RCand - 0601349-29.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/09/2022 às 14:00

 VOTO

Senhor Presidente.

Eminentes Colegas.

 

Inicialmente, tenho que os demais requisitos atinentes ao requerimento de registro de candidatura de PAULO EUCLIDES GARCIA DE AZEREDO foram atendidos, restando, tão somente, a análise quanto à Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura proposta pelo Ministério Público Eleitoral.

O DRAP principal encontra-se julgado e deferido.

 

Da tempestividade

Quanto à tempestividade, o prazo de ajuizamento da Ação de Impugnação a Registro de Candidatura tem previsão na Resolução TSE n. 23.609/19:

Art. 40. Cabe a qualquer candidata ou candidato, partido político, federação, coligação ou ao Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da publicação do edital relativo ao pedido de registro, impugná-lo em petição fundamentada (LC nº 64/1990, art. 3º, caput). (Redação dada pela Resolução nº 23.675/2021)

 

A Lei Complementar n. 64/90, em seu art. 6º, dispõe que “os prazos a que se referem o art. 3º e seguintes desta lei complementar são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou Cartório e, a partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados.”

A publicação do edital ocorreu no dia 15.8.2022, no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, e o Procurador Regional Eleitoral ingressou com a impugnação em 20.8.2022 (ID 0600973), sendo a mesma tempestiva.

 

Do Mérito

Cuida-se de pedido de registro de candidatura de PAULO EUCLIDES GARCIA DE AZEREDO ao cargo de deputado estadual pela Coligação Frente Trabalhista (PDT/PMB). A questão cinge-se quanto à Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura, na qual o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL suscitou a inelegibilidade do candidato por entender configurada a hipótese prevista na al. “c” do inc. I do art. 1º da Lei Complementar n. 64/90, porque teve a perda do mandato decretada pela Câmara de Vereadores em processo de impeachment pela prática de ilícitos previstos no Decreto-Lei n. 201/67, que guardariam paralelismo com dispositivos da Lei Orgânica do Município, por meio do Decreto Legislativo n. 269/15.

Nas razões expostas pelo impugnante e pelo impugnado, mostra-se que a quaestio juris já foi enfrentada em diversas ocasiões por esta Especializada. Ressalto que cabe referir que “as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas a cada eleição. O reconhecimento ou não de determinada hipótese de inelegibilidade para uma eleição não configura coisa julgada para as próximas eleições” (AgR-REspe n. 2553, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 25.3.2013).

Em 2016, o acórdão deste Tribunal (RCand n. 4361320166210031), de relatoria da eminente Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, manteve o indeferimento da candidatura PAULO EUCLIDES GARCIA DE AZEREDO por entender caracterizada a identidade dos objetos jurídicos tutelados nos arts. 7º, incs. XVII e XVIII, 126 e 127, incs. I e IV, da Lei Orgânica Municipal de Montenegro e art. 4º, incs. VII e VIII, do Decreto-Lei n. 201/67. A decisão deste Tribunal foi reformada perante o Tribunal Superior Eleitoral por entender necessário que a parte dispositiva do decisum de perda de cargo se refira de modo expresso a comando normativo da Lei Orgânica do Município.

Em 2018, ao debruçar-se novamente sobre o tema, este Regional, em acórdão de lavra do Des. Eleitoral Luciano André Losekann (RCand n. 0600973-82.2018.6.21.0000) , entendeu por reconhecer a incidência da inelegibilidade prevista na al. “c” do inc. I do art. 1º da LC n. 64/90, decorrente da perda do mandato por infração político-administrativa prevista no Decreto-Lei n. 201/67, que trata da responsabilidade dos prefeitos e vereadores, ao identificar paralelismo entre as transgressões constantes do decreto e as infrações dispostas na Lei Orgânica Municipal, vez que dizem justamente sobre o mau funcionamento da administração pública ou a violação aos deveres do administrador. O aresto, ainda, foi alvo de recurso ordinário e agravo regimental, restando, em ambos apelos, confirmada, pelo Min. Admar Gonzaga, a orientação desta Corte pelo indeferimento do registro frente a existência de inelegibilidade.

Em 2020, o requerimento de registro de candidatura do ora impugnado foi acolhido pelo Juízo da 31ª Zona Eleitoral de Montenegro/RS (RCand n. 0600254-36.2020.6.21.0031), sob o argumento de ser incabível àquele Juízo realizar interpretação extensiva ao Decreto Legislativo da Câmara Municipal de Montenegro/RS, que impôs a perda do mandato do candidato com base no Decreto-Lei n. 201/67, mediante enquadramento normativo diverso daquele realizado pelo Poder Legislativo Municipal.

É incontroverso que a Câmara Municipal de Montenegro/RS cassou o mandato de prefeito de PAULO EUCLIDES GARCIA DE AZEREDO, em 25 de maio de 2015, por meio de processo de impeachment documentado nos autos do processo n. 057-SI 034/15 e declarado no Decreto Legislativo n. 269/15, por prática de infrações político-administrativas previstas no art. 4º, incs. VII e VIII, do Decreto-Lei n. 201/67.

A temática vem a julgamento em razão do que dispõe o art. 1º, inc. I, al. “c”, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[...]

c) O Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito e o o vice-prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (anos) subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos; (Grifou-se.)

 

A tese defensiva é de que a inelegibilidade em comento somente se processaria quando registrada a infringência à Lei Orgânica Municipal, o que não teria ocorrido na espécie, pois o Decreto Legislativo supramencionado se reportaria exclusivamente às hipóteses previstas no Decreto-Lei 201/67.

Trazendo à baila as palavras do doutrinador Rodrigo López Zílio (2022, p.282), a verificação da capacidade eleitoral visa proteger a probidade administrativa como bem jurídico a ser tutelado na âmbito do Direito Eleitoral, para isso:

(…) o legislador estabeleceu um critério de colmatação da “vida pregressa” dissociado do viés exclusivamente penal. Vale dizer, o legislador não adotou o princípio da presunção constitucional da inocência como diretriz a ser observada para o preenchimento das condições de acesso ao mandato eletivo, até mesmo porque o próprio constituinte estabelece a necessidade de proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato (art.14,§9º).

 

A partir das eleições de 2018, o c. TSE e o STF assentaram posicionamento que é total a aplicação do art. 1º, inc. I, al. “c”, independentemente da previsão de citação, ou não, da Lei Orgânica, por interpretação integrativa com a Súmula Vinculante n. 46 (A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União.) com o princípio da simetria estabelecido pela Constituição Federal no art. 29-A. É o que se extrai do excerto colacionado no RO n. 0600519-54.2018.6.12.0000, que inaugura a viragem jurisprudencial:

[...]

Essa previsão tipológica não poderia estar formalmente agasalhada numa lei orgânica municipal, eis que desbordaria das atribuições dessa ordem sancionatória.

Portanto, o diploma regente nessas hipóteses é mesmo essa norma que vem esculpida formalmente no Decreto-Lei nº 201/1967.

Mas, tratar-se-ia, então, de interpretação extensiva? A interpretação extensiva, como todos nós sabemos, permite que se elasteça o conteúdo, ou, até numa hipótese teratológica, as elementares de determinado tipo sancionador. Não foi isso que se fez aqui. O que se fez foi aplicar a lei orgânica do município, que, nessa hipótese da cassação do prefeito, determina que se aplique precisamente a lei com o perdão de outro pleonasmo – que incida na matéria.

Portanto, nessa ordem de ideias, essa referência que se faz de um encadeamento exógeno da lei orgânica municipal para o Decreto-Lei nº 201/1967 não gera endogenamente elastecimento dos elementos dessa sanção, nem cria, como não poderia fazê-lo, uma nova sanção.”

Nessa esteira, confiram-se também excertos do voto proferido pelo Min. Alexandre de Moraes:

“Faço questão de salientar que não se trata de interpretação extensiva, porque tudo trata da mesma coisa: responsabilidade do chefe do Executivo. Não existe a possibilidade de interpretar literalmente que a alínea c só pode ser aplicada se o crime de responsabilidade tiver na lei orgânica.

[...]

Não há lógica, com o devido respeito, à manutenção dessa interpretação a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal definiu que só a União pode legislar sobre isso e não deixou margens para dúvidas.

É uma interpretação teleológica e, mais do que isso, integrativa da jurisprudência vinculante à própria hipótese [...].

[...]

[...] Não me parece que o Judiciário estaria desrespeitando a vontade do legislador, mas, diversamente, o Judiciário e o Tribunal Superior Eleitoral, a partir da Súmula Vinculante nº 46, que definiu a competência da União, estão reforçando a vontade do legislador, de que prefeito que seja condenado por crime de responsabilidade pela Câmara dos Vereadores seja inelegível.

Se hoje o prefeito só pode ser condenado por crime de responsabilidade pelas infrações político-administrativas previstas no Decreto-Lei no 201, essa é a vontade. Se amanhã houver alteração do posicionamento do Supremo Tribunal Federal e se for por lei orgânica, essa é a vontade. A vontade do legislador foi prever afastamento da vida pública maior para prefeito condenado por crime de responsabilidade, afastando-se esses agentes da vida pública pelo prazo de 8 (oito) anos.

 

Diante desse quadro, verificou-se a necessidade de nova reflexão sobre o tema para compreender o art. 1°, inc. I, al. “c”, da LC n. 64/90 à luz da jurisprudência vinculante do STF, de modo que a aludida causa de inelegibilidade incidirá sempre que houver a violação das disposições contidas no Decreto-Lei n. 201/67 na medida em que se afiguram extensões das Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas em temas de crimes de responsabilidade, haja vista a impossibilidade de esses Entes Federativos legislarem sobre a matéria.

Com efeito, a partir do julgado acima mencionado, consignou-se ser prescindível a menção expressa, no decreto legislativo condenatório, ao dispositivo da Lei Orgânica, quando assentada a subsunção do fato a um dos tipos previsto do Decreto-Lei n. 201/67.

De acordo com a prova carreada aos autos, a Câmara Municipal de Montenegro/RS, por meio do Decreto Legislativo n. 269/15, ordenou a cassação do mandado de PAULO EUCLIDES GARCIA DE AZEREDO por violação ao art. 4º do Decreto-Lei n. 201/67, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade do Chefe de Executivo Municipal nele enquadrados, in verbis:

Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:

[...]

VII - Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática;

VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura;

 

Como referido no voto condutor da divergência no processo n. 0600973-82.2018.6.21.0000, as infrações reconhecidas pelo Poder Legislativo configuram descumprimento material dos seguintes dispositivos da Lei Orgânica do Município de Montenegro/RS, in verbis (excertos do documento de ID 45064986):

Art. 7.º Compete ao Município:

[...]

XVII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

XVIII – elaborar e executar o plano diretor;

 

Art. 126. É de responsabilidade do Município, mediante licitação e de conformidade com os interesses e as necessidades da população, prestar serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, bem como realizar obras públicas, podendo contratá-las com particulares através de processo licitatório.

Art. 127. Nenhuma obra pública, salvo os casos de extrema urgência devidamente justificados, será realizada sem que conste:

I – o respectivo projeto;

[...]

IV – a viabilidade do empreendimento, sua conveniência e oportunidade para o interesse público;

[...]

 

No caso, conforme esclarecido acima, o mandato de prefeito do ora candidato impugnado foi cassado pela Câmara de Vereadores de Montenegro/RS por infrações político-administrativas que se revelam materialmente contrárias ao previsto no art. 7º, incs. XVII e XVIII, ao art. 126 e ao art. 127, incs. I e IV, da Lei Orgânica do Município. Por consequência, evidenciada a perda do mandato prevista no Decreto-Lei n. 201/67, que trata da responsabilidade dos prefeitos e vereadores, impõe-se reconhecer a inelegibilidade prevista na al. “c” do inc. I do art. 1º da LC n. 64/90.

Assinale-se, ainda, que a contagem do prazo de 8 (oito) anos da inelegibilidade a partir do final do período remanescente do mandato cassado, qual seja, 31.12.2016, perdurará até 31.12.2024.

Ante o exposto, VOTO por reconhecer a incidência da inelegibilidade prevista na al. “c” do inc. I do art. 1º da LC n. 64/90 e INDEFERIR o registro de candidatura de PAULO EUCLIDES GARCIA DE AZEREDO ao cargo de deputado estadual pelo PDT.

É como voto, senhor Presidente.