RCand - 0600741-31.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O partido UNIÃO BRASIL impugnou o pedido de registro de candidatura de JEFFERSON ALLAN MÜLLER, com fundamento na ausência de desincompatibilização prevista no art. 1º, inc. III, al. “b”, n. 4, c/c o inc. V, al. “b”, e inc. VI, todos da Lei Complementar n. 64/90.

Trato inicialmente de questão prefacial arguida pelo impugnado.

1. Preliminar. Perda do Objeto.

JEFFERSON alega, em síntese, que a presente AIRC careceria de objeto, merecendo extinção sem resolução de mérito.

Contudo, ao argumentar sobre o ponto, recorre a questões de fundo da causa, tais como o fato de que ocupa o cargo de Vice-Presidente do PSB do Rio Grande do Sul; de que fora exonerado do cargo de secretário municipal mediante o Decreto Municipal n. 582/22; de que DOUGLAS MÁRCIO KAISER fora nomeado para o referido cargo via Decreto Municipal n. 592/22; de que jamais exerceu o cargo desde então, mas apenas acompanhou eventos pontuais como assessor parlamentar e na qualidade de pré-candidato a deputado estadual.

Ora, tais argumentos não esvaziam o objeto da presente demanda; ao contrário, o compõem. São exatamente esses fatos que, valorados, integrarão a análise do Poder Judiciário após o exercício do contraditório entre as partes, tendo a agremiação autora intentado demonstrar (e aqui reside o interesse de agir) que, não obstante as situações indicadas pelo demandado, não teria havido a desincompatibilização de fato, pois o desligamento de direito é tópico incontroverso, admitido na petição inicial.

Nesses termos, afasto a matéria preliminar.

2. Mérito.

Inicialmente, trago breves notas doutrinárias, porquanto esclarecedoras sobre os fins pretendidos pelo legislador ao fixar a aludida normatização.

Para Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, JusPodivn, Salvador, 2020, 7ª Edição, páginas 345-346):

(…) o termo desincompatibilização possui vinculação com inelegibilidade. É por intermédio da desincompatibilização que o pretendente ao mandato eletivo remove a causa de inelegibilidade prevista em lei. Portanto, a desincompatibilização depende de ato voluntário do interessado e se consuma com o afastamento do cargo ou função exercido, no prazo fixado em lei, com o fim de postular o mandado eletivo. É exigida uma manifestação formal do interessado para comprovar a desincompatibilização.

(…)

A desincompatibilização se caracteriza tanto no afastamento temporário como no afastamento definitivo do interessado do seu cargo originário, para pleitear mandato eletivo. Objetivando preservar a isonomia entre os candidatos durante o processo eletivo, o legislador infraconstitucional estabeleceu prazos de desincompatibilização (entre três e seis meses, a contar da eleição) no intuito de diminuir ao máximo eventual influência do exercício de determinados cargos ou funções na livre determinação do eleitorado.

(…)

A ideia do legislador é que o exercício de fato de determinados cargos e funções, em período próximo ao pleito, já se traduz em uma potencial quebra de igualdade de chances entre as candidaturas”.

 

Por seu turno, José Jairo Gomes traz lição fundamental, ao pontuar que:

Relevante para a desincompatibilização é a função exercida pelo agente público, e não o nome ou o título do cargo que ocupa. Tal compreensão impede a subversão da lógica do sistema de inelegibilidades e a sua burla ‘a partir de meras mudanças casuísticas no nome do cargo (TSE 0 Cta n. 060115922/DF, j. 1º-9-2020).

Nos casos em que a desincompatibilização se fizer necessária, sua ausência não impõe a demonstração de que o efetivo exercício da função pública desequilibrou o processo eleitoral ou influenciou efetivamente o resultado do pleito, porquanto esses fatos são presumidos absolutamente.

(Direito Eleitoral. Atlas, São Paulo, 2021. 17ª Edição, página 331)

 

Dos trechos transcritos, é possível concluir que:

1) há cargos públicos que, uma vez ocupados, possuem sobre si o manto da inelegibilidade;

2) a inelegibilidade decorre de escolha do legislador, que se baseou na relevância das atribuições de cargos dotados de aptidão para desequilibrar as eleições em favor do ocupante;

3) a presunção de desequilíbrio é absoluta e, uma vez exercidas atividades em período vedado, o ocupante deve ser considerado inelegível;

4) a desincompatibilização do cargo é a ferramenta jurídica que o pretenso candidato possui para retirar de si a situação de inelegibilidade;

5) não basta que o desligamento ocorra formalmente, é necessária a desincompatibilização de fato do cargo ocupado, sob pena de inelegibilidade.

Sigo.

O legislador seguiu atento às circunstâncias, e não considerou todos os cargos dotados do mesmo potencial de desequilíbrio. Criou um gradiente de períodos de desincompatibilização – 6 meses, 4 meses e 3 meses, conforme o cargo mais (ou menos) potencialmente influente no certame eleitoral.

A título de introdução, entendo fundamental fixar claramente a controvérsia, relativa à permanência de JEFFERSON em exercício de fato do cargo de Secretário de Orçamento e Finanças da Prefeitura de Taquara, em período inferior a 6 (seis) meses da data da eleição, como determina a legislação de regência, Lei Complementar n. 64/90:

Art. 1º São inelegíveis:

(...)

III - para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

(...)

b) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos ou funções:

(...)

4. os secretários da administração municipal ou membros de órgãos congêneres;

(...)

V - para o Senado Federal:

(...)

b) em cada Estado e no Distrito Federal, os inelegíveis para os cargos de Governador e Vice-Governador, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos;

(..)

VI - para a Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa e Câmara Legislativa, no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos;

 

Ou seja, não há dúvidas de que JEFFERSON foi exonerado do cargo, formalmente,  em 31.3.2022, por meio da Portaria n. 582/22, e igualmente não se discute a posse, na sequência, no cargo de Assessor da Bancada do PSB na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em 13.4.2022, com exoneração em 30.6.2022. Ainda: notório que JEFFERSON ocupa o cargo de Vice-Presidente do PSB do Rio Grande do Sul.

Nesse norte, para a devida fixação da matéria sob demanda, convém ultrapassar o tópico dos atos formais de desligamento, os atos administrativos de nomeação e exoneração, e analisar a prova dos autos sob o ângulo do exercício de fato.

Dito de outro modo: impõe determinar se, do contexto probatório, é possível concluir que JEFFERSON, após 31.3.2022, seguiu atuando como Secretário Municipal em Taquara, quer exercendo poder no seio daquele Poder Executivo, quer perante a comunidade.

E, adianto, concluo que sim, nos termos do posicionamento manifestado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, pois há indícios generosos e, mais importante, provas contundentes.

Começo pelos indícios.

O primeiro sinal que salta aos olhos é a grande presença física de JEFFERSON na cidade de Taquara, mesmo após a exoneração do cargo de secretário. Em seu depoimento pessoal, o próprio impugnado indica residir em Igrejinha e, ainda que se trate de cidades vizinhas, chama atenção a alta concentração de presença de JEFFERSON em Taquara especialmente ao longo dos meses de abril, maio e, pelo menos, até meados de junho de 2022.

Nesse ponto, convém afastar as alegações defensivas no sentido de que a presença de JEFFERSON em eventos integrantes da agenda oficial da Prefeitura de Taquara, por exemplo a reunião pública à noite sobre segurança (em que JEFFERSON inclusive proferiu discurso); a feira “Taquara Campo” (em que houve a notícia de aquisição de maquinário/ retroescavadeira) e a visita ao bairro Empresa no campo do “Palmeiras”, teria ocorrido na condição de Vice-Presidente Estadual do PSB, ou de assessor parlamentar do Deputado Dalciso Oliveira.

Explico.

O Partido Socialista Brasileiro elegeu, no ano de 2020, 18 (dezoito) prefeitos no Estado do Rio Grande do Sul. Ainda hoje, em visita ao site do próprio partido, há a indicação de 16 (dezesseis) mandatários – talvez por que tenham ocorrido desfiliações: os Municípios de Alto Feliz, Barros Cassal, Campo Novo, Candelária, Chuvisca, Coronel Bicaco, Gramado dos Loureiros, Gramado Xavier, Itaara, Nicolau Vergueiro, Paverama, Santo Antônio da Patrulha, São José dos Ausentes, Taquara, Tupandi e Vera Cruz.

Dessas 16 cidades, apenas São José dos Ausentes (uma vez) recebeu a presença do Vice-Presidente do PSB do Rio Grande do Sul e, ainda assim, não há maiores notícias da participação de JEFFERSON naquele município, sem repercussão nas redes sociais oficiais, por exemplo, daquilo que seria uma visita em “função de representação” do partido.

Aliás, JEFFERSON recebeu apenas duas diárias enquanto assessor legislativo – cidades de São José dos Ausentes e Santa Maria (que não possui prefeito do PSB).

O segundo fator indiciário é qualitativo e acompanha a referida onipresença de JEFFERSON em Taquara.

Qualitativo porque não apenas JEFFERSON se encontrava cotidianamente em Taquara, mas também porque permaneceu se posicionando como integrante do Poder Executivo, inclusive com manifestações que obviamente desbordam das condições de “cidadão” ou “assessor parlamentar”, numerosamente invocadas para defender a regularidade dos atos praticados.

Senão, vejamos.

Circunstância emblemática é a já citada entrega de maquinário (retroescavadeiras) à Secretaria de Obras do Município, por ocasião da 1ª Edição da “Taquara Campo”. Demonstro, a partir das manifestações da Prefeita, Sra. Sirlei Teresinha Bernardes da Silveira, e do próprio impugnado, nas redes sociais – constantes no corpo da petição inicial, com os devidos links de internet:

Postagem da Prefeita, em 21.4.2022:

Graças às economias que temos realizado pela Prefeitura, adquirimos uma retroescavadeira novinha, com recursos próprios. A entrega oficial ocorreu nesta quinta-feira, durante o Taquara Campo, na sede campestre do CTG O Fogão Gaúcho. É mais um investimento para a Secretaria de Obras cuidar da nossa cidade, trabalhando em demandas dos nossos moradores. Obrigada aos vereadores, secretários, soberanas, professor Delmar Henrique Backes e deputado Dalciso Oliveira que participaram do momento.

 

Grifei a expressão “secretários” pois JEFFERSON se encontra em posição central na fotografia postada pela mandatária, em imagem que retrata o caráter oficial do evento, e destaco o nome do Deputado Dalciso Oliveira porque, obviamente, a pessoa que se encontra presente dispensa ser representada. No evento, reste claro, JEFFERSON não pode argumentar que estivesse “representando” o parlamentar do qual fora nomeado assessor.

Aliás, compõe o quadro indiciário esse estranho “destacamento” de um assessor para que atue praticamente em uma só cidade de porte modesto, pois, ainda que o deputado assessorado tenha “presença forte”, é certo que outras cidades da região haveriam de merecer, sob o viés político, atenção equivalente, em visitas frequentes.

Sigo, para agora transcrever a postagem do próprio impugnado relativamente à ocasião, também realizada em 21.4.2022:

“CIDADE E INTERIOR UNIDOS

1º Taquara Campo acontece neste final de semana e comemora os 136 da cidade.

Após a abertura oficial tivemos a entrega de duas retroescavadeiras. Uma delas foi adquirida com recursos próprios do município, graças às economias realizadas pela administração municipal no período em que estive na Secretaria de Orçamento e Finanças. Outra foi adquirida através de uma emenda parlamentar do Deputado Heitor Schuck (PSB).

Estiveram presentes a Prefeita Sirlei, secretários municipais e vereadores, o professor Delmar Henrique Backes e o Deputado Estadual Dalcisio Oliveira.

Com realização da Prefeitura de Taquara, do SESC Taquara do CTB O Fogão Gaúcho e o patrocínio da Corsan, o evento ocorre até domingo (24), na Sede Campestre do CTG, às margens da ERS 115 – KM2.

 

Tenho especial atenção ao teor da mensagem, pois, ainda que faça referência ao “período que estive na Secretaria de Orçamento e Finanças”, traz a mesma foto e mais riqueza de detalhes sobre as aquisições do que aquela postagem da Prefeita, com relevância  aos “recursos próprios” utilizados “graças às economias realizadas pela administração municipal” e ao “Deputado Heitor Schuck”.

Ou seja, JEFFERSON indiscutivelmente não se posicionou como (a) cidadão (pois deteve acesso privilegiado, lugar de fala com destaque), como (b) Vice-Presidente partidário ou como (c) assessor parlamentar (situações das quais em momento algum fez sequer referência), e aqui a onipresença de JEFFERSON em Taquara somente poderia ser explicada, talvez, pela sua condição de pré-candidato, aliás diversas vezes invocada em defesa.

Contudo, essa posição de pré-candidato é de inviável alegação relativamente a outros dois eventos.

Para além dos indícios, passo a tratar das provas.

A primeira prova é o anúncio de convênio entre Taquara e São Francisco de Paula para a reforma de uma ponte – Passo da Ilha –, uma das duas situações comprobatórias de atuação de fato de JEFFERSON como Secretário de Obras de Taquara, após 31.3.2022.

Indico postagem do perfil oficial da Prefeitura de Taquara em rede social, aos 12.4.2022, e constante no corpo da petição inicial do partido impugnante.

O texto publicado é o seguinte:

Taquara e São Francisco de Paula farão convênio para reformar a ponte de Passo da Ilha.

Será firmado nos próximos dias um convênio entre os municípios de Taquara e São Francisco de Paula para a reforma de uma ponte que fica na localidade de Padilha Velha, na divisa entre as duas cidades. A parceira foi celebrada em reunião realizada entre a prefeita de Taquara, Sirlei Silveira, e o prefeito de São Francisco de Paula, Marcos Aguzzolli na quarta-feira da semana passada (11). “Estamos felizes com o trabalho em conjunto que realizaremos juntos com São Francisco de Paula, que beneficiará moradores daquela região, facilitando na circulação de pedestres e veículos, destaca Sirlei”.

No encontro que celebrou a possibilidade de parceria entre os dois Municípios, representando Taquara, além da Prefeita Sirlei, estavam o Secretário de obras e Serviços, Bruno Cardoso, a engenheira do município, Daniele Paveck, e o ex-secretário de Orçamento e Finanças, Jefferson Müller. Por São Francisco de Paula, além do prefeito Marcos Aguzzolli, estavam o secretário de Obras, Rui Paim, e o secretário de Agricultura, Alexandre Bossle.

Início dos trabalhos.

As obras devem começar no mês de maio. “Será feita a substituição completa das madeiras dessa ponte. Vamos remover a estrutura antiga que tinha no local e colocar os novos tabuleiros”, explica o secretário Bruno. A execução dos trabalhos será feita pela Secretaria de Obras e Serviços de Taquara, enquanto São Francisco de Paula fará a contrapartida, fornecendo os materiais para este trabalho. A ponte de, 12,3 metros de comprimento por 4,5 metros de altura.

 

A foto que acompanha o texto retrata momento cerimonioso, dentro das dependências do gabinete da Prefeitura, com os pavilhões nacional, estadual e municipal ao fundo e, à frente, todos os participantes estão perfilados em posição solene, formal.

Trata-se de claríssimo, nítido exercício de fato do cargo de Secretário de Orçamento e Finanças de parte de JEFFERSON ALLAN MÜLLER, onze dias após ter sido formalmente exonerado. Note-se que o pretenso titular formal da pasta, Douglas Márcio Kaiser, sequer estava presente no encontro. Ou seja, o impugnado não se encontrava ali na condição de cidadão, representante partidário ou assessor (cargo para o qual ainda não havia sido, sequer, empossado em 11.4.2022. Tomou posse dois dias depois, em 13.4.2022).

E não há utilidade para JEFFERSON, em relação à situação ora analisada, invocar que estava ali na condição de pré-candidato, “apenas” aderindo à imagem da Prefeita (o que pode em tese desencadear outras demandas perante a Justiça Eleitoral, inclusive), porquanto o papel por ele desempenhado na ocasião foi de integrante de ato de gestão, aliás prospectivo, voltado para o futuro – pois, no “encontro que celebrou a possibilidade de parceria entre os dois municípios”, estava “representando Taquara (…) Jefferson Müller”, sendo inútil no caso a pecha de “ex-secretário” de Orçamento e Finanças, expressão derivada apenas da formalidade do ato administrativo de exoneração, que aliás não encontrou correspondência no mundo dos fatos, visto que, indiscutivelmente, JEFFERSON atuou como Secretário Municipal na reunião, compondo equipe de representação para interlocução com outro município, em atuação que inclusive desborda dos limites do Município de Taquara.

Pois é exatamente essa espécie de comportamento que a Lei Complementar n. 64/90 visa proibir: ao contrário dos argumentos aos quais a defesa se apega, não são apenas o ordenamento de despesas, a assinatura de contratos e outros procedimentos meramente burocráticos que estão na esfera de atuação dos secretários municipais.

Lembro, e tal dado é fundamental, que o cargo de secretário municipal integra o rol de agentes políticos – e por isso há a previsão de desincompatibilização no prazo mais extenso previsto em lei, exatamente para que o ocupante, pretenso candidato, (1) se afaste do círculo decisório da gestão do Poder Executivo, (2) pare de participar de atos de governo, (3) tenha cessada sua atuação político-administrativa, pois compete aos secretários municipais “(...) juntamente com a chefia do Executivo local, a administração e a execução de políticas públicas da municipalidade”.

Nessa linha, emblemático precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

“[...] Desincompatibilização. Secretário municipal art. 1º, IV, a, da LC nº 64/1990. [...] Publicações em redes sociais. Reuniões interfederativas com autoridades federais e estaduais. Atividades típicas do cargo de secretário municipal. Ausência de afastamento de fato. Inelegibilidade. [...] 4. A Corte regional, soberana na análise do acervo fático–probatório, atestou que as atribuições compreendiam a efetiva representação do Poder Executivo Municipal nas respectivas áreas designadas, cujas atividades são de natureza político–administrativa. De fato, não há como dissociar visitas a obras de construção de asfalto relacionada ao município do qual é secretário municipal, bem como participação em reunião com autoridades do Poder Executivo Federal (superintendente do Incra), do Poder Executivo Estadual (representantes da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento) e do Poder Legislativo (deputado Nishimori) – destinadas a tratar de assentamento de ‘moradores da Fazenda Campo Grande’ e a angariar recursos para o Município de Munhoz de Melo/PR – das atividades próprias de secretário municipal, a quem compete, juntamente com a chefia do Executivo local, a administração e a execução de políticas públicas da municipalidade. […]” (Acórdão de 18.12.2020, RespEl n. 0600203-94, rel. Min. Mauro Campbell Marques). Grifei.

 

O entendimento, aliás, não é recente, e compõe pacífica jurisprudência do e. TSE:

“[...] Desincompatibilização. Secretário Municipal. Afastamento de fato. Ausência. 1. O Tribunal Regional Eleitoral concluiu que o candidato, secretário municipal, embora tenha requerido formalmente o afastamento do cargo, continuou a frequentar a secretaria e a realizar reuniões relacionadas à pasta com servidores, o que evidenciaria a falta de desincompatibilização, mantendo, assim, sua influência. [...] 3. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica no sentido de que, para fins de desincompatibilização, é exigido o afastamento de fato do candidato de suas funções. […]” (Ac. de 2.4.2013 no AgR-REspe nº 82074, rel. Min. Henrique Neves da Silva.)

 

Mas não é só.

Há, ainda, mais uma situação comprovada que deixa nítida a permanência de JEFFERSON nas decisões administrativas do Município de Taquara após a exoneração para fins de desincompatibilização.

Refiro-me à troca de mensagens, via aplicativo de mensagens WhatsApp, entre a Prefeita de Taquara e Bruno Cardoso, Secretário de Obras. O documento compõe processo judicial cujo objeto é uma contenda entre a Prefeita e o Vice-Prefeito de Taquara, foi registrado em ata notarial e apresentado, naquele feito, pela própria Sra. Sirlei Silveira, Prefeita de Taquara. Integra a presente AIRC por juntada realizada pela parte impugnante (ID 45040284, página 3).

Ao que importa aos presentes autos, a conversa ocorreu em 19.4.2022, quase vinte dias, portanto, após a exoneração de JEFFERSON. O assunto tratado é uma acusação endereçada ao Vice-Prefeito. Bruno relata pormenores a Sirlei, que volta e meia faz questionamentos, até que, em dado momento do relato, Bruno refere que “hoje a tarde tirei a limpo a história” (sic), para em seguida afirmar “O que estou te falando Prefeita, eu avisei o Luciano e o Jeffe”.

As mensagens possuem horários a partir das 22h28 do dia 19.4.2022.

Ou seja, entre ter “tirado a limpo a história”, na tarde de 19.4.2022, e avisar a prefeita, no final da noite do mesmo dia, Bruno contatou JEFFERSON e o informou da situação, em nítida participação do impugnado em assunto interno do Poder Executivo de Taquara e relacionado ao já citado atuar político ínsito aos ocupantes dos cargos de secretários municipais – Bruno, Secretário de Obras, telefonou para JEFFERSON.

O tópico também se presta para afastar as alegações defensivas no sentido de que JEFFERSON “jamais adentrou novamente no recinto onde despachava suas atribuições enquanto Secretário”, ou que não dera expediente, pois resta comprovado, por conversas em aplicativos de mensagens, que o atuar de JEFFERSON ocorreu de outras formas que não a formal.

São provas contundentes, não rechaçadas pela parte impugnada de maneira efetiva, e tampouco a produção de prova testemunhal autoriza juízo diverso. Ao contrário, o conjunto das oitivas traz mais um elemento que faz concluir pela procedência da AIRC, como aliás a operosa e minudente análise da Procuradoria Regional Eleitoral bem demonstra, no parecer ofertado. 

Como esperado em demandas que procuram esclarecer uma cadeia de ocorrências, e não apenas uma situação específica – as testemunhas corroboraram as versões trazidas pela respectiva parte que as arrolou. É, repito, panorama comum nessa espécie de apanhado fático, sobretudo em feitos eleitorais, em que a maioria dos envolvidos possui preferência político-partidária.

Nesse norte, os testemunhos de Franciell dos Santos de Oliveira e Sérgio Antônio Ferreira ratificaram as alegações do demandante UNIÃO BRASIL, notadamente a frequência com que JEFFERSON se fazia presente nas dependências da Prefeitura de Taquara mesmo após a exoneração do cargo de secretário (carro de JEFFERSON frequentemente estacionado, encontros eventuais com o impugnado ao menos até 29.4.2022, data da exoneração de Franciell do cargo que ocupava naquele Executivo), e a posição de destaque de JEFFERSON em audiência pública sobre segurança, tendo sido apresentado pela Prefeita e se colocado à disposição dos cidadãos para “qualquer coisa” (oitiva de Sérgio). Ambos referem alta repercussão, nas redes sociais, dos atos oficiais no mês de abril de 2022 em que JEFFERSON estivera presente.

Por seu turno, como não poderia deixar de ser, as testemunhas indicadas pela defesa produziram quadro alinhado às razões da contestação, no sentido de que (1) JEFFERSON atuara como assessor parlamentar e representante partidário – nessa linha, especialmente, os depoimentos de Sirlei Teresinha Bernardes da Silveira e Dalciso Eberhardt de Oliveira, e igualmente para (2) indicar um panorama de afastamento de JEFFERSON dos atos burocráticos concernentes à Secretaria de Orçamento e Finanças – notadamente, as falas de Rejane Sabrina Möller Lehmkuhl e Douglas Márcio Kaiser. A testemunha Antônio Elisandro de Oliveira trouxe o relato sobre o funcionamento do gabinete parlamentar na Assembleia Legislativa em que JEFFERSON estivera exercendo funções após a exoneração do cargo em Taquara.

Pois é precisamente do conjunto de relatos das testemunhas de defesa que surge uma moldura bastante elucidativa do atuar político de JEFFERSON, dentro da Prefeitura Municipal e perante a comunidade de Taquara, mesmo após 31.3.2022. Explico.

Antônio (chefe de gabinete de Dalciso na ALRS) e Dalciso (deputado estadual) relataram de maneira elogiosa o trabalho de JEFFERSON no gabinete parlamentar, bem como o próprio impugnado, mas demonstraram pouca familiaridade com os fatos pontuais de exercício de fato da função de secretário – Antônio refere que JEFFERSON mora em Igrejinha e que volta e meia se fez presente em Porto Alegre e em “outras cidades”, enquanto Dalciso cita a função de JEFFERSON em Taquara e, igualmente, em "outras cidades” (Igrejinha e Três Coroas), pois a representação do parlamentar deveria se dar no “maior número de lugares possível”, o que, convenhamos, não se confirma pela documentação acostada aos autos, comprobatória da alta concentração da presença de JEFFERSON junto à administração de Taquara.

As testemunhas Sirlei, Rejane e Douglas são uníssonas: a posse de Douglas como substituto de JEFFERSON na Secretaria de Orçamento e Finanças modificou completamente a dinâmica de funcionamento da pasta. JEFFERSON possuía gabinete próprio, ao passo que Douglas preferiu instalar estação de trabalho dentro da própria dependência física da área técnica, dispensando gabinete próprio e repartindo sala com os demais servidores. Friso que Douglas nitidamente se trata de pessoa com perfil técnico, indicando ser distanciada da política partidária – referiu não adesivar carro ou se manifestar politicamente em redes sociais. Rejane, servidora pública concursada há 16 anos (administrações diversas, portanto) referiu preferência pela modalidade de trabalho escolhida por Douglas, de maior proximidade com a equipe técnica.

Ora, esse o exato “nicho” da permanência de JEFFERSON na atuação de fato como secretário municipal: a já indicada função de agente político. Douglas não estava presente, por exemplo, na reunião de planejamento de convênio com o Município de São Francisco de Paula, porque essa atividade de articulação política permaneceu como incumbência de JEFFERSON, que, por sua vez, participou da reunião.

Aqui, entendo importante consignar o conteúdo do depoimento pessoal do impugnado – que trata as situações flagradas, inclusive a reunião do convênio, de forma casual, banalizando-as, pois relata em termos gerais que “estava com a Prefeita” no gabinete quando teria surgido a reunião com o Prefeito e secretários de São Francisco de Paula (a própria Prefeita Sirlei relata em seu testemunho depender fortemente de sua agenda para não depender da respectiva memória).

Ora, o depoente parece esperar um julgador, no mínimo, ingênuo – JEFFERSON não se encontrava no gabinete da Prefeita apenas na condição de um “cidadão que tem amigos” na administração pública de Taquara. Deixo claro que a legislação eleitoral prevê a desincompatibilização exatamente para que JEFFERSON não estivesse nas dependências da Prefeitura de Taquara por ocasião da celebração de um convênio, exercendo articulação política em papel protagonista. Sequer se trata de local e de momento para um pré-candidato “estar” com a Prefeita para “angariar popularidade” ou “apropriar prestígio” da “base de apoio”, o que se dirá para alguém recém exonerado do cargo de Secretário Municipal exatamente para concorrer nas eleições.

É, repiso, precisamente esse tipo de ocorrência que a norma visa proibir, pois descortina nítido desequilíbrio, disparidade de armas na competição eleitoral.

Ressalto, por fim, que o tópico probatório relativo ao conteúdo das mensagens de WhatsApp trocadas entre o Secretário de Obras Bruno Cardoso e a Prefeita Sirlei não foi objeto dos testemunhos.

Em resumo, julgo que JEFFERSON não se desincompatibilizou de fato, pois em momento algum deixou de transitar no âmago do Poder Executivo, de conviver, de atuar como integrante da administração do Município de Taquara sob o prisma político-administrativo do cargo de Secretário Municipal, de modo que está a incidir, sobre o caso, o conjunto de normas composto pelo art. 1º, inc. III, al. “b”, item 4, c/c o inc. V, al. “b”, e inc. VI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 1º São inelegíveis:

(...)

III - para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

(...)

b) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos ou funções:

(...)

4. os secretários da administração municipal ou membros de órgãos congêneres;

(...)

V - para o Senado Federal:

(...)

b) em cada Estado e no Distrito Federal, os inelegíveis para os cargos de Governador e Vice-Governador, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos;

(..)

VI - para a Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa e Câmara Legislativa, no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos;

 

Diante do exposto, VOTO para julgar procedente  a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura movida pelo UNIÃO BRASIL contra JEFFERSON ALLAN MÜLLER e para indeferir o requerimento de registro de candidatura ao cargo de deputado estadual, por não ter ocorrido desincompatibilização de fato, aplicando-se ao caso o art. 1º, inc. III, al. “b”, item 4, c/c o inc. V, al. “b”, e inc. VI, todos da Lei Complementar n. 64/90.