REl - 0600008-18.2021.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/09/2022 às 14:00

VOTO

A sentença aponta que o partido recebeu recursos de origem não identificada por meio de depósito em dinheiro efetuado em sua conta bancária no valor total de R$ 1.820,00, acima do limite estabelecido pelo § 3º do art. 8º da Resolução TSE n. 23.604/19, nos seguintes termos:

[…]

Além disso, a Resolução TSE n. 23.604/2019, ao tratar do recebimento de doações por parte das agremiações partidárias, dispõe, em seu art. 8º, § 3º, que "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal". Esta norma visa claramente a garantir a rastreabilidade do dinheiro arrecadados pelos partidos políticos, evitando o recebimento, por parte destes, de recursos em desacordo com a legislação.

Quando recebidos recursos em desacordo com o art. 8º, eles não podem ser utilizados e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídos, até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ou, se não for possível identificá-lo, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 14 da resolução, é o que prevê o § 10 do art. 8º, da Resolução TSE n. 23.604/2019.

Com relação aos gastos, prevê a Resolução TSE n. 23.604/2019, em seu art. 18, § 4º que os gastos devem ser pagos mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou o CNPJ do beneficiário.

Dito isto, verificou-se no exame das contas o depósito em dinheiro no valor de R$ 1820,00 na data de 05/08/2020, em desacordo com o art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/2019. Em suas alegações a agremiação diz que o depósito foi realizado por Tatiane Culau Vieira, juntando os comprovantes de depósito do dinheiro e argumentando que esta possui capacidade financeira para a doação.

Com efeito, para atendimento da norma inscrita no art. 8º, § 3º, não se perquire a respeito de eventual capacidade financeira do doador, situação esta que é objeto de outras normas de direito eleitoral. A norma visa simplesmente a identificação cabal do doador, portanto, a capacidade contributiva da alegada doadora não vem ao caso.

Por outro lado, a juntada dos comprovantes de depósito realizado no caixa eletrônico também não são suficientes para a identificação cabal do doador, motivo pelo qual existe a regra do art. 8º, § 3º, determinando seja a doação acima de R$ 1.064,10 seja realizada apenas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal. O rol é taxativo pois são estes os meios que melhor servem a finalidade de identificação inequívoca do doador e rastreabilidade da origem da doação, em atenção ao dever fiscalizatório exercido pela Justiça Eleitoral. A finalidade precípua da norma é justamente evitar que somas vultosas de dinheiro ingressem nas contas do partido sem a identificação correta do doador e da verdadeira origem dos recursos. Depósitos no caixa eletrônico são meramente declaratórios quanto a identificação do doador e não impedem que o dinheiro seja arrecadado, exemplificativamente, entre pessoas cuja doação seja vedada, e então, seja o dinheiro depositado no caixa eletrônico informando-se o CPF de pessoa sem impedimentos legais.

Além do mais, tal expediente de depósito de somas elevadas no caixa eletrônico impedem a rastreabilidade da origem dos recursos financeiros doados ao partido político. Com efeito, a doação mediante depósito no caixa eletrônico é imprestável para atender a finalidade de identificação do doador (art. 8º, § 3º) e para que a Justiça Eleitoral cumpra a finalidade maior de fiscalização da arrecadação dos recursos (art. 36, § 1º). Assim, é irregular a doação de R$ 1.820,00, datada de 05/08/2020, perante as normas de direito eleitoral e partidário.

Não obstante isso, o § 10, do art. 8º ainda prevê que a quantia recebida em desacordo com essas regras não pode ser utilizada, devendo ser restituídas ao doador, se identificado, ou recolhidas ao Tesouro Nacional, se de origem não identificada. No caso em tela, os recursos arrecadados são de origem não identificada, visto que a recolhimento de quantias no caixa eletrônico não se presta a identificar cabalmente o doador, ante a natureza meramente declaratória dos comprovantes de depósito.

[…]

Conforme se verifica do exame dos autos, o depósito no valor de R$ 1.820,00 foi realizado em espécie, na conta bancária do partido, com a identificação de doadora com o nome Tatiane C Vieira, CPF n. 654.860.050-91 (ID 44886343 – p. 4).

Nada obstante a irresignação recursal, está correta a magistrada a quo ao concluir que “a doação mediante depósito no caixa eletrônico é imprestável para atender a finalidade de identificação do doador”, pois ainda que informe o nome do possível contribuinte, não há como vinculá-lo ao depósito lançado na conta.

Nos extratos bancários consta o recebimento de depósito identificado pelo CPF da depositante, entretanto se trata de mera declaração por parte de quem tenha efetuado a contribuição, não sendo exigido comprovante de tal alegação pelo estabelecimento bancário.

Portanto, não se trata de analisar boa ou má-fé, dolo ou culpa na conduta, mas de procedimento que viola o disposto no art. 8º, §§ 3º e 10, da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual ou distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e da respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (art. 39, § 1º, da Lei nº 9.096/95).

...

§ 3º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

…

§ 10. As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas, até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ou, se não for possível identificá-lo, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 14 desta resolução.

Está acertado o raciocínio da sentença recorrida, pois a forma de arrecadação viola os princípios da transparência e da confiabilidade das contas, e os documentos juntados aos autos não têm o condão de sanar as falhas constatadas.

O comprovante com nome e CPF da contribuinte para a conta bancária da agremiação é mero indício de prova que não assegura a certeza necessária quanto à procedência do recurso nem confirma sua relação com o depósito, mesmo com identificação de possível origem efetuada na conta bancária do partido.

A Resolução TSE n. 23.604/19 é clara ao estabelecer que as doações financeiras acima de R$ 1.064,09 devem ser por transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, e cabe ao partido diligenciar para que o aporte de recursos financeiros seja sempre realizado na forma estabelecida na normatização legal:

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

…

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

…

Veja-se que o caput do art. 13 da referida Resolução é expresso ao dispor: “É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada”.

Destarte, é a legenda que deve zelar pela observância das regras da legislação eleitoral quanto à sua conta bancária.

Em seu art. 14, há a determinação de que o recebimento direto ou indireto de recursos de origem não identificada sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito.

Sobre a questão, a jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha grave que impede o controle da Justiça Eleitoral sobre eventuais fontes vedadas e prejudica a transparência das declarações contábeis.

Colaciono o seguinte precedente com idêntico sentido:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. AFASTADA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DE DIRIGENTE PARTIDÁRIO. MÉRITO. LICITUDE DAS DOAÇÕES REALIZADAS POR DETENTORES DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. DEPUTADO ESTADUAL. FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DO CPF DE CONTRIBUINTES NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. REPASSE DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO A ÓRGÃO IMPEDIDO DE RECEBER VALORES DESSA RUBRICA. INOBSERVÂNCIA DA APLICAÇÃO DO PERCENTUAL DE PROMOÇÃO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES. SUSPENSÃO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS.
1. Afastada a preliminar de ilegitimidade passiva. Incontroverso que o dirigente foi um dos responsáveis pelo controle e pela movimentação financeira da agremiação durante parcela do exercício financeiro em análise, sendo assim legitimado para integrar o presente processo. Aplicação das disposições processuais previstas na Resolução TSE n. 23.464/15.
2. Recebimento de valores advindos de deputado estadual e de vereadores. Licitude das doações. Cargos não enquadrados no conceito de autoridade pública a que se refere o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, na redação vigente ao tempo dos atos em análise. O fundamento para vedar a doação de ocupantes de cargos de direção e chefia é evitar a distribuição de funções públicas com o intento de alimentar os cofres partidários. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, são alçados ao cargo pela vontade popular. Considerar tais doadores como autoridade pública significaria atribuir interpretação ampliativa de uma norma restritiva de direitos, o que não se coaduna com a ordem constitucional.
3. Emprego de verbas de origem não identificada. Valores depositados em espécie e na conta da agremiação, sem a identificação do CPF do contribuinte. Irregularidade que enseja o recolhimento do montante indevidamente utilizado ao Tesouro Nacional.
4. Configura irregularidade o repasse de recursos do Fundo Partidário ao Diretório Municipal durante o período em que cumpre suspensão de recebimento das quotas.
5. Inobservância da regra de destinação do percentual mínimo de 5% dos recursos oriundos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas para promover e difundir a participação política das mulheres. Imposição do acréscimo de 2,5% no ano seguinte ao trânsito em julgado, bem como o recolhimento do valor correspondente ao Erário, ante a proibição legal de utilização da quantia para outra finalidade, nos termos do art. 22 da Resolução TSE n. 23.432/14.
6. Sancionamento. Suspensão de recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de um mês. Recolhimento ao Tesouro Nacional do valor da quantia irregularmente empregada.
7. Desaprovação.
(TRE-RS, PC N. 54-16, deste relator, julgado em 10.10.2018, publicado no DEJERS n. 187, de 15.10.2018, pp. 4-5.) (Grifei.)

Indiscutível, portanto, a caracterização de recurso de origem não identificada em relação ao valor percebido pelo partido político, via depósito bancário em espécie, acima do limite autorizado pela norma de regência.

Considerando que não há segurança sobre a origem dos valores recebidos pelo partido no documento apresentado, a manutenção da sentença de desaprovação das contas é medida que se impõe.

Por fim, é inviável a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, visando à mitigação do juízo de desaprovação para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, dado que a cifra de R$ 1.820,00 representa 51,97% da receita arrecadada (R$ 3.502,00) e ultrapassa o parâmetro utilizado por esta Corte para considerar a quantia ínfima, seja em valores nominais ou percentuais.

Assim, a irregularidade é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira, não sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas do exercício de 2019 apresentadas pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DE JÚLIO DE CASTILHOS/RS DO PARTIDO PROGRESSISTAS (PP) e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 1.820,00, nos termos da fundamentação.