REl - 0600052-33.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/09/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de NAYARA MARTELLI, candidata ao cargo de vereadora no Município de Viamão, nas eleições de 2020, e aplicou multa de R$ 10.737,54, bem como determinou o recolhimento de R$ 1.700,00 ao Tesouro Nacional, em face das seguintes irregularidades: (I) falta de esclarecimento quanto à origem dos recursos próprios utilizados na campanha, (II) extrapolação do limite de autofinanciamento de campanha e (III) gastos com combustíveis sem o registro, nas contas, de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia.

Passa-se, a seguir, à análise discriminada dos apontamentos glosados.

 

I – Dos Recursos de Origem Não Comprovada

Na instância a quo, o examinador técnico, em seu parecer conclusivo, apontou que a candidata não forneceu esclarecimentos quanto à origem dos recursos próprios aplicados em campanha, nos seguintes termos (ID 44990790):

2. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA (ART. 32 DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

O candidato não esclareceu a dúvida quanto aos recursos próprios aplicados em campanha, pois superam o valor do patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura, (art. 15, I c.c art. 25, §2º, da Resolução TSE nº 23.607/2019):

Na sentença, o magistrado assim enfrentou a questão (ID 44990793):

1) A origem dos recursos próprios no total de R$ 16.740,00, não foram esclarecidos tendo em conta que o candidato não apresentou declaração de bens, nem manifestou-se quanto a origem das verbas merecendo no mínimo a desaprovação das contas pela omissão.

Registro que a jurisprudência se consolidou no sentido de que a utilização, em campanha,  de recursos financeiros próprios em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente para, per se, desaprovar as contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato e com a ocupação por ele exercida, consoante ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVAÇÃO. USO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS EM CAMPANHA EM MONTANTE SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. COMPATIBILIDADE. REALIDADE FINANCEIRA E OCUPAÇÃO DO CANDIDATO. VALOR ÍNFIMO. DESPROVIMENTO.

1. O uso de recursos financeiros próprios em campanha em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente, por si só, para desaprovar contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato que declara sua ocupação. Precedentes.

2. No caso dos autos, embora o TRE/CE tenha assentado a existência de outras irregularidades que ensejaram a rejeição do ajuste contábil, consignou, especificamente quanto ao tema, que a renda mensal do candidato, declarada no valor de R$ 2.000,00, possibilitou a doação de recursos próprios no montante de R$ 2.500,00, e que a hipótese não cuida de recursos de origem não identificada.

3. Concluir em sentido diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 35885, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 61, Data: 29.3.2019, pp. 64-65.) Grifei.

 

Assim, caberia à prestadora de contas demonstrar a sua capacidade econômica ou a origem dos recursos aplicados na campanha, de modo a sanar a ausência de declaração de bens no registro da candidatura, conforme admitido em julgados deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS SEM A CORRESPONDENTE DECLARAÇÃO DE BENS NO REGISTRO DE CANDIDATURA. COMPROVADA A CAPACIDADE ECONÔMICA. DEPÓSITO EM ESPÉCIE DIRETAMENTE NA CONTA DE CAMPANHA. VALOR ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. NECESSIDADE DE TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. DEMONSTRADA A ORIGEM DA DOAÇÃO. INFORMAÇÕES PRESTADAS. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Apresentação de novos documentos com o recurso. Possibilidade. Providência que contribui para o esclarecimento da movimentação financeira sem prejudicar o procedimento. Utilização de recursos próprios sem declaração de bens no registro de candidatura. Suspeita de ausência de capacidade. Irregularidade suprida pela apresentação da declaração de imposto de renda. Doação acima de R$1.064,10 mediante depósito em espécie, sem transferência eletrônica. Documentos comprovando saque de valor idêntico à doação um minuto antes do depósito. Prova que afasta a irregularidade. A divergência na identificação de doador, limitada à falta de preenchimento de seu nome completo, constitui mera inconsistência formal, incapaz de prejudicar a regularidade das contas. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 17411 PORTO ALEGRE - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 29/06/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 116, Data 03/07/2018, Página 6.) Grifei.

 

Todavia, no caso em comento, a recorrente alega que o montante considerado sem origem esclarecida, na quantia de R$ 16.740,00, seria parcialmente proveniente de doação de R$ 13.490,00, recebida de Michele Braun Teodoro, CPF n. 007.906.450/76, efetivada na conta bancária pessoal da candidata, a qual teria transferido o valor para sua conta de campanha tão logo tomou conhecimento da contribuição (ID 44990796).

A recorrente, embora devidamente intimada, tanto na fase instrutória quanto por ocasião da interposição do recurso, deixou de produzir qualquer prova visando demonstrar o alegado, tal como a apresentação do comprovante de depósito em sua conta bancária pessoal, ou que, de alguma maneira, inclusive por meio de seus rendimentos, possuía capacidade econômica para o respectivo aporte de recursos.

Assim, a inércia da candidata em ofertar a comprovação de suas alegações, ora renovada em grau recursal, prejudica a confiabilidade das contas em relação à efetiva origem das receitas manejadas, conduzindo à manutenção da sentença quanto ao ponto em discussão.

Na mesma linha, destaco o seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE BENS DECLARADOS EM PROCESSO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. INGRESSO DE VALORES PRÓPRIOS DO PRESTADOR SEM DEMONSTRAÇÃO DE SUA ORIGEM. REGRA OBJETIVA. IRREGULARIDADE DE ELEVADA MONTA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em virtude da utilização de recursos próprios em montante incompatível com o patrimônio declarado no processo de registro de candidatura, e determinou o recolhimento do valor irregular ao erário.

2. O prestador declarou não possuir bens em seu processo de registro de candidatura, contudo utilizou recursos próprios em sua campanha sem demonstração da origem. Irrelevância da argumentação quanto à boa-fé do candidato, diante da objetividade da norma, que exige a comprovação da origem dos recursos utilizados na campanha, nos termos do art. 61 da Resolução TSE n. 23.607/19. Recolhimento.

3. Irregularidade que perfaz 100% das receitas auferidas, em montante superior ao parâmetro utilizado por esta Corte para aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade visando aprovar as contas com ressalvas. Manutenção da sentença com recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. Desprovimento.

(TRE-RS – REl 0600522-24.2020.6.21.0150, Relator: DES. FEDERAL LUIS ALBERTO DAZEVEDO AURVALLE, Data de Julgamento: 15.10.2021)

 

Cumpre anotar, em acréscimo, que a decisão de primeiro grau, embora concluindo que a origem dos recursos não foi esclarecida, deixou de determinar o recolhimento dos correspondentes valores ao Tesouro Nacional, nos termos estipulados pelo art. 32, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante disso, inviável que a referida providência seja adotada nesta instância, em face da preclusão da matéria, diante da ausência de recurso ministerial, e da incidência do princípio da non reformatio in pejus, conforme entendimento desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS EM MONTANTE SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. INVIABILIZADO O RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PRINCÍPIO DE VEDAÇÃO À REFORMATIO IN PEJUS. DIVERGÊNCIA ENTRE FORNECEDOR E BENEFICIÁRIO DO PAGAMENTO. FALHA GRAVE. INVIÁVEL A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

(...).

3. Não determinado pelo juízo a quo o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (art. 32, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19). Inviável que a referida providência seja adotada nesta instância, em face da preclusão da matéria, diante da ausência de recurso ministerial e da impossibilidade de agravamento da situação jurídica do recorrente, por incidência do princípio da vedação da reformatio in pejus. Nesse sentido, jurisprudência desta Corte.

(...).

6. Desprovimento.

(TRE-RS – REl 0600207-06.2020.6.21.0082, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 15.06.2021) Grifei.

 

II – Da Extrapolação do Limite de Autofinanciamento

A unidade técnica, na origem, em seu parecer conclusivo, indicou que a candidata extrapolou o limite de uso de recursos próprios, tecendo a seguinte manifestação (ID 44990790):

3. EXTRAPOLAÇÃO DE LIMITE DE GASTOS (ARTS 4° A 6°, 8°, 41 E 42, DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

O valor dos recursos próprios supera em R$ 10.737,54 [soma RP menos 10% do limite de gastos fixado para a candidatura] o limite previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

O fato enseja a aplicação da sanção prevista no art. 6º da Resolução TSE nº 23.607/2016.

 

Na sentença, foi entendida caracterizada a inconsistência, sendo aplicada multa no importe de R$ 10.737,54, sob o seguinte fundamento (ID 44990793):

2) A extrapolação em R$ 10.737,54 do limite de gastos, apontada no item 2 do parecer conclusivo, não deixa dúvidas quanto ao desrespeito à determinação do Art. 27, § 1º da Resolução TSE nº 23.607/2019, ensejando também a desaprovação das contas bem como a aplicação da multa prevista no Art. 6º do mesmo diploma legal.

 

Como se percebe, para entender que houve a extrapolação do limite de gastos com recursos próprios, a sentença considerou inclusive a quantia de R$ 16.740,00, reconhecida no item anterior como incongruente com o patrimônio declarado pela candidata e sem comprovação de origem.

Contudo, uma vez reconhecido que tal valor representa recursos de origem não identificada, não há como enquadrá-lo, simultaneamente, como oriundo de recursos próprios, o que pressupõe a certeza quanto à origem das receitas do patrimônio da candidata, havendo, assim, uma incompatibilidade lógica na caracterização da mesma receita nessas diferentes espécies de irregularidade.

Assim, sendo incontroverso que os recursos glosados não possuem origem identificada, inviável a aplicação da multa prevista no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

(...)

§ 2º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer. (Incluído pela Lei nº 13.878, de 2019)

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso.

 

Nesse sentido, colho o seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. MAJORITÁRIA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. RECOLHIMENTO. APLICAÇÃO DE RECEITAS PRÓPRIAS ACIMA DO LIMITE LEGAL. MULTA. DEPÓSITO DIRETAMENTE NO CAIXA BANCÁRIO PELO PRESTADOR. AFRONTA AO ART. 21 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. INVIABILIZADA A DEMONSTRAÇÃO DA REAL ORIGEM DOS VALORES. RONI RECONHECIDO. AFASTADA MULTA POR APORTE DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. IRREGULARIDADE REPRESENTANDO 38,25% DO TOTAL DECLARADO A AUTORIZAR A DESAPROVAÇÃO DA CONTABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS MANTIDA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO RECURSAL QUANTO AO PONTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. MULTA AFASTADA. RECOLHIMENTO DO RONI AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas as contas dos recorrentes, em razão do recebimento de doações, em espécie, em montante superior ao marco legal autorizado, realizadas pelo mesmo depositante. Ordem de recolhimento do valor das contribuições irregulares. Utilização de recursos próprios acima do limite fixado para o pleito majoritário no município. Aplicação de multa.

2. Realizados nove depósitos, em espécie, pelo mesmo doador, diretamente no caixa da instituição financeira, para a conta de campanha dos prestadores. Alegação de que os aportes foram efetuados por um dos recorrentes, com receitas próprias, insuficiente a infirmar a caracterização da cifra doada como recursos de origem não identificada – RONI, visto que a operação, executada de forma distinta da disposta na norma de regência, inviabiliza a aferição da real origem dos valores. Recolhimento.

3. Montante que ingressou na conta de campanha a título de RONI desconsiderado do cômputo para determinar a extrapolação do limite de gastos com recursos próprios conforme o cargo pretendido. Desconhecida a origem da importância recebida, não há como considerá-la advinda de doador identificado, o que caracterizaria duplicidade sancionatória. Afastada multa por gastos com recursos próprios acima do limite de 10% definido para o cargo na municipalidade.

4. Irregularidade que remonta a 38,25% do total auferido no pleito, percentual que autorizaria o juízo de desaprovação das contas. Ausente recurso no ponto, inviável a alteração da decisão a quo pela aprovação com ressalvas da contabilidade.

5. Reforma da sentença para, mantida a aprovação com ressalvas, afastar a multa por excesso no emprego de recursos próprios na campanha majoritária, preservado o recolhimento do RONI ao Tesouro Nacional.

6. Provimento parcial.

(TRE-RS – REl 0600394-43.2020.6.21.0040, Relator: DES. ELEITORAL OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, Data de Julgamento: 03.08.2021) Grifei.

 

Assim, impõe-se o afastamento da irregularidade em tela e, por consequência, da multa aplicada.

 

III – Dos Gastos com Combustíveis em Desacordo com o art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19

Ainda, foi apontado no parecer técnico conclusivo que a candidata empregou verbas do FEFC para pagamento de gastos com combustíveis, no total de R$ 1.700,00, sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, em descumprimento ao art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante a seguinte tabela (ID 44990790):

Na sentença, o juiz a quo compreendeu que houve afronta ao art. 35, §§ 6º e 11, da Resolução TSE n. 23.607/19 e determinou a devolução ao Tesouro Nacional de R$ 1.700,00, com fundamento no art. 79, §§ 1º e 2º, do referido diploma normativo.

A recorrente argumenta que os comprovantes de gastos com combustível acostados aos autos constituem prova concreta da natureza das despesas, ainda que ausentes os pormenores previstos na norma de regência, bem como que a importância é inferior a 5% das receitas, não ensejando a desaprovação das contas.

Deveras, a matéria concernente aos gastos com combustíveis e manutenção de veículo utilizado na campanha encontra-se disciplinada no art. 35, §§ 6º e 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…).

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Como se depreende das disposições, as despesas do candidato com combustível, se reputadas como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 35, § 11, inc. II, do aludido diploma normativo, que contempla os veículos utilizados a serviço da campanha.

Podem tais despesas, entretanto, ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, da aludida Resolução TSE n. 23.607/19.

In casu, foram juntadas aos autos as notas fiscais emitidas pelo fornecedor POSTO DE COMBUSTIVEL DA FIGUEIRA EIRELI II contra o CNPJ da campanha.

Porém, não foram atendidas as demais condições previstas no dispositivo retromencionado, de maneira que sequer se tem como estabelecer com segurança se o combustível adquirido foi usado no abastecimento de veículos em carreata (inc. I), veículo a serviço da campanha (inc. II) ou geradores de energia (inc. III).

Nítida, assim, a configuração da irregularidade, razão pela qual a glosa deve ser mantida.

Entretanto, impõe-se efetuar reparo no comando sentencial relativamente à devolução de valores aos cofres públicos, que deve ser reduzida para R$ 1.200,00.

No caso, os dispêndios considerados irregulares, no total de R$ 1.700,00, foram pagos mediante a utilização de R$ 1.200,00 de recursos do FEFC e R$ 500,00 da conta “Outros Recursos”.

Portanto, há de se afastar a ordem de recolhimento de R$ 500,00, advindos de verbas privadas, em face da ausência de fundamento legal para sustentar essa decisão, tendo em vista que a obrigatoriedade de devolução somente tem espaço nas hipóteses de “recursos recebidos de fonte vedada, recursos de origem não identificada e de não comprovação da utilização indevida de recursos recebidos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha” (TSE, AgR-REspEl n. 060145451, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 243, Data 24.11.2020).

IV – Do Julgamento das Contas

Assim, tendo em vista que o somatório das máculas atinge R$ 18.440,00 (R$ 16.740,00 + R$ 1.700,00), que representa 68,96% do total das receitas declaradas (R$ 26.740,00), resta inviabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de mitigar a gravidade das falhas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas.

A tal respeito, assinalo que não procede a alegação da recorrente de que, sendo a falha examinada no item III de R$ 1.700,00, inferior a 5% do total dos valores arrecadados, teria o condão de atrair a aprovação das contas.

Esta Corte entende que, para que haja possibilidade de mitigação de irregularidade apurada na prestação de contas, mediante aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o conjunto das máculas deve ser inferior, nominalmente, a R$ 1.064,10 ou, proporcionalmente, situar-se abaixo de 10% do total da receita auferida, não importando o valor isolado de cada inconsistência.

Em idêntico sentido se posiciona o Tribunal Superior Eleitoral:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONVERSÃO EM AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. PARTIDO POLÍTICO. CONTAS DESAPROVADAS. DÍVIDA DE CAMPANHA. CRONOGRAMA DE PAGAMENTO E QUITAÇÃO. AUSÊNCIA. IRREGULARIDADE GRAVE. SÚMULA 24/TSE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 

(...)

3. No caso, são inaplicáveis os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, ao argumento de que o gasto de R$ 22.000,00 com recursos do FEFC seria de pouca monta, pois a análise da insignificância dos percentuais envolvidos deve ter em consideração o total das falhas identificadas, e não apenas uma isoladamente. 

4. Esta Corte Superior assentou que "a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade deve considerar o conjunto das irregularidades verificadas na prestação de contas, não sendo realizada a partir da análise isolada da falha" (AgR–REspe 0601342–06/RN, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 22/4/2020). 

(...)

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060109046, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 216, Data 27.10.2020.) Grifei.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para, mantendo a desaprovação das contas de campanha de NAYARA MARTELLI, relativas às eleições de 2020, afastar a multa imposta e diminuir para R$ 1.200,00 o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.