tratamento desigual entre as agremiações, em detrimento daqueles partidos que agiram corretamente.

Em averiguação, o nome de Claudio Gauss de Oliveira, de fato, não consta nas fileiras do PDT. Entretanto, malgrado a pesquisa realizada pelo órgão técnico, o nome de Jucelino Rosa dos Santos está presente no histórico de associados à grei. A ficha juntada aos autos informa a data de filiação em 02.05.1986, o que, como dito alhures, não faz prova suficiente. Contudo, no sistema desta Justiça Especializada, o ato é datado de 09.03.1987, cancelado em 15.06.2016, com novo registro de adesão em 15.01.2019, ou seja, filiado ao partido no exercício 2019. O doador, inclusive, cumpriu mandato, como vice-prefeito, entre 2000 e 2004, pelo PDT, em Bagé/RS. A falha, acredito, talvez tenha ocorrido, pois o contribuinte faleceu durante o ano contábil em questão, em 15.08.2019.

No que concerne à doação de pessoa jurídica, em que pese a alegação do partido, este não juntou documento algum a alicerçar o declarado, de forma que, se considerada a data inicial da contribuição irregular, 1991 (informada pelo partido), a agremiação percebe, há anos, o montante indevido, de modo que impossível acolher a hipótese da grei.

Nesse diapasão, excluído o nome de Jucelino Rosa dos Santos do rol de fontes vedadas, determino o recolhimento dos valores oriundos das demais fontes vedadas, no total de R$ 8.252,20.
 

3. Dos recursos recebidos de origem não identificada - RONI

O parecer da SCI considerou inválida a informação referente ao CNPJ do próprio diretório estadual nas doações (R$ 350,00), visto que a aposição dos dados da agremiação como contribuinte inviabiliza a conferência da real origem dos recursos.

Em suas razões, o partido aduz tratar-se de contribuição de pessoa física ainda não identificada, a qual, segundo a grei, por desconhecimento, utiliza o seu CNPJ para registro da operação bancária.

A vedação ao recebimento de recursos de origem não identificada está disposta no art. 13 da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 13

É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I - o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte ou no CNPJ, em se tratando de partidos políticos ou candidatos:

a) não tenham sido informados; ou

b) se informados, sejam inválidos, inexistentes, nulos, cancelados ou, por qualquer outra razão, não sejam identificados;
 

A hipótese ventilada pela grei não se mostrou suficiente a demonstrar a fonte dos aportes realizados, não ingressando no feito documentação apta a elidir o entendimento constante do parecer conclusivo, bem como da Procuradoria Regional Eleitoral.

Desse modo, reconheço a irregularidade, devendo o valor de R$ 350,00 ser recolhido ao Tesouro Nacional.
 

4. Ausência de aplicação de recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres

A última irregularidade apontada pela unidade técnica refere-se à inconsistência na comprovação de gasto mínimo de 5% dos recursos recebidos do Fundo Partidário “na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres”, conforme prevê o art. 22 da Resolução TSE n. 23.546/17, verbis:

Art. 22

Os órgãos partidários devem destinar, em cada esfera, no mínimo, 5% (cinco por cento) do total de recursos do Fundo Partidário recebidos no exercício financeiro para a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, a serem realizados de acordo com as orientações e de responsabilidade do órgão nacional do partido político.

 

A explicação apresentada pelo partido indica a não abertura de conta bancária específica destinada a recursos para a Ação da Mulher Trabalhista (AMT). Todavia, sustenta ter investido quantia superior aos 5% definidos pela norma, uma vez que os pagamentos eram solicitados pela própria AMT.

Sobre o tema, segue trecho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral a ilustrar a falha da grei em infirmar o relatado no parecer conclusivo:

De fato, o órgão partidário não se desincumbiu de provar a destinação de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do total de recursos recebidos do Fundo Partidário para a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. Cumpre referir que se trata de medida que busca fomentar a participação feminina na política e mitigar a baixa representatividade das mulheres na esfera de poder político, a qual, inclusive, dada a sua importância, foi recentemente constitucionalizada, com a inclusão do § 7º ao art. 17 da Constituição, pela Emenda Constitucional 117, de 5 de abril de 2022, e que se justifica porque, conforme o ranking da Inter–Parliamentary Union - UIP5 , o Brasil ostenta a 143ª posição em representação feminina no parlamento, muito distante de países mais igualitários. O descumprimento pelo partido da correta destinação do recurso público repercute em danos difíceis de mensurar e que, certamente, atingem a esfera de participação e representatividade política das mulheres. Por outro lado, o art. 2º da Emenda Constitucional 117 estabeleceu que: Aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional. De acordo com o entendimento do TSE estabelecido no julgamento da PC 0601826-13.2017.6.00.00006 , em virtude da nova determinação constitucional, o valor irregular decorrente do descumprimento do art. 44, V, da Lei nº 9.096/95 não deve ser considerado na conclusão do julgamento das contas, para fins de eventual desaprovação. Contudo, persiste a obrigatoriedade de aplicação do montante respectivo nas eleições subsequentes, observadas as disposições do art. 44, § 5º, da Lei 9.096/1995, com redação dada pela Lei nº 13.165/2015.

 

A agremiação, novamente, não colacionou ao feito qualquer documentação a fazer prova do aduzido, sequer discriminou os valores aplicados, de maneira que a mácula permanece.

Desse modo, considerando o ingresso de R$ 270.000,00 do Fundo Partidário, o montante aplicado deverá ser de R$ 13.500,00, na conta destinada aos valores para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, no exercício subsequente ao trânsito em julgado da presente decisão, vedada sua aplicação para finalidade diversa, nos termos do art. 22, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 22

Os órgãos partidários devem destinar, em cada esfera, no mínimo, 5% (cinco por cento) do total de recursos do Fundo Partidário recebidos no exercício financeiro para a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, a serem realizados de acordo com as orientações e de responsabilidade do órgão nacional do partido político.

§ 1º O partido político que não cumprir o disposto no caput deve transferir o saldo para conta bancária de que trata o inciso IV do art. 6º, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, de modo que o saldo remanescente deve ser aplicado dentro do exercício financeiro subsequente, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento) do valor previsto no inciso V do caput, a ser aplicado na mesma finalidade. (Lei n. 9.096/1995, art. 44, § 5º).

§ 2º Na hipótese do § 1º, o partido fica impedido de utilizar qualquer dos valores mencionados para finalidade diversa.

 

Das sanções aplicáveis

O somatório das irregularidades remanescentes é de R$ 38.953,20, montante inferior a 10% do total auferido de R$ 526.557,15.

Diante dessas circunstâncias, apresenta-se possível o juízo de aprovação com ressalvas, tendo em conta o baixo percentual da irregularidade, incapaz de comprometer a contabilidade como um todo.

Tal conclusão, porém, não afasta o dever de recolhimento do valor indevidamente recebido ao Tesouro Nacional, bem como de aplicação dos recursos no fomento à participação feminina na política, que independe da sorte do julgamento final sobre o mérito das contas, posto que consubstancia consequência jurídica relacionada à vedação do enriquecimento ilícito e uso indevido da verba pública, e não providência sancionatória em sentido estrito.

Nessa linha, segundo o TSE: “A aprovação das contas com ressalvas em função das irregularidades apuradas impõe sempre a devolução dos respectivos valores ao erário” (PC n. 978-22/DF, redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 14.11.2014).

Registro que este Tribunal, ao interpretar o arts. 36 e 37, § 3º, da Lei dos Partidos Políticos, entende que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há suspensão do repasse do Fundo Partidário por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente.

Cito, a propósito, o seguinte precedente:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO INCOMPLETA. UTILIZAÇÃO INCORRETA DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHA EQUIVALENTE A 9,08% DO TOTAL DE RECURSOS AUFERIDOS NO PERÍODO EM EXAME. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DE MULTA E DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO.

(...).

6. Falhas que representam 9,08% dos recursos auferidos no exercício financeiro. Hipótese que, na esteira da jurisprudência firmada no Tribunal Superior Eleitoral, viabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar a severa penalidade de desaprovação das contas, admitindo o juízo de aprovação com ressalvas quando a baixa representação percentual das irregularidades não comprometa o balanço contábil como um todo, circunstância que afasta a sanção de multa de até 20% e a suspensão do Fundo Partidário.

7. O art. 36 da Lei n. 9.096/95 trata das sanções aplicadas aos partidos quando constatada a violação de normas legais ou estatutárias, enquanto o art. 37 da mesma lei estabelece o regramento para o caso de desaprovação das contas. Trata-se de normas distintas, independentes entre si e que não se confundem. O primeiro artigo vige até os dias atuais com a mesma redação da data da promulgação e nunca sofreu alterações, ao contrário do segundo, que foi sucessivamente modificado pelo Congresso Nacional por meio das Leis n. 9.693/98 e n. 13.165/15. A nova redação do art. 37 da Lei n. 9.096/95 dispõe que a desaprovação das contas enseja, como única penalidade, a devolução da quantia apontada como irregular acrescida de multa, circunstância que prejudica eventual interpretação de que, no caso de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, poder-se-ia aplicar pena mais severa. Desde a edição da Lei dos Partidos Políticos, ao interpretar o art. 36, o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos, nada obstante a previsão legal disponha a cominação dessa sanção. Diretriz alinhada ao entendimento do TSE no mesmo sentido. A sanção é desconsiderada por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente, situação incompatível com a fixação de penalidade.

8. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC 0600288-75, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 15.6.2020, DJE de 23.6.2020.) (Grifei.)

 

Portanto, a diretriz traçada por este Tribunal estabelece que a aprovação das contas com ressalvas não acarreta a sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário prevista no art. 36 da Lei n. 9.096/95.

Assim, a aprovação com ressalvas mostra-se consentânea com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais, segundo esta Corte e o TSE, devem nortear o julgamento das prestações de contas, ainda que necessária a devolução de R$ 25.453,20 ao erário (R$ 16.851,00 – malversação do FP; R$ 8.252,20 – fonte vedada; e R$ 350,00 – RONI) e a aplicação de R$ 13.500,00 na conta destinada à criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, no exercício subsequente ao trânsito em julgado da presente decisão.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do Diretório Estadual do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA, referentes ao exercício 2019, e determino o recolhimento de R$ 25.453,20 ao Tesouro Nacional, bem como a aplicação de R$ 13.500,00 na conta destinada à criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, no exercício subsequente ao trânsito em julgado da presente decisão, vedada sua aplicação para finalidade diversa, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.