REl - 0600661-31.2020.6.21.0067 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 19/09/2022 às 14:00

Eminentes Colegas.

Alinho-me integralmente ao parecer ofertado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, e adianto que divirjo da conclusão a que chegou o e. Relator no que se refere a preliminar de nulidade do conjunto probatório, suscitada pelos recorrentes CARLOS EDUARDO ULMI e MDB DE MUÇUM em seus respectivos recursos.

Entendo que a abordagem realizada pelos quatro policiais militares (Boldrini, Júnior, Natanael e Mizael) foi realizada dentro dos parâmetros autorizados pela legislação, inclusive constitucional, as quais permitem ao Estado o exercício do poder de polícia ostensiva e preventiva.

Essa é a razão, aliás de cunho objetivo, da diligência levada a efeito pelos integrantes da Brigada Militar, sem que tenha ocorrido violação a garantia ou a direito. Dito de outro modo: não houve inviolabilidade pessoal ou malferimento à intimidade ou privacidade do candidato a vereador CARLOS EDUARDO (e aqui destaco entender dispensável a discussão sobre a equivalência da inspeção veicular à inspeção pessoal), tratando-se, em verdade, de encontro fortuito de provas, a “prova achada”, amplamente considerada como válida pela doutrina e pela jurisprudência.

Como exposto no bem-lançado parecer ministerial, trata-se de aplicação do princípio da serendipidade. Na doutrina, comungo do posicionamento externado por Fernando Capez, o qual assevera que:

(…) a rejeição pura e simples da prova fortuitamente encontrada, viola o princípio da proporcionalidade por exigir da autoridade investigante um conhecimento prévio que ela não tem condições de possuir. Além disso, haveria proteção deficiente do bem jurídico em relação ao novo delito trazido à luz pelas provas fortuitamente encontradas, pois ignorar sua existência mesmo tendo sua descoberta ocorrido em diligência regulamente autorizada pela Justiça, seria abraçar injustificadamente a impunidade. (artigo acessível no site Conjur, via link https://www.conjur.com.br/2021-mai-20/fernando-capez-serendipidade-encontro-fortuito-prova#:~:text=Serendipidade%3A%20o%20encontro%20fortuito%20de%20prova&text=Serendipidade%20%C3%A9%20o%20encontro%20fortuito,curso%20da%20investiga%C3%A7%C3%A3o%20de%20outro. 

Tenho que a lição se presta ao caso sob análise. Senão, vejamos.

Traçando paralelo, se a diligência de abordagem policial a veículos é legítima – e o Relator assim expressamente assevera, a partir deste ato legítimo (abordagem) é que surgiu a constatação da prática de delito – esse o momento em que os policiais militares visualizaram o material ilícito tanto na parte dianteira do veículo, próxima ao câmbio de marchas, quanto no banco traseiro.

E essa, visualização, por sua vez, concedeu legitimidade para a abordagem interna do automóvel, obviamente.

O raciocínio do Relator, do qual discordo, parece residir na confusão entre (1) o conceito de  aleatoriedade, característica típica de boa parte das atividades policiais preventivas (as denominadas “blitz”, por exemplo), versus uma inocorrente (2) arbitrariedade, como se os agentes de segurança tivessem a seu bel prazer escolhido tão somente o veículo dos recorrentes para fazer uma espécie de “varredura”.

De modo algum.

O policial Tiago Martini expressamente consignou que a Brigada Militar realizava a operação de maneira indistinta, diante de notícias de ameaças de cunho político entre os concorrentes ao pleito, e indagado pelo procurador dos recorrentes – é esclarecedor que a expressão tenha sido inicialmente usada pelo advogado na pergunta – se houve abordagem dos “dois lados”, ao que o policial respondeu afirmativamente.

Nesse norte, é incontroverso que os recorrentes não foram os únicos abordados na operação. Há testemunhos que indicam a realização de mais de “30, 40 abordagens” (novamente, o policial Tiago Martini), elemento que entendo inerente à atividade policial, sob pena de que nenhuma diligência preventiva, investigativa possa ser realizada, nenhum flagrante possa ser identificado. Ora, foram encontrados dinheiro, caderno de anotações e material de campanha eleitoral, repertório típico que nitidamente estava sendo utilizado naquele momento pelos recorrentes para a prática do artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, às vésperas da eleição.

Ademais, as provas não foram encontradas a diretamente partir da busca, veicular ou pessoal, mas sim teve gênese na visualização de material que, por sua vez ensejou a inspeção veicular – esta ocorrida em um segundo momento.

Sublinho: o ilícito foi identificado a partir de uma sequência de atos, todos legítimos: (1) abordagem do veículo; (2) visualização pelos policiais, através dos vidros do veículo, de material suspeito; (3) vistorias veicular e pessoais.

Ora, não vislumbro que outro comportamento seria exigível dos policiais em tais circunstâncias, que não pudesse inclusive caracterizar a figura típica da prevaricação de parte dos agentes públicos, caso não tivesse agido como agiram. Imagine-se crime grave, por exemplo uma pessoa amordaçada, sequestrada e deitada sobre o banco traseiro do veículo, e as circunstâncias do atuar policial legítimo seriam, penso, mais facilmente identificadas em senso comum, mas tenho como equivocado mensurarmos a legitimidade da atividade policial sob viés consequencialista, sopesando a gravidade do ilícito após ele, ilícito, ter sido identificado.

Para além, como se não bastasse a cadeia de atos ser íntegra, há a circunstância indicada pelo policial Nataliel Ricardo em depoimento, no sentido de que o automóvel modelo Prisma, na cor preta, já havia sido objeto de alerta de parte da guarnição da Brigada Militar do Município de Muçum, acompanhado de notícia de abordagem não exitosa:

“(...) Então eles já avisaram a guarnição de Encantado, que éramos eu, soldado Boldrini e soldado Júnior. Então, ficamos atentos a esse veículo. À noite, fomos patrulhar entre a divisa de Muçum e Encantado. Encontramos a outra GU e fizemos um ponto base no local, ali no acesso ao trevo. Então o veículo referido apareceu, e a gente realizou a abordagem, tudo dentro da técnica, do padrão, da legalidade.

 

Na sequência, Nataniel afirma, categoricamente: “(…) Não é por conta de eleição. Esse trabalho de abordagem a veículos, como já era um veículo suspeito, incluído, ele já é feito. A abordagem já são executadas. Não é por conta de eleição que a gente muda os padrões de abordagem”.

Ora, o alerta da guarnição de Muçum é um fato, com natureza objetiva, que por si só já justificaria a abordagem – aliás exitosa – realizada. Entendo temerário que o Poder Judiciário, na análise, substitua os fatos incontroversos por um juízo de que o relato dos policiais não teria esclarecido “de forma satisfatória” a motivação da suspeita e da abordagem, este sim um critério altamente subjetivo, a satisfação.

Reforço: o fato da abordagem deu início à busca investigativa, modalidade mais frequente de busca pessoal, “instrumento policial voltado à produção de provas, elementos informativos e ligada à finalidade da persecução penal que é responsabilizar o autor do crime”, como afirma Juliano Marques de Azevedo em alentado texto sobre o tema, acessível no site Consultor Jurídico através do link https://www.conjur.com.br/2022-ago-01/marques-azevedo-alem-fundada-suspeita .

Transcrevo, aqui, trecho do artigo, por elucidativo:

(...)

Simplificando: exigir fundada suspeita na busca preventiva faria com que a Polícia preventiva tivesse que esperar a ocorrência de um ilícito para que, suspeitando objetivamente dessa prática, pudesse realizar busca pessoal para encontrar aquilo que já constitui corpo de delito (logo uma infração penal).

Evidente a incompatibilidade lógica, pois a atividade preventiva pressupõe a antecipação, para impedir que o ilícito se concretize;

Diferente da polícia investigativa, de olhar retrospectivo, a polícia preventiva tem olhar prognóstico; olha para o futuro; por isso se dedica a uma atividade dissuasória, que visa desestimular a prática de ilícitos.

 

Entendo, assim, atendido no caso concreto o requisito da “fundada suspeita” exatamente por haver elementos concretos – visualização de material suspeito em automóvel de cor e modelo compatíveis com relato de outra viatura policial – que autorizavam o procedimento de revista e apreensão de objetos, situação bem diversa daquelas narradas nos precedentes indicados pelo Relator como paradigmáticos, os quais entendo distintos, pois aqui a abordagem não se baseou em “nervosismo” do ocupante do carro, em denúncia anônima ou “sentimento” do agente policial, mas sim, repito, com base em fato.

Essa, a divergência, no relativo à preliminar suscitada.

No relativo ao mérito, acompanho o voto do e. Relator.

É como voto, Eminentes Colegas.