REl - 0600808-68.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/09/2022 às 14:00

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o apelo.

Inicialmente, em relação ao requerimento de suspensão dos efeitos da sentença, registro que, em sede de processo eleitoral, há de se observar o disposto no art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, in verbis:

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

(…)

§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.

Como se depreende do dispositivo transcrito, os recursos interpostos contra sentenças proferidas em processos de prestação de contas eleitorais não se inserem dentre as hipóteses permissivas de atribuição de efeito suspensivo.

No entanto, o recolhimento de valores arrecadados de fontes vedadas ou sem identificação de origem, bem como aqueles movimentados em desacordo com as normas que disciplinam as receitas derivadas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário, deve ser comprovado no prazo de até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão que apreciou a contabilidade eleitoral (arts. 31, § 10, 32, § 2º, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), de sorte que, enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença, ex vi legis, não gera qualquer restrição à esfera jurídica da parte recorrente (TRE-RS, RE n. 48121, Relator DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 24.11.2017, p. 9).

Por essas razões, ausentes previsão legal e interesse processual na atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso, deve ser indeferido o pedido.

No mérito, a sentença desaprovou a prestação de contas de campanha de ELSO ALERICO, em virtude do recebimento de doações no valor de R$ 750,00 e de R$ 62,50 mediante depósitos em espécie, sem indicação do CPF do doador originário, e determinou o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.

Em sua defesa, o recorrente alega que os valores depositados em espécie correspondem a recursos próprios e que, por um equívoco, foi indicado o CNPJ de campanha ao invés do seu CPF.

Adianto que o recurso merece parcial provimento.

A matéria objeto de exame encontra-se disciplinada no art. 21, inc. I da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(…).

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(…) (Grifei.)

 

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I – a falta ou a identificação incorreta da doadora ou do doador;

(…) (Grifei.)

 

Conforme depreende-se do comando previsto no art. 21, inc. I e §§ 4º e 5º, e no art. 32, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, é possível a realização de doação de valor em espécie por meio de depósito, desde que a quantia seja inferior a R$ 1.064,10 e que o CPF do doador seja informado. Inexistindo identificação do doador, os recursos são reputados como de origem não identificada, e, havendo sua utilização, o valor deve ser recolhido ao Tesouro Nacional.

De fato, está constatada a realização de dois depósitos em espécie, realizados nos dias 29.10.2020 e 17.12.2020, nos valores de R$ 750,00 e R$ 62,50, com a indicação do CNPJ da campanha do candidato ao invés do CPF do depositante.

O recorrente, por sua vez, não logrou êxito em demonstrar que os valores depositados realmente foram provenientes de recursos próprios.

Consigno que este Tribunal tem afastado a tese de que devem ser considerados como recursos próprios os valores depositados na conta de campanha em nome do CNPJ da candidatura devido à falta de confiabilidade da procedência do numerário a partir de mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea.

Isso porque a finalidade da norma que exige a identificação dos doadores de campanha consiste, principalmente, em coibir a possibilidade de transações ilícitas provenientes de fontes vedadas.

Nesse sentido, colaciono precedentes deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO EFETUADA POR BENEFICIÁRIA DE AUXÍLIO EMERGENCIAL. MATÉRIA NÃO IMPUGNADA. RECEBIMENTO DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS EM DINHEIRO. CNPJ DE CAMPANHA INDICADO COMO DOADOR. OBRIGATORIEDADE DE IDENTIFICAÇÃO DO CPF DO DOADOR. CONFIGURADO RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. COMPROMETIMENTO DA CONFIABILIDADE E TRANSPARÊNCIA DAS CONTAS. ERRO MATERIAL DA SENTENÇA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO NEGADO.

1. Desaprovação de prestação de contas relativa às eleições municipais de 2020 para o cargo de vereador, em decorrência do recebimento de três depósitos bancários em dinheiro com o CNPJ de campanha indicado como doador, e do recebimento de doação efetuada por beneficiária do auxílio emergencial. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

2. Depósitos em dinheiro efetuados com indicação do CNPJ de campanha. Se o mesmo número de CNPJ é indicado como sendo o do depositante e o do depositado, não é possível presumir se o recurso é de terceiro ou do candidato. Qualquer pessoa, ciente do CNPJ da candidatura, pode utilizar o número nos campos de doador e donatário, sendo inviável verificar a exata origem dos recursos. Ainda que o candidato tenha apresentado os comprovantes de depósitos realizados com o número do seu CNPJ como sendo o do depositante, permanece a falha porque essa circunstância impossibilita à Justiça Eleitoral verificar a autenticidade da declaração de que o valor se trata de recurso pessoal aplicado na campanha. A falta de confiabilidade e de transparência sobre a origem do recurso não fica afastada pela declaração de que o depósito foi realizado pelo próprio prestador, pois o art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 expressamente determina que as doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado. Ainda que o candidato justifique a falha apontando equívoco de procedimento em razão de o depósito estar identificado com o CNPJ da campanha e não com o CPF do doador, a origem do recurso consiste em mera alegação que não se sustenta em prova fidedigna, permanecendo a irregularidade.

3. Na impossibilidade de se determinar a origem das doações financeiras, os valores auferidos enquadram-se como sendo recursos de origem não identificada, os quais, se utilizados durante a campanha, devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, conforme preconiza o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. A confiabilidade e a transparência das contas de campanha restaram severamente comprometidas pelas irregularidades não esclarecidas, sendo acertado o juízo de desaprovação das contas. Nesse sentido, jurisprudência desse Tribunal. Equívoco do exame técnico quanto aos valores dos depósitos realizados com o CNPJ da campanha, ocasionando erro material da sentença. À luz do princípio da vedação da reforma em prejuízo, deve ser mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional apenas do que consta da decisão recorrida.

4. Provimento negado.

(TRE-RS, REL PC 060037683, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischman, julgado em 17.5.2022, publicação DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 88, Data: 20/05/2022, Página 12) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES EM ESPÉCIE, EM VALOR SUPERIOR AO LIMITE ESTABELECIDO NA NORMA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. MANTIDO DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou a prestação de contas de candidato, relativas às eleições de 2020, em virtude do recebimento de depósito financeiro, em espécie, em valor superior ao limite estabelecido na norma e de doação irregular. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

[...]

3. Recebimento de doação, em dinheiro, tendo por doador declarado o próprio CNPJ de campanha. Esta Corte tem entendido que a mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea relacionada à movimentação bancária da receita de sua conta pessoal, não é suficiente para a comprovação da origem dos valores. Assim, na linha da jurisprudência deste Tribunal, não há confiabilidade na mera declaração unilateral de que a procedência é própria e que o recurso é pessoal. Caracterizada a irregularidade, consubstanciada no recebimento de quantia de origem não identificada, cuja consequência é a necessidade de seu recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme preconizam os arts. 21, § 4º, e 32, § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19.

[...]

5. Desprovimento.

(TRE-RS, REL 060040890, Relator Des. Eleitoral Francisco José Moesch, julgado em 09.05.2022, publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 25/05/2022) (Grifei.)

Assim, entendo que permanece a irregularidade consistente no recebimento de recursos de origem não identificada.

 

Conclusão

Embora a falha consolidada em R$ 812,50 (R$ 750,00 + R$ 62,50) represente 81,25% do total das receitas declaradas na campanha (R$ 1.000,00), em termos absolutos mostra-se módica (abaixo de R$ 1.064,10), situação que autoriza a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência do TSE e desta Corte.

Contudo, impõe-se a manutenção da sentença quanto ao dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, nos termos do § 4º do art. 21, c/c o art. 79, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por dar parcial provimento ao recurso para aprovar com ressalvas as contas de ELSO ALERICO, candidato ao cargo de vereador no Município de Mato Castelhano nas eleições de 2020, mantendo a determinação de recolhimento do valor de R$ 812,50 (oitocentos e doze reais e cinquenta centavos) ao Tesouro Nacional.