REl - 0600001-05.2021.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/09/2022 às 16:30

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade da Sentença por Falta de Fundamentação

Os recorrentes alegam a existência de “absoluta incompatibilidade entre a decisão prolatada e as provas carreadas nos autos, bem como se vê a falta de fundamentação, de elementos que permitam vislumbrar uma relação lógica entre fatos, provas e decisão”. Destacam que “a sentença se fundamenta de forma paradoxal”, reconhecendo a incontrovérsia de fatos narrados na inicial, mas julgando a ação improcedente, por falta de prova cabal sobre a fraude. Aduz que a sentença menciona apenas genericamente falta de robustez probatória, sem jamais analisar a prova produzida.

Na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a preliminar merece ser rejeitada, pois a sentença encontra-se adequadamente fundamentada.

Reproduzo a respeito a sintética e percuciente manifestação ministerial (ID 45020597):

A sentença encontra-se fundamentada, não tendo incorrido em nenhuma das hipóteses previstas no art. 489, inc. III, § 1º do CPC.

 

Conforme o próprio recorrente sustenta nas razões recursais, os fatos que deram ensejo à AIME são, fundamentalmente, incontroversos. A discussão reside na consequência jurídica decorrente de tais fatos.

 

A sentença, analisando os fatos, concluiu que não são eles suficientes para caracterização de candidatura fictícia.

 

Não há ausência de fundamentação, e sim irresignação do recorrente quanto ao mérito da sentença, o que deve ser tratado no tópico próprio.

 

Destarte, a preliminar não merece ser acolhida.

 

Deveras, o decisum compreendeu como incontroversos os fatos, contudo os entendeu como não caracterizadores de fraude, pondo em evidência os aspectos que esvaziariam a alegação de uma candidatura meramente simulada, em sentido diverso do pretendido pelos apelantes.

Portanto, não há que se cogitar em ausência de fundamentação, impondo-se a rejeição da preliminar.

Do Mérito

No mérito, os recorrentes sustentam que houve fraude praticada pelo PROGRESSISTAS de Capão do Leão e por TATIANA LEAL OLIVEIRA, VALENTIM AGUIAR DA SILVA, FERNANDA RIBEIRO LOPES e LUIZ FERNANDO DA SILVA, no tocante ao preenchimento do percentual mínimo de candidaturas do sexo feminino à Câmara de Vereadores de Capão do Leão.

Segundo aduzem os recorrentes, houve burla ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, porquanto TATIANA LEAL OLIVEIRA não teria se registrado como candidata com o animus de disputar a eleição, mas tão somente de ocupar vaga que viabilizasse a apresentação de duas candidaturas masculinas a mais na chapa proporcional do partido, em troca de cargo público, na hipótese de se sagrar vitorioso o candidato à chefia do Poder Executivo local.

Com efeito, de acordo com o § 3º do art. 10 da Lei Eleitoral, cada partido preencherá suas vagas à Casa Legislativa com o mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo:

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

(…).

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

 

Destaca-se que a finalidade perseguida pela referida norma é estabelecer um equilíbrio mínimo entre o número de candidaturas masculinas e femininas.

Trata-se da implementação de ação afirmativa, com o nítido propósito de ampliar a participação das mulheres no processo político-eleitoral.

Conforme reconhece o TSE, “o incentivo à presença feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se observância, sincera e plena, não apenas retórica ou formal, ao princípio da igualdade de gênero”, prevista no art. 5º, caput e inc. I, da CF/88 (RP 29657, Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE 17.3.17).

Cabe assinalar que, visando promover pragmaticamente a igualdade de gênero nas campanhas eleitorais, garantindo às candidaturas femininas acesso a recursos públicos, o STF, ao julgar a ADI n. 5.617, em 15.3.2018, no tocante ao Fundo Partidário, deu “interpretação conforme à Constituição ao art. 9º da Lei 13.165/2015 de modo a (a) equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997, isto é, ao menos 30% de cidadãs), ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do montante do Fundo alocado a cada partido, para eleições majoritárias e proporcionais, e (b) fixar que, havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhe seja alocado na mesma proporção”, conteúdo decisório esse que foi estendido aos recursos do FEFC.

Dada a importância do tema, a Corte Superior Eleitoral assentou o cabimento de AIME para apurar fraude à cota de gênero.

A propósito, colaciono os seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. PROVAS ROBUSTAS. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO.

1. A fraude à cota de gênero de candidaturas femininas representa afronta aos princípios da igualdade, da cidadania e do pluralismo político, na medida em que a ratio do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 é ampliar a participação das mulheres no processo político-eleitoral.

2. No caso, as pretensas candidatas manifestaram-se expressamente no sentido de que suas candidaturas visavam apenas o preenchimento formal de cotas de gênero. A chapa proporcional engendrou um esquema para simular a efetividade da candidatura, com a votação mínima das supostas candidatas e até a divulgação, de baixa repercussão, das respectivas campanhas.

3. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, a consequência jurídica é: (i) a cassação dos candidatos vinculados ao DRAP, independentemente de prova da sua participação, ciência ou anuência; (ii) a inelegibilidade àqueles que efetivamente praticaram ou anuíram com a conduta; e (iii) a nulidade dos votos obtidos pela Coligação, com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidários, nos termos do art. 222 do Código Eleitoral.

4. Diante do término dos mandatos impugnados, remanesce apenas a imputação da inelegibilidade às candidatas partícipes do ilícito eleitoral.

5. Recurso Especial parcialmente provido.

(REspEl n. 76455, Acórdão, Relator Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE, Tomo 89, Data 18.5.2021.) (Grifei.)

 

Em feitos que visem à cassação de mandatos eletivos por inobservância da cota de gênero, faz-se mister que o arcabouço probatório seja consistente no sentido de evidenciar a fraude, tendo em vista a rigorosa consequência atribuída, que equivale a uma espécie de responsabilidade objetiva de todos os candidatos integrantes da agremiação, uma vez que não se perquire a individualização de suas condutas.

Conforme a jurisprudência do TSE, “a prova de fraude na cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso a denotar o incontroverso objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97” (REspEl n. 060057609, Acórdão, Relator Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE, Tomo 106, Data 09.6.2022).

Nesse passo, entendo que a fraude requer a demonstração inequívoca de que as candidaturas tenham sido motivadas com o fim exclusivo de preencher artificialmente a reserva de gênero.

Na espécie, porém, tenho que essa comprovação não se verificou, uma vez que, a partir do exame do conjunto probatório, a candidata TATIANA buscou votos, ainda que de forma incipiente e com pouco êxito, não servindo seu registro exclusivamente como simulacro de candidatura.

Passo a analisar a moldura fática delineada nos autos.

TATIANA LEAL OLIVEIRA, candidata à Câmara de Vereadores de Capão do Leão, obteve nove votos. Embora a votação tenha sido modesta, revela que ao menos oito outros eleitores daquele diminuto município tomaram conhecimento de sua candidatura e a ela confiaram seus votos.

Consoante a tese defensiva, tal votação, representada por 0,07% dos votos válidos (12.720), equivaleria, no município vizinho de Pelotas, que contabilizou 158.015 votos válidos, à preferência de 110 pessoas, o que certamente não se apresenta como sendo um número desprezível na realidade local.

De qualquer sorte, consigno que votação ínfima ou zerada, por si só, não é motivo suficiente a amparar a conclusão de fraude, conforme o entendimento do TSE:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. FRAUDE. ART. 14, § 10, DA CF/88. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. CANDIDATURA FICTÍCIA. NÃO CONFIGURADA. PROVA ROBUSTA. INEXISTÊNCIA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, confirmou-se, na linha do parecer ministerial, aresto unânime do TRE/BA em que se julgou improcedente o pedido formulado em Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo (AIME), tendo em vista não haver elementos probatórios aptos a caracterizar fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

2. A prova de fraude no preenchimento da cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso a denotar o incontroverso objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

3. Além disso, "apenas a falta de votos ou atos significativos de campanha não é suficiente à caracterização da fraude alegada, especialmente porque é admissível a desistência tácita de participar do pleito por motivos íntimos e pessoais, não controláveis pelo Poder Judiciário" (AgR–REspe 799–14/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 7/6/2019).

4. Na espécie, a moldura fática extraída do aresto a quo não demonstra o cometimento de ilícito eleitoral, pois se reconheceu apenas falta de atos de campanha e baixa votação das duas mulheres cujas candidaturas foram apontadas como fictícias, sem evidência de má-fé. Incidência da Súmula 24/TSE.

5. Ademais, consoante o TRE/BA, "o indeferimento do registro das candidaturas ditas fraudulentas e a não substituição das candidatas indeferidas, (sic) não modificaram a proporção mínima exigida para cada sexo na chapa proporcional impugnada, pois o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) da Coligação dos recorrentes, que antes contava com 8 homens e 7 mulheres (53%/47%), passou a contar com 8 homens e apenas 4 mulheres, resultando na proporção 67%/33%, atendidos os percentuais exigidos pela Lei das Eleições".

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(REspEl n. 060046112, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE, Tomo 155, Data 05.8.2020.) (Grifei.)

 

Outro argumento empregado pelos recorrentes para justificar o ilícito diz respeito ao irmão da candidata TATIANA ter efetuado campanha para candidato adversário.

A afirmação não se mostra razoável para a conclusão defendida, vez que o direcionamento do voto não deve decorrer de meros vínculos pessoais, mas sim de ideias, e os integrantes de um núcleo familiar não necessariamente comungam de semelhantes princípios ideológicos.

O que a jurisprudência admite como indício de burla à cota de gênero é quando a candidata tem o próprio familiar também disputando o mesmo cargo, sem indício de divergência política, e atua em prol da campanha do parente em detrimento de sua própria:

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. VEREADORES. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97.

(...)

TEMA DE FUNDO. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ROBUSTEZ. GRAVIDADE. AFRONTA. GARANTIA FUNDAMENTAL. ISONOMIA. HOMENS E MULHERES. ART. 5º, I, DA CF/88.

4. A fraude na cota de gênero de candidaturas representa afronta à isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 - a partir dos ditames constitucionais relativos à igualdade, ao pluralismo político, à cidadania e à dignidade da pessoa humana - e a prova de sua ocorrência deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, o que se demonstrou na espécie.

5. A extrema semelhança dos registros nas contas de campanha de cinco candidatas - tipos de despesa, valores, data de emissão das notas e até mesmo a sequência numérica destas - denota claros indícios de maquiagem contábil. A essa circunstância, de caráter indiciário, somam-se diversos elementos específicos.

6. A fraude em duas candidaturas da Coligação Compromisso com Valença I e em três da Coligação Compromisso com Valença II revela-se, ademais, da seguinte forma: a) Ivaltânia Nogueira e Maria Eugênia de Sousa disputaram o mesmo cargo, pela mesma coligação, com familiares próximos (esposo e filho), sem nenhuma notícia de animosidade política entre eles, sem que elas realizassem despesas com material de propaganda e com ambas atuando em prol da campanha daqueles, obtendo cada uma apenas um voto; b) Maria Neide da Silva sequer compareceu às urnas e não realizou gastos com publicidade; c) Magally da Silva votou e ainda assim não recebeu votos, e, além disso, apesar de alegar ter sido acometida por enfermidade, registrou gastos - inclusive com recursos próprios - em data posterior; d) Geórgia Lima, com apenas dois votos, é reincidente em disputar cargo eletivo apenas para preencher a cota e usufruir licença remunerada do serviço público.

7. Modificar as premissas fáticas assentadas pelo TRE/PI demandaria reexame de fatos e provas (Súmula 24/TSE).

(...)

(REspEl n. 19392, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE, Tomo 193, Data 04.10.2019, pp. 105-107.) (Grifei.)

 

Tais elementos não se mostram presentes no caso em exame.

No que concerne à asserção de que inexistiu impressão de panfletos ou colinhas em prol da candidatura de TATIANA, tal não se mostra verdadeira.

Conforme nota fiscal vertida aos autos, houve a confecção de colinha do candidato a prefeito, casada com os vereadores, sendo destinadas 2.500 unidades a cada concorrente à Câmara Municipal (ID 44874851).

A documentação carreada ao processo pelos recorridos comprova essa impressão de propaganda eleitoral em prol de TATIANA, por meio de santinhos com colinha (IDs 44874855 e 44874852).

Em verdade, os próprios recorrentes juntaram imagem de santinho da candidata (ID 44874268).

Nesse aspecto, há que se salientar que possível desconformidade registrada na prestação de contas, atinente à arrecadação e à aplicação de recursos, com eventual omissão de doação estimável, não tem efeito sobre o objeto do presente processo.

Ademais, a realização de dispêndios com recursos do FEFC exclusivamente para pagamento de serviços advocatícios e de contabilidade não indica ausência de campanha, menos ainda fraude à cota de gênero, mormente quando se demonstra a produção de material de campanha compartilhado com outros concorrentes da mesma agremiação.

Observa-se, inclusive, que a candidata efetuou, com recursos próprios, aporte de R$ 275,00 em sua conta bancária de campanha destinada a “Outros Recursos”, verba utilizada para complementar a quitação das despesas com serviços jurídicos e contábeis (ID 44874257).

Anote-se que atos de campanha, em muitas situações, prescindem de desembolso de recursos, precipuamente aqueles praticados no ambiente online, em redes sociais.

No caso, vê-se que TATIANA efetivamente anunciou no Facebook sua candidatura e fez pedidos de votos (IDs 44874850 e 44874849).

Insta salientar que o vídeo juntado pelos recorrentes acerca da timeline de TATIANA no Facebook, que alegadamente demonstraria que a candidata não fez campanha, nem nos últimos dias para tal, comprova exatamente o inverso (ID 44874267).

Assistindo-se ao vídeo, percebem-se postagens no último dia permitido para propaganda eleitoral, 14.11.2020, com imagens do santinho de TATIANA com o candidato a prefeito, bem como colinha com seu nome e número.

Além dessas, há diversas outras propagandas, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2020, merecendo destaque a publicidade realizada no dia 14 de setembro daquele ano, referente à sua pré-candidatura.

Destarte, inexiste prova de que houve fraude à cota de gênero, mediante fatos que espelhem o indisfarçável intento de burla ao art. 10, § 3º, da Lei Eleitoral.

Nesse diapasão, trago julgados do TSE:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO. ELEIÇÕES 2020. VEREADORES. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. CANDIDATURA FICTÍCIA. PROVAS ROBUSTAS. AUSÊNCIA. SÚMULA 24/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, manteve–se aresto unânime do TRE/SC em que se assentou serem improcedentes os pedidos formulados em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) ajuizada em desfavor de todos os candidatos a vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em Içara/SC por fraude à cota de gênero (art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97), concluindo–se pela falta de provas robustas da ocorrência do ilícito.

2. Aclaratórios interpostos contra decisum monocrático e com pretensão infringente são recebidos como agravo interno. Precedentes.

3. De acordo com a jurisprudência desta Corte, a prova de fraude na cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso a denotar o incontroverso objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

4. É imprescindível o cuidadoso exame de cada caso para assentar a efetiva ocorrência do ilícito, sob pena de se concluir que todo indeferimento de registro, falta de prática de atos de campanha ou votação zerada caracterizaria fraude, o que não se revela proporcional e tampouco consentâneo com a realidade, em que candidaturas não prosperam por motivos outros que não o propósito de burlar o art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

5. Na espécie, acerca da primeira candidata impugnada, extrai-se do aresto a quo o seguinte contexto: a) não prestou apoio a adversário político; b) foi escolhida pela grei porque ocupava cargo de secretária executiva no diretório municipal desde 2013 e já conhecia os demais candidatos, filiados e a estrutura partidária; c) sua renúncia decorreu da falta de apoio familiar; d) após sua desistência, a grei a substituiu por outra candidata do gênero feminino e da mesma base geográfica; e) a sua substituta recebeu material de propaganda do partido, realizou atos típicos de campanha e obteve 22 votos.

6. Quanto à segunda candidata impugnada, infere–se do aresto a quo as seguintes circunstâncias: a) recebeu material publicitário da grei em quantidade superior a outros candidatos (sete mil santinhos); b) participou de várias reuniões feitas pelo partido com o intuito de promover as candidaturas femininas da sigla; c) ficou afastada da campanha eleitoral pelo período de 15 dias porque teve contato com parente que faleceu vítima da covid–19.

7. Em suma, ao contrário do que alega o agravante, a grei agravada demonstrou verdadeiro intuito de promover a participação das mulheres nas eleições, sobretudo porque organizou eventos com essa finalidade específica. Ademais, uma de suas filiadas que havia renunciado à candidatura foi substituída por outra que demonstrou grande desenvoltura no período de campanha, inclusive com amplo apoio da legenda. Ou seja, a atuação em concreto do partido atendeu aos objetivos do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

8. Não há elementos suficientemente robustos para demonstrar que houve fraude. Como salientou a d. Procuradoria–Geral Eleitoral em seu parecer, concluir de modo diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, nos termos da Súmula 24/TSE. Nesse caso, o exame do suposto dissídio pretoriano encontra–se prejudicado. Precedentes.

9. Agravo interno a que se nega provimento.

(REspEl n. 060000180, Acórdão, Relator Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE, Tomo 145, Data 02.8.2022.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AIJE. AIME. VEREADOR. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. INOCORRÊNCIA. FINALIDADE DE BURLAR A NORMA. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. PRECEDENTE. RESPE Nº 193–92 (VALENÇA/PI). ACÓRDÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO.

I – Das premissas extraídas do acórdão recorrido e da conclusão da Corte Regional

1. Na origem, trata–se de AIJE e AIME, julgadas em conjunto, para apuração de fraude à cota de gênero consubstanciada no lançamento das candidaturas supostamente fictícias.

2. A Coligação A Força do Povo apresentou lista para candidatura à eleição proporcional no pleito de 2016 formada por 9 (nove) homens e 4 (quatro) mulheres, proporção condizente com o percentual mínimo de 30% da cota de gênero exigido pelo art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97. Todavia 3 (três) postulantes do sexo feminino teriam se candidatado somente para preencher o requisito formal da mencionada legislação, sem que pretendessem exercer o mandato eletivo em disputa.

3. O Tribunal a quo, em análise soberana do arcabouço fático–probatório dos autos, reformou a sentença e julgou improcedente a AIJE ao fundamento de que "inexistem provas robustas e indene de dúvidas de que se trata de candidaturas 'laranja' e/ou fictícias, lançadas apenas para compor a cota de gênero exigida por lei".

II – Necessidade de prova robusta a ensejar a procedência da AIJE em virtude de fraude à cota de gênero – incidência do princípio in dubio pro sufragio

4. Na linha da orientação firmada por este Tribunal no paradigmático caso do Município de Valença/PI (REspe nº 193–92, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 4.10.2019) acerca da caracterização da fraude à cota de gênero, "a prova de sua ocorrência deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso", como a disputa de mulheres com familiares próximos, sem notícia de animosidade política entre eles; atuação daquelas em prol da campanha dos parentes ou de candidatos do sexo masculino; ausência de despesas com material de propaganda; votação pífia ou zerada; reincidência em disputar cargo eletivo apenas para preencher a cota; e fruição de licença remunerada do serviço público – fatores que não foram cabalmente demonstrados na espécie.

5. Para a configuração da fraude a ensejar a desconstituição dos mandatos dos eleitos e a invalidação dos votos atribuídos a todos os integrantes da chapa proporcional, imprescindível prova robusta a demonstrar que os registros de candidaturas femininas tiveram o objetivo precípuo de burlar o telos subjacente ao § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/97, que consiste em fomentar e ampliar a participação feminina na política, um dos grandes desafios da democracia brasileira.

6. Fundamental é perquirir, para além das evidências reconhecidas no aresto regional – votação zerada, movimentação financeira e material de campanha inexistentes e desistências posteriores –, se o lançamento da candidatura realizou-se com o fim exclusivo de preenchimento ficto da reserva de gênero ou se houve intenção, mesmo que tímida, de efetiva participação na disputa eleitoral, a exemplo do que ocorreu nestes autos, em que foi constatada presença das candidatas em palestras e na convenção partidária, realização de atos de campanha "corpo a corpo", pedido de voto a eleitores do município e da zona rural e inocorrência de apoio político a outros candidatos.

7. Os elementos delineados no acórdão regional não revelam que as desistências tenham ocorrido mediante pressão ou motivadas por total desinteresse na disputa, mas devido à falta de perspectiva de êxito das candidatas diante dos demais concorrentes.

8. "É admissível e até mesmo corriqueira a desistência tácita de disputar o pleito por motivos íntimos e pessoais, não controláveis pelo Poder Judiciário, sendo descabido e exagerado deduzir o ardil sem que se comprove má–fé ou prévio ajuste de vontades no propósito de burlar a ação afirmativa" (AgR–REspe nº 2–64/BA, Rel. Min. Jorge Mussi, acórdão pendente de publicação). Incidência da Súmula nº 30/TSE.

9. No caso vertente, a Corte Regional concluiu que nem dos depoimentos pessoais nem da prova testemunhal ou documental – seja isoladamente, seja em conjunto com os demais elementos – se poderia extrair juízo de certeza da alegada fraude. Conquanto tenham sido reconhecidos indícios do ilícito imputado nestes autos, há dúvida razoável a atrair o postulado in dubio pro sufragio, segundo o qual a expressão do voto e da soberania popular merece ser preservada pelo Poder Judiciário.

III – Conclusão

10. Recursos especiais desprovidos.

(REspEl n. 060201638, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 175, Data 01.9.2020.) (Grifei.)

 

Este Tribunal Regional tem trilhado a mesma senda, exigindo prova contundente da fraude:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. IMPROCEDENTE. FRAUDE NO REGISTRO DE CANDIDATURA. COTA DE GÊNERO. LEI DAS ELEIÇÕES. CANDIDATURA "LARANJA". O RECONHECIMENTO DA FRAUDE REQUER DEMONSTRAÇÃO INDUVIDOSA. REALIZAÇÃO DE ATOS DE CAMPANHA E BAIXA VOTAÇÃO DAS CANDIDATAS. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente os pedidos formulados em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME, movida em desfavor dos recorridos, sob fundamento de violação ao art. 10, § 3º, da Lei das Eleições, por fraude e abuso de poder no preenchimento do número das candidaturas por gênero, nas eleições proporcionais de 2020. Ausência de prova da fraude no registro de candidatura fictícia.

2. A cota de gênero está prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições, e trata-se de uma ferramenta de discriminação positiva para contornar o problema da sub-representação das mulheres nas casas legiferantes. Por meio de imposição legal, busca-se ampliar a participação feminina no processo político-eleitoral, estabelecendo percentual mínimo de registro de candidaturas femininas em cada pleito. Nas eleições de 2020, o TSE, na tentativa de inibir a burla à cota de gênero, inovou ao fazer constar na própria Resolução n. 23.609/19, que a inobservância da cota de gênero seria causa suficiente para o indeferimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), caso a irregularidade não fosse sanada no curso do processo (§ 6º do art. 17). Contudo, a fraude tem ocorrido em momento posterior ao regular registro e julgamento das candidaturas, quando já aperfeiçoada a formalidade da porcentagem mínima de gênero exigida para deferimento do DRAP, por meio das candidaturas “laranjas”. Entendimento no sentido de que a pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção. O reconhecimento da fraude das candidaturas requer a demonstração, de forma induvidosa, de que houve completo desinteresse na disputa eleitoral.

3. Na hipótese, a prova documental está em consonância com as declarações prestadas pelos informantes, os quais afirmaram que as candidatas praticaram atos de campanha. Quanto à votação, obtiveram 11 e 8 votos, diferentemente de outros feitos em que as candidatas tiveram votação zerada ou com apenas um voto. Demonstrado que as impugnadas, ao menos no seu círculo íntimo, receberam o devido apoio como candidatas, circunstância que confere um mínimo de seriedade e realidade às candidaturas. Conjunto probatório insuficiente para comprovar a ocorrência de fraude à cota de gênero estabelecida no § 3° do art. 10 da Lei n. 9.504/97. Mantida a improcedência da ação.

4. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060058338, ACÓRDÃO de 05.4.2022, Relator Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 08.4.2022.) (Grifei.)

 

RECURSOS. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJEs. IMPROCEDÊNCIA. FRAUDE NO PREENCHIMENTO DA COTA DE GÊNERO. IDENTIDADE DOS FATOS, PARTES E CAUSAS DE PEDIR. JULGAMENTO CONJUNTO. PRELIMINARES SUPERADAS. SUPLENTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. ILICITUDE DA PROVA. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO ELEITORAL – PPE. CARÁTER INQUISITORIAL. PARTIDO POLÍTICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PARTIDO REPRESENTADO. EXTINÇÃO DO FEITO. ART. 485, INC. VI, DO CPC. LEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DO PARTIDO. MÉRITO. COTA DE GÊNERO. LEI N. 9.504/97. PROMOÇÃO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA. SUPOSTAS CANDIDATURAS FICTÍCIAS. CONTEXTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A OCORRÊNCIA DE FRAUDE NAS CANDIDATURAS. PROVIMENTO NEGADO AOS RECURSOS.

(...)

4. Conforme a jurisprudência, os indícios que apontariam uma candidatura falsa seriam o baixo investimento financeiro na campanha, com operações voltadas apenas a demonstrar a regularidade da candidatura; a relação de parentesco com outros candidatos a mesmo cargo, sem nenhuma notícia de eventual animosidade familiar ou política que justificasse a disputa; a ausência de propaganda por parte da candidata e/ou a realização de campanha em benefício de outro candidato; e a contabilização de poucos votos em seu favor. Nesse sentido está o Enunciado n. 60, de caráter doutrinário, aprovado na I Jornada de Direito Eleitoral promovida pela Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral, em fevereiro a maio de 2020.

5. Acervo probatório. 5.1. Demonstrada a regularidade de uma das candidaturas, uma vez que, embora tenha obtido a quantidade inexpressiva de seis votos, comprovou interesse em realizar campanha eleitoral, relatando as dificuldades havidas no pleito de 2020 em relação à disputa anterior, em que havia concorrido e angariado um número substancial de votos. Ademais, ainda que modestamente, realizou divulgação da sua candidatura na internet. 5.2. Em relação à segunda candidata, o conjunto probatório não confere a certeza da existência de fraude em relação à candidatura. Os elementos dos autos conduzem à conclusão de que a recorrida desejava ser candidata e realizou atos de campanha no município, vindo a desistir de divulgar seu nome no decorrer do período eleitoral por fatores alheios à sua vontade. Necessidade de se considerar as peculiaridades locais a fim de verificar as alegações das partes. Dessa forma, o exame da realidade das candidaturas no município, que se extrai tanto dos depoimentos quanto da sentença recorrida, permite concluir pela inexistência de fraude ou abuso de poder.

6. Para o julgamento de procedência do pedido, “a prova de fraude na cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso a denotar o incontroverso objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97”, na linha de precedente do Tribunal Superior Eleitoral (Recurso Especial Eleitoral n. 060085995, Relator Min. Benedito Gonçalves, publicado em 25.05.2022), o que não é o caso dos autos. Prestigiada a vontade popular.

7. Extinção de ambos os feitos, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil, em relação ao partido. Rejeitadas as demais preliminares. Provimento negado aos recursos.

(Recurso Eleitoral n 060058412, Acórdão de 05/07/2022, Relatora Desa. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 07.7.2022.) (Grifei.)

 

Assim, em sintonia com a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, o apelo não merece provimento.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.