REl - 0600908-29.2020.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento. Destaco que na classe processual sob exame a juntada de documentos em grau recursal não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades sem nova análise técnica ou diligências complementares. A medida visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual, conforme precedentes desta Corte.

Portanto, conheço dos documentos.

No mérito, ALBERI DA SILVA CECCON interpõe recurso contra a sentença que desaprovou as contas do candidato ao cargo de vereador no Município de Lajeado, relativas às eleições 2020, em razão de (1) recebimento de doação considerada repasse irregular de verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e (2) pagamento de despesa com quantia do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, sem observância da forma prevista em lei. A decisão hostilizada determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 500,00.

Passo à análise.

1. Do recebimento de doação considerada repasse irregular

O prestador de contas recebeu recursos originários do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC oriundos de doação de candidata do sexo feminino, no valor de R$ 500,00.

Na sentença, o magistrado da origem entendeu que a prática afrontou o art. 17, § 6º e seguintes, da Resolução TSE n. 23.607/19, em razão de não haver indicação de benefício para a campanha da candidata doadora. Transcrevo os dispositivos:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § § 1º Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

(...)

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 6º e 7º deste artigo, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

No ponto, a defesa do recorrente está elaborada, em resumo, nos seguintes termos:

(...)

Ainda, em relação a transferência realizada pela candidata Daniela ao candidato cabe salientar que trouxe benefícios a candidata, uma vez que, o valor foi utilizado para atos de campanha da candidata. Neste sentido, primeiramente, importante informar que, o Diretório Estadual foi quem determinou a forma e os valores que cada um dos candidatos a Vereador(a) receberiam, respeitando a cota das mulheres. Ainda, importante informar que, o Diretório Estadual estava realizando a transferência das doações candidato por candidato. Contudo, devido a um erro no sistema bancário, bem como pelo momento que a doação foi efetivada, dois dias antes do pleito eleitoral, o recurso de doação do Diretório Estadual do Podemos, teve que ser repassado para a conta bancária da candidata Daniela da Rosa - CNPJ - 38.628.945/0001-25, que realizou a transferência aos demais candidatos. Importante pontuar que, o erro ocorreu em outros Municípios e que a mesma pratica foi adotada pelo Diretório Estadual do Podemos, que realizou a transferência a um dos candidatos e este transferiu aos demais, obtendo nestes a aprovação das contas. Neste sentido, ressaltamos que, apesar do equívoco em razão do erro no sistema bancário, é perfeitamente possível identificar a referida doação do Diretório Estadual do Podemos a candidata Daniela da Rosa, bem como a transferência da conta da candidata aos demais candidatos do Partido ao Cargo de Vereador na cidade de Lajeado/RS.

 

Ou seja, alega que a transferência realizada trouxe benefício à candidata e que, por erro no sistema bancário, o recurso “teve que ser repassado” pelo Diretório Estadual da agremiação para a candidata Daniela da Rosa que, por sua vez, transferiu aos demais candidatos.

Argumentos de inviável aceitação.

Em primeiro lugar, deixo claro que do conjunto probatório nada se extrai para comprovar a ocorrência de benefício à candidata doadora, Daniela da Rosa. Destaco que a cota de gênero substancia importante ação afirmativa com o escopo de fortalecer as candidaturas femininas e que, portanto, não pode comportar argumentos vagos, lacônicos, de benefício. Como situação excepcional, o benefício à candidatura feminina doadora há de ser cabalmente demonstrado mediante a apresentação de dados objetivos, situações fáticas dotadas de concretude, e não argumentos meramente opinativos.

Ademais, a alegação de ocorrência de um "erro" no sistema bancário que impediu o repasse para um correntista específico, mas possibilitou a transferência a outro, em igual situação, além de pouco crível, contém indícios de planejamento no âmago partidário de realização do repasse ilegal.

Explico.

Não houvesse o repasse de valores de parte do partidos Podemos - PODE de Lajeado à candidata Daniela da Rosa, a agremiação incorreria em desobediência às regras eleitorais que determinam cogentemente o fomento às candidaturas de mulheres. Ou seja, a remessa de valor de parte do Podemos à candidata Daniela em nada socorre os argumentos recursais, pois eles decorrem de imperativo legal.

E, além, após a remessa de valores à candidata, houve prontamente a doação ao ora recorrente que, repito, não pode ser atribuída a erro bancário fundamentalmente porque não há prova do alegado. A situação poderia ter sido objeto de diligência perante a agência bancária responsável, apenas a título de exemplo, para que fossem minimamente esclarecidos os fatos. 

Noto que até mesmo o cometimento de equívoco do partido político no momento de alocação dos valores do FEFC poderia ser sanado, desde que houvesse alguma prudência de parte dos envolvidos, pois seria suficiente a candidata realizar a imediata devolução ao diretório, ao qual caberia corrigir os destinos das verbas, nos termos da legislação de regência.

Assim, permanece a caracterização da irregularidade quanto à doação recebida pelo candidato Alberi da Silva Ceccon, devendo a quantia de R$ 500,00 ser recolhida ao Tesouro Nacional, conforme bem determinado na sentença.

2. Do pagamento de despesa sem observância da forma prevista em lei

A segunda falha diz respeito à ausência de comprovação de gasto eleitoral realizado com verba do FEFC, decorrente do desconto de cheque no valor de R$ 500,00, atribuído pelo recorrente ao pagamento de "agenciador de pessoas" para divulgação da propaganda eleitoral.

No contexto probatório relativo ao tópico, o recurso destaca um contrato de prestação de serviço firmado entre o candidato e Sérgio Adriano da Silva, além de um recibo e uma imagem do cheque nominal não cruzado em nome do contratado, no valor referido.

Observo que, nos extratos bancários, o registro do cheque descontado vem desacompanhado da indicação da contraparte, e, no concernente à realização de gastos eleitorais, a Resolução TSE n. 26.607/19 dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

O recorrente sustenta que os documentos juntados denotam a regularidade das contas.

Igualmente sem razão.

Muito embora haja, nos autos, cópias do cheque nominal e do contrato de prestação de serviços, não entendo comprovado o pagamento ao fornecedor, pois os extratos bancários não apresentam a contraparte sacadora do valor, apenas indicando “CHEQUE PAGO EM OUTRA AGÊNCIA”.

Sublinho, assim, que a falha decorre da não observância das formas estabelecidas na legislação de regência para o pagamento dos gastos eleitorais: cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária.

Como bem esclarece o douto Procurador Regional Eleitoral em trecho do parecer que transcrevo e adoto expressamente como razões de decidir, a fim de evitar desnecessária repetição:

Cumpre ressaltar que os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente. Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento, para que se possa apontar, por análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades. Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi tal pessoa quem efetivamente recebeu o referido valor. É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos. Ademais, a obrigação para que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei nº 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF. Finalmente, ao não ser cruzado o cheque, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade.

Nesse norte, inexistindo a comprovação do vínculo entre o pagamento e o credor declarado, objeto do recibo e do contrato juntados à prestação, remanesce a irregularidade e a correta determinação de recolhimento do valor de R$ 500,00, pois a verba é oriunda do FEFC.

Cabe aqui um esclarecimento, pois a falha ora analisada recai sobre os mesmos recursos públicos recebidos do FEFC, irregularidade primeira da prestação de contas e já objeto de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, de modo que não cabe a repetição da ordem, em atenção ao princípio da vedação de dupla cominação sancionatória.

Por fim, destaco que as falhas representam a integralidade das receitas financeiras utilizadas na modesta campanha, R$ 500,00, e estão nominalmente abaixo do parâmetro legal de R$ 1.064,10 admitido pela jurisprudência do TSE como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), admitindo a aprovação com ressalvas das contas.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas e manter a determinação de recolhimento de R$ 500,00 ao Tesouro Nacional.