REC no(a) Rp - 0601831-74.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/09/2022 às 16:30

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

A presente representação foi ajuizada para o fim de remover da internet, e identificar a autoria, da divulgação de postagem retuitada no perfil de Twitter JB 22 (@Maurexx2) – um retweet (republicação de um tweet), não identificado, contendo uma gravação intitulada “Filha da Maria do Rosário”, realizada por uma humorista, que não se trata da filha da recorrente.

Essa gravação consiste em um vídeo da humorista Fernanda Minazzi, conhecida como “Feminazzi”, e se trata de um retweet (republicação de um tweet) postado originalmente por perfil de autoria identificada como Luizão Salvador “PATRIOTA” (@Luizao5656), em 01.08.2022.

No material, a comediante abre a peça publicitária com vestimenta e acessórios bizarros, a exemplo do absorvente interno (tampão), utilizado como brinco de orelha, se apresenta, e faz um convite aos seus seguidores para que compareçam a um “maconhaço” de apoio ao ex-presidente Lula. Logo a seguir, após uma transição, Fernanda faz nova sátira defendendo traficantes.

A inicial sustenta que a publicação se enquadra nas proibições previstas nos arts. 9°, 9º-A e 27, § 1°, da Resolução TSE n. 23.610/19, pois caracteriza compartilhamento de fato sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado, ofendendo a honra e imagem da candidata, caracterizando-se como propaganda eleitoral negativa e apócrifa.

Transcrevo os referidos dispositivos:

Art. 9º A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiras(os), pressupõe que a candidata, o candidato, o partido, a federação ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se as pessoas responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

Art. 9º-A. É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

 

(…)

 

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A) . ( Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020 )

 

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

§ 2º As manifestações de apoio ou crítica a partido político ou a candidata ou candidato ocorridas antes da data prevista no caput deste artigo, próprias do debate democrático, são regidas pela liberdade de manifestação. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

Embora a esquete da humorista tenha sido utilizada com montagem na qual foi inserido o texto “Filha da Maria do Rosário”, a estrela e sigla do Partido dos Trabalhadores (PT), e a foto do rosto da representante, circunstâncias que levaram este julgador a se debruçar sobre a alegação de violação às normas eleitorais, a falta de fidedignidade do conteúdo é manifesta, assim como a ausência de relevância ou de potencialidade de o material influir de modo grave na campanha a ponto de atrair a atuação da Justiça Eleitoral.

Isso porque a propaganda atacada trata-se de um meme, um viral de internet, com conteúdo de zombaria explícita e escárnio, que circula há muito tempo, ao menos desde 2016, na rede social, sendo incapaz de atingir a integridade do processo eleitoral, exigência prevista expressamente no art. 9º-A da Resolução TSE n. 23.610/19.

A ausência de mínima confiabilidade da informação contida na postagem compartilhada – retuitada, no caso – no sentido de que a humorista é realmente a filha da recorrente, também é por demais evidente.

Não é só.

O vídeo já foi avaliado pelas agências de checagem de notícias Lupa, Boatos.org e Aos Fatos, as quais concluíram não ser verdadeira, difundindo ao público essa informação:

a) https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2019/02/25/verificamos-jovem-que-defende-traficantes/;

 

b)https://www.boatos.org/politica/filha-maria-do-rosario-video-traficantes.html;

 

c) https://www.aosfatos.org/noticias/mulher-em-video-que-convoca-maconhaco-por-lula-nao-e-filha-de-maria-do-rosario/.

 

A mesma gravação foi declarada como falsa por diversos sites jornalísticos, que também classificaram o conteúdo como um viral de internet:

a) G1 (https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2022/05/10/e-fake-que-filha-da-deputada-maria-do-rosario-gravou-video-convocando-maconhaco-a-favor-de-lula.ghtml);

 

b) UOL (https://noticias.uol.com.br/comprova/ultimas-noticias/2022/05/10/jovem-que-faz-satira-sobre-maconhaco-nao-e-filha-de-maria-do-rosario.htm);

 

c) Estadão (https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/jovem-que-faz-satira-sobre-militantes-de-esquerda-nao-e-filha-da-deputada-maria-do-rosario/);

 

d) Yahoo!notícias (https://br.noticias.yahoo.com/%C3%A9-fake-que-filha-da-160335543.html?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_referrer_sig=AQAAAGltCKF5XGTT5s1OGAHlekHtGuRIrbKtipBH5glzVrMj6Y7MnDfE2U6MMwlubktitEyerAKI3Kp8ElgILkie9Thq7O2AlGr-6Spr_9C-2Ziy0vboevdjywwA4VgjElV-za2NqJGWBRQr9ZPE1ukCbuQCWUfXF_udaga4dVtqLqhq).

 

A partir dessas circunstâncias, considero que não é papel da Justiça Eleitoral limitar a livre manifestação do pensamento quando a ação se dirige contra viral ou meme sem força suficiente para malferir a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos.

Tal como concluí na decisão recorrida, entendo que a melhor exegese a ser extraída desses dispositivos está prevista expressamente no art. 38 da Resolução TSE n. 23.610/19, segundo a qual “A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J)”.

Nesse ponto, ressalto que não merece guarida o inconformismo da recorrente ao referir que a decisão “Deixa a impressão de que se a notícia é reconhecidamente falsa e já desmentida, que a candidata faça o que bem entender para rebater a informação, mas sem que o Judiciário albergue seu direito”.

Ora, nesta ação deve-se analisar os fatos sob o enfoque da competência da Justiça Eleitoral e legislação específica. Não se está a impedir que a recorrente busque, caso assim entenda, a remoção do vídeo impugnado e revelação da autoria perante a Justiça Comum, a qual não está adstrita a verificar a ofensa à integridade do processo eleitoral exigida no art. 9º-A da Resolução TSE n. 23.610/19.

Conforme assentei ao concluir pela improcedência, acompanho o entendimento firmado pelo Ministro Luís Roberto Barroso no acórdão do AgR-REspEl n. 0600072-23.2018.6.10.0000, no sentido de que “ao se estender a noção de propaganda antecipada negativa a qualquer manifestação prejudicial a um possível pré-candidato, a Justiça Eleitoral se tornaria a moderadora permanente das críticas políticas na internet. O exercício de tal papel, além de indesejável, geraria diversas distorções (afinal, seria impossível propor e julgar representações por propaganda eleitoral negativa antecipada em razão de críticas e ofensas a honra formuladas por cidadãos comuns na internet)” (Redator para o acórdão: Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe 10.9.2021).

Também cumpre assinalar, mais uma vez, que o TSE tem reiteradamente apontado não caber à Justiça Eleitoral a realização de juízo de valor sobre memes de internet, circunstância apontada nos autos da Rp n. 06009858120186000000, da relatoria do Min. Sergio Silveira Banhos, (PSESS - Mural eletrônico – 01/09/2018), no qual o atual candidato à reeleição como Presidente da República postulou a remoção de memes de internet com montagens pejorativas de sua fotografia:

Na espécie, o que se depreende do exame da aludida página do Facebook é que se trata da divulgação de críticas formuladas de modo humorístico, mediante a publicação de fotografia do candidato bocejando, de montagem com o esgoto saindo da boca do candidato e de fotografia acompanhada da mensagem “Bem que Bolsonaro poderia ser realmente um mito e não existir”.

 

Tal como abordado no parecer ministerial, a postura ora em exame é “considerada lícita pela jurisprudência da Suprema Corte em sede de controle concentrado de constitucionalidade, como acima referido”.

 

Em igual sentido, na decisão da Rp n. 0601727-09.2018.6.00.0000 o Ministro Carlos Horbach também entendeu que memes e virais não se enquadram nas restrições à veiculação de propaganda eleitoral:

Os representantes apontam como fundamento para a remoção desses últimos conteúdos informação de agência de checagem de fatos, segundo a qual sua origem seria um sítio humorístico, a partir do qual surgiram diferentes “memes”.

O Dicionário Oxford da Língua Inglesa define “meme”, em tradução livre, como sendo “uma imagem, um vídeo ou um texto, tipicamente humorístico em sua natureza, que é copiado e rapidamente compartilhado por usuários da Internet, muitas vezes com pequenas variações”. Trata-se, pois, de uma charge virtual e espontânea, que viraliza no ambiente digital. Desse modo, todas essas postagens que, segundo informação trazida pela própria petição inicial, divulgam “memes” não são passíveis de remoção, pois alheias ao padrão de notícias falsas;

 

E o STF já declarou inconstitucionais os incs. II e III (em parte) do art. 45 da Lei das Eleições, que impediam emissoras de rádio e televisão veicular programas de humor envolvendo candidatos, partidos e coligações nos três meses anteriores ao pleito, como forma de evitar que fossem ridicularizados ou satirizados (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4451).

Portanto, não vislumbro razões para alterar o convencimento que firmei em relação à matéria, no sentido de que improcede a pretensão de remoção do vídeo da humorista Fernanda Minazzi, que, como já dito, se trata de um retweet (republicação de um tweet) postado originalmente por perfil de autoria identificada denominado Luizão Salvador “PATRIOTA” (@Luizao5656), em 1º de agosto de 2022.

Quanto ao conteúdo da peça publicitária, reafirmo que as críticas aos detentores de cargo eletivo fazem parte da atividade e da vida pública dos mandatários, assegurada nos termos do art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, que garante o direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento, ainda que duras, ácidas, contundentes (TSE - REspEl: 06000575420186100000, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 18/11/2021, DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 116).

Assim, apesar de não desconsiderar que a Justiça Eleitoral deva coibir excessos e abusos realizados em propaganda negativa contra candidatos, ainda que divulgados de forma velada, entendo que, na publicação atacada, não há conteúdo que justifique a intervenção da Justiça Eleitoral.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.