REl - 0600417-51.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Destaco que a recorrente acostou documentação em fase recursal, circunstância que na classe processual sob exame não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. A medida visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual, conforme precedente desta Corte.

JULIANA ASSIS SEIXAS interpõe recurso contra a sentença que desaprovou suas contas de candidata ao cargo de vereador de Cerro Grande do Sul, nas eleições do ano de 2020, e determinou o recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.

As irregularidades dizem respeito à (1) omissão de prestação de informações à Justiça Eleitoral relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha, conforme apontado no exame técnico de ID 99078906, em contrariedade ao disposto na Resolução TSE n. 23.607/19, e ao (2) pagamento de gastos eleitorais com verbas do FEFC, sem identificação do destinatário nos extratos bancários.

Ainda, no concernente à omissão de informações, o parecer técnico oferecido na origem apontou quatro notas fiscais apresentadas pela recorrente, referentes ao adimplemento de despesa com combustíveis, sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, em montante de R$ 1.400,00 (ID 44917164).

No campo normativo, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece as hipóteses nas quais as despesas com combustíveis são consideradas gastos eleitorais, conforme art. 35, § 11, inc. II, als. "a" e "b", que transcrevo:

Art. 35 (…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas;

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

No ponto, a prestadora não se manifestou após devidamente intimada sobre o parecer técnico e nem apresentou qualquer justificativa em suas razões recursais.

Ou seja, a caracterização da irregularidade decorre da interpretação gramatical do normativo.

Destaco, contudo, que no presente tópico a sentença deixou de determinar o recolhimento de valores, de maneira que em sede recursal é incabível a revisão da situação, considerando que apenas o prestador de contas interpôs recurso.

A segunda irregularidade refere-se à ausência de comprovação do regular pagamento de despesas no montante de R$ 1.000,00, por meio dos cheques n. 004 e 005 da conta n. 06.037560.0-8, banco Banrisul, para movimentação das verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

A análise técnica apontou divergência. A candidata informou que as verbas foram destinadas a dois pagamentos, nomeadamente para (1) Francieli da Silveira Nunes, em virtude de distribuição de santinhos, e (2) Arianen Pereira Dias, pela locação de imóvel para campanha (ID 44917137), ao passo que os registros dos extratos eletrônicos disponíveis na Justiça Eleitoral apontam como contrapartes no desconto das referidas cartelas (1) o Comercial de Combustíveis Joia Ltda. e (2) o Supermercado Schwalm Ltda.

Sublinho que a forma exigida para realização dos gastos eleitorais está claramente definida, de modo taxativo, na Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

Entre os documentos acostados ao recurso, a recorrente apresentou fotografias das folhas dos cheques n. 004 e n. 005 da conta n. 06.037560.0-8 do Banrisul, no valor de R$ 500,00 cada um, os quais verifico terem sido emitidos de forma nominal e cruzada (IDs 44917180 e 44917181).

Entendo, na mesma linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que diante da apresentação dos cheques corretamente preenchidos, mostra-se impositivo reconhecer que a candidata atuou em atenção ao prescrito, não podendo ser responsabilizada por eventual endosso do título após a sua emissão.

Na mesma linha, este Tribunal julgou à unanimidade o processo n. 0600135-17.2020.6.21.0018, de minha relatoria, assim ementado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO DE FORMA INDEVIDA. PAGAMENTO DE DESPESA VIA CHEQUE NÃO CRUZADO. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DOCUMENTAÇÃO JUNTADA SUFICIENTE A IDENTIFICAR OS DOADORES E BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS. CÓPIA DE MICROFILMAGEM. COMPROVANTE DE DEPÓSITO. NOTA FISCAL. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADO O DEVER DE RECOLHIMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas prestação de contas, em virtude do recebimento de doação de forma desobediente àquela prevista pela legislação de regência, com a determinação de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, e do pagamento de despesas com recursos de campanha provenientes da conta “Outros Recursos”, mediante cheque não cruzado, com ordem de devolução do valor à agremiação partidária. 2. Documentação colacionada suficiente para demonstrar a origem da doação recebida, ainda que de forma distinta da prevista no regramento. Cheque nominal não cruzado com destinação comprovada, não havendo falar em recurso de origem não identificada. Afastado o dever de recolhimento ao erário. Falha resolvida. 3. Demonstrada a destinação dos valores utilizados para quitação de despesas, via cheque não cruzado. Juntada ao feito cópia de microfilmagem e outros documentos a indicar a correta emissão da cártula, nominal e cruzada, na forma da lei. Comprovado o depósito do título de crédito na conta da empresa informada, conforme nota fiscal. Prestador dispensado da obrigação de recolhimento ao órgão partidário. Vício sanado. 4. Provimento. Aprovação das contas. (Grifei.)

Por fim, destaco que o montante das irregularidades, no valor de R$ 1.400,00, representa 43,2% dos recursos recebidos e excede o parâmetro legal de R$ 1.064,10 admitido pela jurisprudência do TSE como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), devendo ser mantida a desaprovação.

Diante do exposto, VOTO para dar provimento parcial ao recurso, afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e manter a desaprovação das contas.