RCand - 0601384-86.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas, trata-se de impugnação do pedido de registro de candidatura de JOSÉ CARLOS BARBOSA ZACCARO ao cargo de deputado federal. Também foi recebida notícia de inelegibilidade em relação aos mesmos fatos, de forma a possibilitar a análise única.

Foi juntado ao processo decisão proferida nos autos da Ação Civil de Improbidade Administrativa n. 5002152-85.2018.4.04.7103 (ID 45048170), a qual foi desafiada por apelação julgada em 16.8.2022 (extrato de ata – ID 45048168). Também é possível verificar a presença do voto do relator (vencido) do processo no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (ID 45050230) e o voto-vista proferido pela Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida, que restou condutor do acórdão (ID 45050231).

As decisões juntadas aos autos são bastante claras a respeito dos fatos e da condenação: a ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público Federal contra JOSÉ CARLOS BARBOSA ZACCARO e outros na 2ª Vara Federal de Uruguaiana, sendo que a sentença reconheceu a prática de conduta dolosa pelo candidato, médico perito do INSS, que

importou em (a) enriquecimento ilícito (art. 9º, I, da Lei nº 8429/92) - caracterizado pela percepção de remuneração integral à revelia do cumprimento integral da carga horária, realizando atividades privadas durante o horário de trabalho -, (b) dano ao erário (artigo 10 da Lei nº 8429/92), consubstanciado no dispêndio de integral da remuneração sem o cumprimento satisfatório da contraprestação correlata, fonte de inquestionável desfalque aos cofres públicos, em flagrante (c) violação aos princípios da administração pública (artigo 11, caput e incisos I e II, da suprarreferida norma de regência), sobretudo àqueles relativos legalidade, eficiência e moralidade administrativa […]

 

As condutas apuradas na ação consistiam em descumprimento de carga horária e realização de inserções falsas em sistema eletrônico de registro de ponto obrigatório da Autarquia relativas à jornada de trabalho, e é possível vislumbrar na decisão as imagens do réu retirando-se do prédio do INSS no horário de expediente e após registrar entrada no Sistema de Registro Eletrônico de Frequência (SISREF) para prestar serviços em outros locais, como o Hospital Santa Casa de Caridade de Uruguaiana/RS.

Constou no dispositivo da sentença (ID 45050234):

Ante ao exposto, afasto as preliminares e, no mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para o efeito de:

[…]

b) CONDENAR o réu JOSÉ CARLOS BARBOSA ZACCARO pela prática de atos de improbidade administrativa, na forma explicitada na fundamentação, cominando-lhe, em consequência, as seguintes penalidades (art. 12 da Lei nº 8.429/92):

b.1) ressarcimento integral do dano patrimonial, no montante de R$22.126,23 (vinte e dois mil, cento e vinte e seis reais e vinte e três centavos), corrigido pela variação do IPCA-E e acrescido de juros de 1% ao ano, na forma da fundamentação;

b.2) multa civil em favor do INSS, fixada no valor de R$ 11.063,00 (onze mil, sessenta e três reais), nos termos da fundamentação;

b.3) perda da função pública de médico perito do INSS, que porventura ainda exerça quando do trânsito em julgado da presente decisão;

b.4) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 08 (oito) anos;

[...]

 

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar a apelação e considerando a nova redação dada pela Lei n. 14.230/21, manteve as penas fixadas na sentença e deu parcial provimento ao recurso do candidato para afastar a condenação pela prática do art. 11 da Lei n. 8.429/92 (ID 45050231).

Pois bem, a Lei Complementar n. 64/90 dispõe que:

 

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[...]

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;

[…]

o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário;

 

Na hipótese, o candidato alega que a Constituição elenca rol taxativo de hipóteses de restrição de direitos políticos.

A tese não prospera, visto que a própria Carta Magna determina que “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, § 9º).

A Lei Complementar n. 64/90 e as alterações trazidas pela LC n. 135/10, portanto, são plenamente compatíveis com a Constituição e podem acarretar restrições aos direitos políticos.

Da mesma forma, a tese de que toda condenação somente pode produzir efeitos após o trânsito em julgado não se sustenta.

No sentido de que a presunção de inocência não é obstáculo ao reconhecimento de inelegibilidades, valho-me de precedente do Tribunal Superior Eleitoral que, embora se refira à outra hipótese de inelegibilidade, é plenamente compatível com o caso dos autos:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA AO CARGO DE VEREADOR. INDEFERIMENTO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. CONDENAÇÃO CRIMINAL EM 2a INSTÂNCIA POR CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1o, INCISO I, ALÍNEA E, ITEM 1 DA LC 64/90. A MERA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS À DECISÃO COLEGIADA DA JUSTIÇA COMUM NÃO É APTA A AFASTAR O IMPEDIMENTO PARA O REGISTRO DE CANDIDATURA. DECISÃO REGIONAL EM CONFORMIDADE, NO TOCANTE AO PONTO, COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. APLICAÇÃO DOS ENUNCIADOS SUMULARES 30 DO TSE E 83 DO STJ. A ALEGAÇÃO DE NULIDADE NO PROCESSO DO TJ DO PARANÁ NÃO É PASSÍVEL DE SER ANALISADA POR ESTA JUSTIÇA ESPECIALIZADA, POR FORÇA DO ENUNCIADO 41 DA SÚMULA DO TSE. DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS HÁBEIS A MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Quando o órgão julgador soluciona, de maneira clara e coerente, a questão posta a julgamento, apresentando todas as razões que firmaram seu convencimento, não há falar em ofensa ao art. 275 do CE.

2. Não há falar em ausência de fundamentação quando o Julgador, diante do livre convencimento motivado, está convicto quanto a determinado ponto, em especial quando a argumentação exposta é acompanhada de remissão a entendimento deste Tribunal Superior que, por si só, afasta a pretensão recursal.

3. O reconhecimento da causa de inelegibilidade descrita na alínea e não viola a presunção de inocência, porquanto não consubstancia sanção penal, mas apenas situação objetiva que o Legislador erigiu como apta a gerar inelegibilidade.

4. O STF, no julgamento das ADCs 29 e 30 e da ADI 4.578, concluiu que as hipóteses de inelegibilidade descritas na LC 64/90, com as alterações da LC 135/10, não violam a Constituição e reconheceu a possibilidade de sua incidência a fatos pretéritos.

5. O reconhecimento da inelegibilidade derivada da alínea e do inciso I do art. 1o da LC 64/90 não acarreta considerar alguém culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas apenas estar ausente o requisito objetivamente fixado pelo Legislador para o exercício regular do jus honorum.

6. Ao julgar o AgR-RO 471-53/SC, Rel. Min. LUIZ FUX, o TSE firmou o entendimento de que as hipóteses de inelegibilidade no ordenamento jurídico pátrio são fixadas de acordo com os parâmetros constitucionais de probidade, moralidade e de ética, e veiculadas por meio de reserva de lei formal (Lei Complementar), nos termos do art. 14, § 9o da Constituição da República, razão por que, a prevalecer a tese segundo a qual a restrição ao direito de ser votado se submete às normas convencionais, haveria a subversão da hierarquia das fontes, de maneira a outorgar o status supraconstitucional à Convenção Americana, o que, como se sabe, não encontra esteio na jurisprudência remansosa do STF, que atribui o caráter supralegal a tratados internacionais que versem sobre direitos humanos (ver por todos RE 466.343/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJe 5.6.2009).

7. Segundo a jurisprudência do TSE, para que incida a causa de inelegibilidade prevista na alínea e do inciso I do art. 1o da LC 64/90, basta que haja condenação criminal emanada de órgão judicial colegiado, não suspendendo a inelegibilidade a oposição de Embargos Declaratórios àquela decisão, ainda que pendentes de julgamento.

8. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 5654, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 115, Data 14/06/2017, Página 80-81) (Grifei.)

O mencionado precedente também é apto a afastar outra das teses do candidato, pois consigna que o julgamento colegiado é suficiente para fazer incidir a causa de inelegibilidade, não se cogitando a suspensão da decisão pela oposição de embargos declaratórios.

Ademais, esta Corte já decidiu que é “desnecessária a análise, pela Justiça Eleitoral, acerca do mérito e da sorte do recurso interposto, o acerto ou desacerto da decisão cautelar, ou a probabilidade ou não de êxito do candidato na ação que lhe acarreta a inelegibilidade” (TRE-RS, Recurso n. 0600617-60.2020.6.21.0148, Rel. Miguel Antonio Silveira Ramos, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 09/11/2020), não sendo razoável afastar a inelegibilidade diante da mera possibilidade de interposição de recurso que eventualmente seja apto a modificar a decisão que é desfavorável ao candidato.

O precedente invocado também menciona que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADCs 29 e 30 e da ADI 4.578, já decidiu sobre a constitucionalidade do dispositivo que aqui se examina, o que afasta a necessidade de que este Tribunal Regional realize os procedimentos previstos para julgamento de incidente de inconstitucionalidade.

Indo adiante e reforçando a plena aplicação da inelegibilidade em tela, no sentido de que a publicação da decisão condenatória (e não a intimação das partes) faz incidir a inelegibilidade, colaciono julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADA FEDERAL. PRELIMINAR. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA L, REJEITADA. CONDENAÇÃO EM AÇÃO DE IMPROBIDADE. ÓRGÃO COLEGIADO. INELEGIBILIDADE.DANO AO ERÁRIO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PRAZO. PLEITO 2014.

1. Não cabe discutir o sentido e o alcance da presunção constitucional de inocência no que diz respeito à esfera penal e processual penal. Cuida-se tão somente da aplicabilidade da presunção de inocência especificamente para fins eleitorais, nos termos do julgamento da ADPF 144 pelo Supremo Tribunal Federal. Deve-se reconhecer a absoluta consonância da inelegibilidade estabelecida na letra l do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 com a presunção de inocência e o bloco de constitucionalidade, atinente a essa garantia, uma vez que, para fins que não sejam os estritamente penais, a garantia constitucional satisfaz-se com o julgamento realizado por órgão colegiado, como se verificou na espécie dos autos.

2. Os conceitos de inelegibilidade e de condição de elegibilidade não se confundem. Condições de elegibilidade são os requisitos gerais que os interessados precisam preencher para se tornarem candidatos. Inelegibilidades são as situações concretas definidas na Constituição e em Lei Complementar que impedem a candidatura.

3. No processo de registro de candidatura, a Justiça Eleitoral não examina se o ilícito, ou irregularidade, foi praticado, mas, sim, se o candidato foi condenado pelo órgão competente.

4. A Justiça Eleitoral não possui competência para reformar ou suspender acórdão proferido por Turma Cível de Tribunal de Justiça Estadual ou Distrital que julga apelação em ação de improbidade administrativa.

5. Para a caracterização da inelegibilidade decorrente de condenação por ato doloso de improbidade (LC nº 64/90, artigo 1º, inciso I, alínea l ), basta que haja decisão proferida por órgão colegiado, não sendo necessário o trânsito em julgado. Precedentes.

6. Presença de todos os elementos necessários à configuração da inelegibilidade prevista na alínea l do art. 1º, inciso I, da LC nº 64/90, que incide a partir da publicação do acórdão condenatório.

7. Não se observa óbice para o reconhecimento de fato superveniente que atraia a inelegibilidade de pretensa candidata, tendo em vista que antes do momento de julgamento do registro, ainda em instância ordinária, a ela foi oportunizada a possibilidade de defesa acerca da incidência de impedimento de sua capacidade eleitoral passiva advinda de norma constitucional, por ato doloso de improbidade administrativa. Induvidoso, portanto, o exercício da ampla defesa e contraditório, na instância ordinária, ou seja, no respectivo processo de registro.

8. É perfeitamente harmônico com o sistema de normas vigentes considerar que os fatos supervenientes ao registro que afastam a inelegibilidade devem ser apreciados pela Justiça Eleitoral, na forma prevista na parte final do § 10 do artigo 11 da Lei nº 9.504/97, sem prejuízo de que os fatos que geram a inelegibilidade possam ser examinados no momento da análise ou deferimento do registro pelo órgão competente da Justiça Eleitoral, em estrita observância ao parágrafo único do artigo 7º da LC nº 64/90 e, especialmente, aos prazos de incidência do impedimento, os quais, por determinação constitucional, são contemplados na referida lei complementar.

9. Recurso desprovido para manter o indeferimento do registro da candidatura para o cargo de Deputado Federal da recorrente.

(Recurso Ordinário nº 90346, Acórdão, Relator(a) Min. Maria Thereza de Assis Moura, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 4, Data: 11/09/2014, Página 273)

 

Assim, é de se entender que todos os elementos necessários à configuração dos requisitos da inelegibilidade estão presentes nos autos, não sendo imprescindível a intimação dos advogados por publicação em diário oficial ou assemelhado para que se aponte a existência da condenação e se conheça seu inteiro teor, como demonstram os documentos que foram juntados aos autos antes da contestação.

Assim, retomo que o candidato foi condenado, nos autos da Ação Civil de Improbidade Administrativa n. 5002152-85.2018.4.04.7103 (ID 45048170), por prática dolosa que acarretou enriquecimento ilícito e dano ao erário, sendo condenado, dentre outras penas, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 08 (oito) anos. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar a apelação e considerando a nova redação dada pela Lei n. 14.230/21, manteve as penas fixadas na sentença e deu parcial provimento aos recurso do candidato tão somente para afastar a condenação pela prática do art. 11 da Lei n. 8.429/92 (violação aos princípios da Administração Pública), nos termos do voto da Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida, condutor do acórdão (ID 45050231).

Contudo, registro que não cabe o reconhecimento da inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “o”, da Lei Complementar n. 64/90 (demissão do serviço público), mencionada na notícia de inelegibilidade (ID 45048167), tendo em vista que, à míngua de previsão específica em sentido diverso, é necessária decisão definitiva em processo administrativo ou judicial.

Assim, verificados os requisitos para incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “l’, da Lei Complementar n. 64/90, deve ser julgada procedente a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura e indeferido o pedido de registro.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela procedência da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura e pelo indeferimento do pedido de registro de JOSÉ CARLOS BARBOSA ZACCARO para concorrer ao cargo de deputado federal nas eleições 2022.