MSCiv - 0601875-93.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/09/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas.

Registro a viabilidade da impetração do mandado de segurança em face das decisões proferidas no âmbito do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, as quais não ostentam caráter jurisdicional, mas eminentemente administrativo.

O entendimento está consolidado no art. 54, § 3º, da Resolução TSE n. 23.608/19, que estabelece o mandado de segurança como a via cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia, in verbis:

Art. 54. A competência para o processamento e julgamento das representações previstas no Capítulo II não exclui o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral e as enquetes, que será exercido pelas juízas ou pelos juízes eleitorais, por integrantes dos tribunais eleitorais e pelas juízas ou pelos juízes auxiliares designados.

§ 1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral é restrito às providências necessárias para inibir ou fazer cessar práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas e das matérias jornalísticas ou de caráter meramente informativo a serem exibidos na televisão, na rádio, na internet e na imprensa escrita.

§ 2º No exercício do poder de polícia, é vedado à magistrada ou ao magistrado aplicar sanções pecuniárias, instaurar de ofício a representação por propaganda irregular ou adotar medidas coercitivas tipicamente jurisdicionais, como a imposição de astreintes (Súmula nº 18/TSE).

§ 3º O mandado de segurança é a via jurisdicional cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia.

(Grifei.)

 

Na hipótese, o writ foi impetrado em face de ato do Juiz Eleitoral da 03ª Zona – Gaurama, que determinou fossem mantidas as peças publicitárias instaladas em dois locais da RS 331, nas quais constam os dizeres “DEUS PÁTRIA E FAMÍLIA - ESTAMOS CONTIGO PRESIDENTE - GAURAMA-RS - #FECHADOCOM BOLSONARO”, bem como uma foto do Presidente e atual candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro.

Por pertinente, transcrevo as razões trazidas na decisão impugnada:

(…) No caso em apreço, apesar de comprovada a conduta relatada - confecção de placa em homenagem ao Presidente da República, que é candidato a reeleição e, portanto, potencialmente beneficiado pela ação, a (i)legalidade da situação comprovada não está, ainda, pacificada nos Tribunais. Além disso, o fato narrado não ocorre isoladamente nesta Comarca - nada há de local nos fatos narrados, que ocorrem por todo o território nacional - de modo que, antes de pleitear o exercício do Poder de Polícia deste Juízo, seria muito mais adequado que o representante, pelas instâncias partidárias correspondentes, acionasse e obtivesse provimento declarando a ilegalidade da conduta pelo Tribunal competente.

Em outras palavras, revela-se um cerceamento da manifestação democrática uma decisão de Juiz de primeiro grau que determine a remoção da placa realizada, caso sobrevenha entendimento do TSE sobre a legalidade (indiferente eleitoral) da situação narrada. O correto é o caminho contrário: à luz de precedente do TSE que expressamente declare a ilegalidade da conduta, aciona-se o poder de polícia (administrativo) do juiz local, que se limita a dar cumprimento e concretude ao comando exarado pelo Tribunal competente. Com isso, se obtém integridade, segurança jurídica e coerência nas manifestações e atitudes da Justiça Eleitoral como um todo, e não manifestações esparsas e contraditórias que somente contribuem para o desgaste da instituição e assoberbamento do serviço judiciário.

(…)

Ainda que fosse possível caracterizar o artefato reclamado como meio vedado, para exercício do poder de polícia, complemento no sentido de que, para muito além do meio em si reclamado, deve-se averiguar o conteúdo da mensagem, pois “o uso de outdoors ou meios assemelhados para a veiculação de mensagens sem a mínima conotação eleitoral não se enquadra na vedação do art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97” (AgR no AI nº 0600501-43/SP, rel., o Ministro Admar Gonzaga, DJe 04.11.2019.).

No caso concreto, inexiste pedido explícito de voto dos dizeres insertos na placa, bem como não há sequer menção a candidatura, projeto político futuro ou mesmo às eleições.

Consubstancia-se, em verdade, na simples manifestação espontânea de apoio e respaldo ao ocupante do cargo de Presidente da República, sendo que, sabidamente, a liberdade de expressão e de pensamento é consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como Direito Fundamental.

(…)

 

Transcrita a sentença prolatada na origem, indico que o entendimento aqui vertido vai de encontro ao exarado na decisão combatida, na medida em que considero que os artefatos, objetos da lide, configuram propaganda eleitoral proibida.

O processo NIP n. 0600048-38.2022.6.21.0003 foi ajuizado em 05.8.2022, e o parecer ministerial, utilizado como lastro para decisão vergastada, data de 11.8.2022, ou seja, ambos tiveram origem em período anterior ao início da propaganda eleitoral, em 16.8.2022, nos termos do art. 2º da Resolução TSE n. 23.610/19, verbis:

Art. 2º A propaganda eleitoral é permitida a partir de 16 de agosto do ano da eleição.

 

Iniciada a corrida eleitoral, obrigatório atentar para a vedação ao uso de outdoor, a qual encontra esteio no art. 26 do mesmo diploma:

Art. 26 É vedada a propaganda eleitoral por meio de outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos políticos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

 

Aqui, em que pese a decisão exarada pelo Juízo da 03ª Zona Eleitoral aponte a legalidade das peças impugnadas, tenho por divergir, pois, considerando o momento de campanha para a reeleição, os outdoors, a toda prova, fazem propaganda em prol do candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro, visto que, mesmo sem pedido explícito de voto, os dizeres “Estamos contigo Presidente” e “FechadocomBolsonaro”, somados à foto do presidenciável, transmitem a ideia de apoiamento do eleitorado gauramense ao concorrente.

Ou seja, apesar de a propaganda não apresentar pedido expresso de voto, o conteúdo eleitoreiro da mensagem, neste momento, é capaz de criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais em benefício do candidato.

Não desconheço que esta Corte, em casos análogos, apresentou entendimento distinto do aqui esposado, como no MSCiv n. 0600192-21.2022.6.21.0000, de relatoria do Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado em 08.7.2022, o qual restou assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÃO 2022. PROPAGANDA ELEITORAL. LIMINAR INDEFERIDA. ARTEFATO PUBLICITÁRIO. ART. 36-A DA LEI N. 9.504/97. NÃO APRESENTADO PEDIDO EXPLICITO DE VOTOS, MENÇÃO À PRETENSA CANDIDATURA OU EXALTAÇÃO DE QUALIDADES PESSOAIS. INDIFERENTE ELEITORAL. NÃO DEMONSTRADA A EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DENEGADA A SEGURANÇA.

1. Mandado de segurança impetrado em face de decisão proferida pelo Juízo da Zona Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, indeferiu requerimento para remoção de artefatos publicitários veiculando suposta propaganda eleitoral extemporânea. Liminar indeferida.

2. Viabilidade de impetração do presente mandado de segurança, uma vez que a decisão do juízo eleitoral fora proferida em exercício de poder de polícia, atividade administrativa, conforme assentado por esta Corte.

3. No caso dos autos, o artefato publicitário apontado recebe o abrigo do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, na medida em que não apresenta pedido explícito de votos, menção à pretensa candidatura ou exaltação de qualidades pessoais do Presidente da República, requisitos para a caracterização de propaganda eleitoral antecipada. A situação enquadra-se em um indiferente eleitoral, na linha de precedentes da Corte Superior. Não demonstrada a existência de direito líquido e certo.

4. Denegada a segurança.

 

Ocorre que, instaurado o período eleitoral, foi necessário ponderar e reexaminar a matéria, agora sob a égide da eleição e dos efeitos da divulgação no eleitorado local, de sorte que a nova exegese, diante do contexto apresentado, passou a ser pela irregularidade dos artefatos, na linha da vedação disposta no art. 26 da Resolução TSE n. 23.610/19.

A ilustrar o hodierno entendimento, segue ementa de aresto de lavra do Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo no MSCiv n. 0600478-96.2022.6.21.0000, julgado em 09.9.2022:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL. INDEFERIDO PEDIDO DE RETIRADA DE OUTDOOR. PRELIMINARES. PRESERVAÇÃO DO OBJETO DA DEMANDA. PARTICIPAÇÃO DA UNIÃO. MÉRITO. REMOÇÃO DE OUTDOOR EM PROPRIEDADE PRIVADA ÀS MARGENS DE VIA PÚBLICA. DEFLAGRADO PERÍODO PERMITIDO DE PROPAGANDA ELEITORAL. VEDAÇÃO. CONCEDIDA A SEGURANÇA.

1. Mandado de segurança impetrado em face de decisão proferida pelo Juízo da Zona Eleitoral que, no exercício do poder de polícia, indeferiu pedido de retirada de outdoor com suposta propaganda eleitoral antecipada em meio defeso pela legislação eleitoral. Pedido de tutela liminar indeferida.

2. Viabilidade da impetração de mandado de segurança em face de decisão proferida no âmbito do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, a qual não ostenta caráter jurisdicional, mas eminentemente administrativo. Entendimento consolidado no art. 54, § 3º, da Resolução TSE n. 23.608/19.

3. Preliminares. 3.1. Preservação do objeto da demanda. Embora a decisão impugnada tenha analisado a peça sob a perspectiva da propaganda eleitoral antecipada, não há perda de objeto pelo início das campanhas desde 16 de agosto, posto que persistem os argumentos de ilicitude relativamente à proibição de uso do outdoor para divulgação de qualquer espécie de propaganda eleitoral, conforme prevê o art. 39, § 8º, da Lei das Eleições. 3.2. Participação da União. Os arts. 7º, inc. II, e 13, da Lei n. 12.016/09 expressamente estabelecem a necessidade de ciência da pessoa jurídica interessada tanto da impetração quanto da concessão da segurança. No ponto, desnecessária a avaliação de seu eventual interesse concreto no presente momento processual, o qual poderá  surgir, por hipótese, em eventual recuperação de gastos públicos havidos com a remoção do artefato. Rejeitada a preliminar.

4. Ainda que o art. 36-A da Lei das Eleições permita, durante a pré-campanha, a divulgação de mensagens de apoio e agradecimento a prováveis concorrentes ao pleito, desde que não envolvam pedido explícito de voto, sua incidência se exaure com o advento das campanhas propriamente ditas. Com o início do período eleitoral, por imposição do art. 39, § 8º, da Lei das Eleições, é vedada a utilização de outdoors que promovam candidaturas, seja implícito ou explícito o propósito eleitoral

5. Artefato publicitário com a imagem de candidato à reeleição ao cargo de Presidente da República, com nítida referência ao pleito vindouro e com divulgação de slogans de campanha. Diante da deflagração do período permitido de propaganda eleitoral, não remanesce dúvida quanto à ilicitude do meio para veiculação de imagem de candidato à presidência.

6. Concessão da segurança. Determinada a remoção do outdoor. (grifei)

 

Logo, o artefato se amolda ao conceito de propaganda eleitoral, entendida como "aquela que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública" (AgR-Respe n. 167-34/RN, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 10.4.2014, e Respe n. 41395, Acórdão, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. designado Min. Rosa Weber, DJE de 27.6.2019.).

Inegável, desta feita, que, ao arrepio da norma, a veiculação apresenta conteúdo eleitoral e se dá via meio proscrito, qual seja, uso de outdoor vedado pelo art. 26.

Destarte, diante da deflagração do período permitido de propaganda eleitoral, impõe-se reconhecer o direito líquido e certo à remoção dos artefatos impugnados.

Por fim, cabe ressaltar que, conforme consignado pelo Juízo impetrado (ID 45076252), os artefatos impugnados já foram removidos pelos responsáveis por sua colocação.

Ante o exposto, VOTO pela confirmação da liminar e pela concessão da segurança.

É como voto, Senhor Presidente.