RCand - 0601544-14.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/09/2022 às 14:00

VOTO

A presente ação de impugnação de registro de candidatura foi proposta pelo Ministério Público Eleitoral com arrimo no art. 1º, inc. I, al. “l”, da LC n. 64/90:

Art. 1º São inelegíveis:

 

I - para qualquer cargo:

 

(…)

 

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; (Incluído pela LC n. 135/10)

 

Narra a impugnação que, em 01.9.2021, Marlon Arator Santos da Rosa foi condenado à suspensão de seus direitos políticos, pelo prazo de 8 (oito) anos, em decisão colegiada proferida pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por ato doloso de improbidade administrativa que importou em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito próprio.

O Ministério Público Eleitoral também informa ter sido deferido efeito suspensivo ao Recurso Especial interposto contra o acórdão, o qual se encontra sobrestado ao aguardo do julgamento do ARE n. 843989/PR (Tema 1199 do STF).

Contudo, afirma que o Supremo Tribunal Federal julgou a matéria em 18.8.2022, e que por conta disso não subsiste motivo algum para a suspensão dos efeitos da decisão condenatória, uma vez que a tese sustentada no Recurso Especial será rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Pois bem.

Inicialmente, afasto a alegação defensiva de que a presente ação de impugnação de registro de candidatura está prejudicada em virtude de a causa de inelegibilidade arguida se reportar a julgamento do ARE n. 843989/PR (Tema 1199 do STF), ocorrido em 18.8.2022, após o prazo para o protocolo do requerimento de registros de candidatura, encerrado em 15.8.2022.

O impugnado invoca o art. 11, § 10, da Lei n. 9.504/97, o art. 262 do Código Eleitoral, para afirmar o não cabimento de ação de impugnação de registro de candidatura (AIRC) ou recurso contra expedição de diploma (RCED) para as inelegibilidades supervenientes após o prazo de 15.8.2022. Transcrevo os dispositivos:

Lei n. 9.504/97

 

Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições. (Redação dada pela Lei n. 13.165/15)

 

(...)

 

§ 10. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade. (Incluído pela Lei n. 12.034/09)

 

Código Eleitoral

 

Art. 262. O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade.

 

I – (Revogado pelo art. 4º da Lei n. 12.891/13);

 

II – (Revogado pelo art. 4º da Lei n. 12.891/13);

 

III – (Revogado pelo art. 4º da Lei n. 12.891/13);

 

IV – (Revogado pelo art. 4º da Lei n. 12.891/13).

 

§ 1º A inelegibilidade superveniente que atrai restrição à candidatura, se formulada no âmbito do processo de registro, não poderá ser deduzida no recurso contra expedição de diploma.

 

§ 2º A inelegibilidade superveniente apta a viabilizar o recurso contra a expedição de diploma, decorrente de alterações fáticas ou jurídicas, deverá ocorrer até a data fixada para que os partidos políticos e as coligações apresentem os seus requerimentos de registros de candidatos.

 

§ 3º O recurso de que trata este artigo deverá ser interposto no prazo de 3 (três) dias após o último dia limite fixado para a diplomação e será suspenso no período compreendido entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, a partir do qual retomará seu cômputo.

 

§§ 1º a 3º acrescidos pelo art. 4º da Lei n. 13.877/19; veto presidencial a esses dispositivos rejeitado pelo Congresso Nacional e publicado no DOU de 13.12.2019.

 

A preliminar não prospera.

A previsão do § 10 do art. 11 da Lei n. 9.504/97, ao estabelecer que as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser afastadas no momento da formalização do registro, não significa dizer que a situação a ser considerada deva ser aquela da data do protocolo do pedido de registro.

O pedido de registro é um processo complexo, encadeado de diversos atos, tais como a verificação da presença de condições de elegibilidade, da verificação das condições de registrabilidade, bem como da verificação da inexistência de inelegibilidade.

Tanto é assim que o enunciado da Súmula TSE n. 45 prevê: “Nos processos de registro de candidatura, o juiz eleitoral pode conhecer de ofício da existência de causas de inelegibilidade ou da ausência de condição de elegibilidade, desde que resguardados o contraditório e a ampla defesa”.

De igual modo, o § 2º do art. 36 e o § 1º do art. 50, ambos da Resolução TSE n. 23.609/19, dispõem sobre a possibilidade de o juiz se deparar, de ofício, com ausência de condição de elegibilidade ou causa de inelegibilidade, estabelecendo a necessidade de contraditório:

Art. 36. Constatada qualquer falha, omissão, indício de que se trata de candidatura requerida sem autorização ou ausência de documentos necessários à instrução do pedido, inclusive no que se refere à inobservância dos percentuais previstos no § 2º do art. 17 desta Resolução, o partido político, a federação, a coligação, a candidata ou o candidato será intimado(a) para sanar a irregularidade no prazo de 3 (três) dias ( Lei n. 9.504/97, art. 11, § 3º). (Redação dada pela Resolução TSE n. 23.675/21)

 

§ 1º A intimação a que se refere o caput poderá ser realizada de ofício.

 

§ 2º Se a juíza ou o juiz ou a relatora ou o relator constatar a existência de impedimento à candidatura que não tenha sido objeto de impugnação ou notícia de inelegibilidade, deverá determinar a intimação da(o) interessada(o) para que se manifeste no prazo de 3 (três) dias.

 

(…)

 

Art. 50. O pedido de registro da candidata ou do candidato, a impugnação, a notícia de inelegibilidade e as questões relativas à homonímia devem ser julgados em uma só decisão.

 

§ 1º Ainda que não tenha havido impugnação, o pedido de registro deve ser indeferido quando constatado pelo juízo competente a existência de impedimento à candidatura, desde que assegurada a oportunidade de manifestação prévia, nos termos do art. 36 desta Resolução. (Incluído pela Resolução TSE n. 23.675/21) (grifo nosso)

 

 

A corroborar esse entendimento, tem-se o acórdão do TSE no RESPE n. 60020987, trazido à colação pelo Parquet em sede de réplica: “Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior reafirmada para as Eleições 2020, os fatos supervenientes que repercutam na elegibilidade podem ser apreciados inclusive em sede extraordinária, desde que antes da diplomação” (Recurso Especial Eleitoral n. 060020987, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE 26.10.2021.).

 

Nesse sentido, a lição do distinto doutrinador eleitoralista Zilio:

 

[…]

Daí que qualquer fato superveniente ao registro que beneficie o can­didato, seja o afastamento de uma causa de inelegibilidade, seja o preenchimento de uma condição de elegibilidade, deve ser considerado para fins do §10 do art. 11 da LE. Nada obstante a lei tenha ressalvado apenas as causas supervenientes que bene­ficiem o candidato, deve-se ponderar que a jurisprudência do TSE tem igualmente defendido que causas posteriores ao registro que importe em restrição ao direito de candidatura também devem ser consideradas. O ponto é, afinal, até qual momento do processo eleitoral essas causas supervenientes podem ser consideradas: se na data da eleição ou na data da diplomação?

(Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral, 8.ed.rev.ampl. e atual. São Paulo: Editora Juspodivm,2022, p. 648)

 

Portanto, rejeito a prejudicial arguida.

Quanto à incidência da causa de inelegibilidade, a impugnação aponta que o requerido encontra-se inelegível, haja vista que foi condenado à suspensão de seus direitos políticos, pelo prazo de 8 (oito) anos, no Processo n. 70083810275, em decisão colegiada proferida pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na data de 01.9.2021, por ato doloso de improbidade administrativa que importou em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, consistente na prática de “rachadinha” (ID 45050247).

O impugnado, por sua vez, alega alteração fático-jurídica superveniente para afastar sua inelegibilidade diante da concessão de efeito suspensivo ao acórdão condenatório proferido pelo TJ-RS, ensejador da causa de inelegibilidade objeto da impugnação, nos autos do Recurso Especial n. 70085627743. Transcrevo a decisão liminar:

Alega que o acórdão recorrido violou os artigos 489, § 1º, inc. IV e 1.022, inc. II, do Código de Processo Civil, 1º, § 4º, 9º, caput e inc. I, 11, caput e inc. I, 12, incs. I e III, § § 3º e 4º, 21, § § 3º e 4º, 23, caput e § § 4º, 5º e 8º, da Lei n. 8.429/92, porquanto (I) houve negativa de prestação jurisdicional, (II) não houve dolo na conduta do agente, (III) eventual absolvição penal deve produzir efeitos imediatos na ação de improbidade, (IV) as alterações promovidas pela Lei n. 14.230/21 devem ser aplicadas retroativamente e (V) ocorreu a prescrição intercorrente no presente caso. Apresentadas as contrarrazões, vêm os autos conclusos a esta Primeira Vice-Presidência para realização do juízo de admissibilidade. É o relatório.

 

2. A controvérsia constitucional suscitada no recurso – “Definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei n. 14.230/21, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no art. 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.” – teve Repercussão Geral reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 843.989/PR (TEMA 1.1991).

 

Ainda, em decisão publicada em 03.3.2022, nos autos do ARE 843.989/PR, o Em. Ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão “do processamento dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei n. 14.230/21”.

 

Conforme determina o art. 1.036, § 1º, do Código de Processo Civil, combinado com o art. 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de origem não emitirá juízo de admissibilidade nos processos cujos recursos especiais e extraordinários tratem de matéria idêntica, cabendo “a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado”.

A hipótese, portanto, é de suspensão do recurso especial até o julgamento do TEMA 1.199 pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 1.030, inc. III, do Código de Processo Civil.

 

Ante o exposto, determino a SUSPENSÃO do recurso especial, tendo em vista o ARE 843.989/PR (TEMA 1.199).

 

Proceda-se à vinculação do presente recurso especial ao ARE 843.989/PR (TEMA 1.199), de forma a ser processado após o definitivo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal.

 

O Ministério Público Eleitoral entende que o efeito suspensivo deve ser desconsiderado porque o Recurso Especial interposto pelo impugnado não terá êxito, uma vez que o Tema 1.199 foi decido pelo STF em 18.8.2022.

De fato, do exame da peça recursal em questão e da decisão que atribui efeito suspensivo ao apelo especial, verifica-se que seu fundamento foi a evidência de probabilidade do direito, “uma vez que a tese a ser fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1199) abrange as discussões jurídicas trazidas na presente demanda, tal como a possibilidade de incidência retroativa do art. 23 da Lei n. 14.230/21, que passou a prever a prescrição intercorrente nas ações de improbidade administrativa”; e de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo por estar “evidenciado o periculum in mora e o risco de irreversibilidade da decisão, já que, em havendo desfecho favorável ao Recorrente, estaria impedido de participar das eleições de 2022, uma vez que pretende lançar candidatura”.

Ocorre que ao julgar o Tema 1.199, o STF decidiu todas as questões invocadas no recurso e fixou, por unanimidade, a tese de que:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos arts. 9, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;

2) A norma benéfica da Lei n. 14.230/21 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei n. 14.230/21 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

4) O novo regime prescricional previsto na Lei n. 14.230/21 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

 

Nessas circunstâncias, assiste razão ao órgão ministerial ao afirmar que “não subsiste motivo algum para a suspensão dos efeitos da decisão condenatória, uma vez que a tese sustentada pelo requerido vem de ser expressamente rechaçada”, e que “o recurso especial por ele interposto não deverá ser admitido, haja vista o óbice da Súmula n. 83 do Superior Tribunal de Justiça” (Súmula n. 83: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida).

Além disso, considerando que no acórdão do TJ-RS consta que “os atos de improbidade descritos no art. 11 da Lei de Improbidade reclamam a presença do dolo, que restou comprovado na hipótese”, a alegação recursal de ausência de dolo também não tem o condão de ser acatada pelo STJ, pois esbarra na vedação das Súmulas 7 do STJ e 279 do STF.

Tanto é assim que, ao consultar os autos do Recurso Especial, constatei que foi prolatado, em 26.8.2022, o seguinte despacho:

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul veiculou pedido para a revogação do efeito suspensivo deferido ao Recorrente MARLON ARATOR SANTOS DA ROSA.

 

Tendo em vista se tratar de tutela em caráter precário, e considerando a divulgação do julgamento do Tema 1199 pelo Supremo Tribunal Federal em 18/8/2022, em observância ao contraditório, dê-se vista ao Recorrente para se manifestar sobre a petição de fls. 2644 a 2646 verso.

 

Publique-se e intimem-se.

 

Des. Alberto Delgado Neto,

1º Vice-Presidente.

 

Desse modo, considerando que o próprio órgão julgador responsável pela concessão do efeito suspensivo em tela apontou o caráter precário da decisão prolatada, a qual expressamente limita a “suspensão do recurso especial até o julgamento do TEMA 1.199 pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 1.030, inc. III, do Código de Processo Civil”, merece guarida o raciocínio ministerial no sentido da incidência da hipótese de inelegibilidade em tela.

Não se desconsidera o enunciado da Súmula TSE n. 41 invocado na contestação, que estabelece: “Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou de Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade”.

Ocorre que, diante das especificidades deste caso concreto, a análise da inelegibilidade não representa decisão sobre o acerto ou desacerto da decisão que atribuiu efeito suspensivo ao recurso especial.

Da simples leitura dos fundamentos do ato em questão, bem se vê que a suspensão da condenação está amparada na pendência de julgamento do Tema 1199/STF e, estando a matéria já decidida desde 18.8.2022, deve ser considerada a decisão condenatória, medida que em nada implica adentrar ou antecipar o julgamento do mérito do Recurso Especial, mas tão somente interpretar os próprios limites do provimento cautelar que concedeu o efeito suspensivo que não mais remanesce.

Portanto, rejeito a alegação.

Relativamente à questão de fundo, a al. “l” trata da inelegibilidade por condenação transitada ou colegiada, por ato doloso de improbidade que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.

Conforme refere o Parquet, o acórdão condenatório reconheceu a prática dolosa de “rachadinha” por parte do impugnado, a configuração de dano ao erário e o enriquecimento ilícito próprio.

Na contestação afirma-se que não houve acusação e nem se perquiriu dano ao erário, não tendo havido análise ou referência a “qualquer prejuízo aos cofres públicos pelo agir descrito”. Reproduzo excerto das alegações defensivas (ID 45068335):

Da mesma forma que não consta o elemento lesão ao patrimônio público na sentença, também não consta no acórdão por três motivos muito claros e escorreitos: primeiro, como referido, não há pedido inicial no sentido de condenar Marlon Arator Santos da Rosa por lesão ao patrimônio público; segundo, também como referido, não consta essa condenação na sentença de 1º grau da Justiça Comum a menção em lesão ao patrimônio público; terceiro, da mesma forma já referido, não há apelação do MP estadual para incluir no recurso de apelação a condenação por lesão ao patrimônio público.

 

Para esgotar o tema, lendo-se o acórdão, compreende-se não ter sido cometido o equívoco de condenar o aqui impugnado por fato contido na norma do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa.

 

Além disso, defende-se que não cabe à Justiça Eleitoral interpretar a decisão condenatória.

Destaco, contudo, que é assente o entendimento de que pode a Justiça Eleitoral aferir, a partir da fundamentação do acórdão proferido pela Justiça Comum, a presença dos requisitos exigidos para a caracterização da causa de inelegibilidade.

A propósito, cito: "A exigência legal imposta de que a conduta ímproba traga, simultaneamente, prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito do próprio agente ou de terceiros, como exigido por esta Corte Eleitoral, está presente, pois é regular e lícito ao TSE verificar na fundamentação da decisão condenatória a existência de ambos os requisitos" (TSE, AgR-AI n° 411-02/MG, Rel. Min. EDSON FACCHIN, DJe de 07.02.2020; Rel. Min. OG FERNANDES, PSESS de 27.11.2018.).

Importa registar, ainda, que o TSE, em recente julgamento do dia 14.6.2022, o qual se amolda como a mão à luva ao caso dos autos, por tratar especificamente sobre a incidência da inelegibilidade em exame, reafirmou entendimento há muito tempo consolidado “de que o esquema de ‘rachadinha’ denota, além da configuração de enriquecimento ilícito, dano ao erário, ‘consubstanciado na contraprestação desproporcional dos serviços efetivamente prestados’”.

Transcrevo:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 1º, INC. I, AL. "L", DA LC N. 64/90. INELEGIBILIDADE. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO. ASSESSORES PARLAMENTARES. DEVOLUÇÃO. PARCELA DO VENCIMENTO. PRÁTICA DE “RACHADINHA”. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO. REQUISITOS PRESENTES. INDEFERIMENTO DO REGISTRO. VÍCIOS. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO.

1. No aresto embargado, unânime, proveu–se o agravo interno do Ministério Público a fim de indeferir o registro de candidatura do embargante ao cargo de vereador de Catanduva/SP nas Eleições 2020, haja vista a incidência da inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90 (prática de “rachadinha”).

2. A matéria relativa à ocorrência de dano ao erário foi objeto de exaustivo debate, tendo–se assentado, com supedâneo na jurisprudência desta Corte Superior, que pode a Justiça Eleitoral “aferir, a partir da fundamentação do acórdão proferido pela Justiça Comum, a existência – ou não – dos requisitos exigidos para a caracterização da causa de inelegibilidade preconizada no art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90', sem que isso implique usurpação de competência”.

3. Consignou–se de forma clara que, no caso dos autos, a moldura fática do aresto regional revela que “o candidato fora condenado na Justiça Comum, mediante sentença confirmada em segunda instância, à suspensão dos direitos políticos por 10 anos por improbidade administrativa. O édito condenatório decorreu da prática de ato conhecido como ”rachadinha” – em que os servidores comissionados repassam parte de suas remunerações a parlamentares em troca da manutenção do emprego – quando do exercício de mandato anterior na Câmara Municipal”.

4. Nesse contexto, frisou–se que, consoante o entendimento sedimentado deste Tribunal Superior, o esquema de “rachadinha” denota, além da configuração de enriquecimento ilícito, dano ao erário, “consubstanciado na contraprestação desproporcional dos serviços efetivamente prestados”, citando–se, nessa linha, paradigmático precedente das Eleições 2020 no REspEl 0600235–82/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 14.9.2021.

5. Em conclusão, enfatizou–se que “na espécie, os requisitos da inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90 estão plenamente preenchidos, sendo indene de dúvida também o dano ao erário, haja vista o desvirtuamento do uso de recursos públicos”.

6. Os supostos vícios apontados denotam propósito de rediscutir matéria já decidida, providência inviável na via aclaratória. Precedentes.

7. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE - REspEl: 06001836620206260040 CATANDUVA - SP 060018366, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 14.6.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 119) (grifo nosso)

 

Observo que no acórdão do TSE no AgR– AI n. 411–02, antes citado, restou esclarecido que o esquema de "rachadinha" é uma clara e ostensiva modalidade de corrupção, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito.

No caso em tela, os elementos necessários para a incidência da inelegibilidade estão manifestamente inseridos no acórdão condenatório do ID 45050247, merecendo ser reproduzido o seguinte excerto colacionado à ação de impugnação:

No caso, a prova demonstra que o apelante, valendo-se de cargo de Deputado Estadual, exigiu parcelas dos salários mensalmente recebidos e verbas indenizatórias de ocupantes de cargos em comissão a ele diretamente subordinados, sendo que “A exigência pode ser formulada diretamente, a viso aperto ou facie ad faciem, sob a ameaça explícita de represálias (imediatas ou futuras), ou indiretamente, servindo-se o agente de velada pressão, ou fazendo supor, com maliciosas ou falsas interpretações, ou capciosas sugestões, a legitimidade da exigência. Não se faz mister a promessa de infligir mal determinado: basta o temor genérico que a autoridade inspira” (APn 825/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, DJe 26.4.2019.).

 

Sobre as afirmações do apelante no sentido de que as acusações são decorrências de disputas políticas, que a presente acusação de improbidade administrativa fere a dignidade humana, bem como a “ausência de certeza quanto à acusação”, não se sustentam, cedem frente ao robusto contexto probatório acima examinado.

 

No tocante aos atos de improbidade previstos no art. 9 da Lei n. 8.429/92, é indispensável para sua configuração que a conduta do agente seja dolosa, o que, in casu, está demonstrado. O enriquecimento ilícito igualmente restou comprovado, consubstanciado no valor de R$357.177.85, soma dos valores que os assessores repassaram ao réu, apurada pela perícia técnica às fls. 1861/1886.

 

Já os atos de improbidade descritos no art. 11 da Lei de Improbidade reclamam a presença do dolo, que restou comprovado na hipótese, não exigindo demonstração de prejuízo ao erário.

 

Ademais, conforme bem explanado pelo Desembargador Armínio José Abreu Lima da Rosa, na ementa da Apelação Cível 70048988497, julgada em 20.6.2012, basta seja dolo genérico, in verbis: “Os atos de improbidade previstos no art. 11, Lei n. 8.429/92 reclamam a presença de dolo, bastando aquele genérico, consistente na vontade de realizar fato descrito na norma incriminadora, é dizer, conduta contrária aos deveres de honestidade e legalidade, e aos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade, desnecessário perquirir a existência de enriquecimento ilícito do administrador público ou prejuízo ao Erário, estando a lesão à Administração Pública in re ipsa”.

 

E repisasse, o dolo do demandado está efetivamente demonstrado, pois conhecedor de seus deveres como Deputado Estadual, não pode alegar desconhecer a ilegalidade de apropriar-se de parte da remuneração de seus subordinados, exoneráveis ad nutum.

 

Portanto, efetivamente demonstrada a conformidade das condutas do apelante com os atos de improbidade administrativa previstos no art. 9, caput e inc. I, e no art. 11, caput e inc. I, da Lei n. 8.429/92. (grifo nosso)

 

Como se vê, segundo o acórdão do TJ-RS, “no exercício de mandato de Deputado Estadual, exigiu e recebeu vantagem financeira indevida, consistente em valores em dinheiro, provenientes de repasses feitos pelos servidores comissionados que compunham sua assessoria parlamentar, em montante correspondente a um percentual dos vencimentos dos assessores e de diárias e indenizações veiculares recebidas, enriquecendo ilicitamente e violando princípios regentes da administração pública”, prática popularmente conhecida como “rachadinha”.

Assim, tenho por inarredável a conclusão de que os atos pelos quais o impugnado foi condenado, além de caracterizar enriquecimento ilícito, representam o dano ao erário que se pretende afastar na contestação.

Daí porque é acertada a tese ministerial de os fundamentos fáticos contidos na decisão condenatória demonstrarem que os atos de improbidade administrativa praticados pelo requerido, pelos quais lhe foi imposta a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 8 (oito) anos, importaram cumulativamente em: (a) lesão ao patrimônio público (dano ao erário) e (b) enriquecimento ilícito próprio, amoldando-se à hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “l”, da LC n. 64/90.

Por fim, importa ressaltar que as condutas consideradas ilícitas pela Justiça Comum foram praticadas entre os anos de 2003 e 2004, mas que é consolidado o entendimento jurisprudencial, no âmbito do STF e do TSE, no sentido de que as hipóteses de inelegibilidade previstas na LC n. 64/90 (Lei de Inelegibilidades), com as alterações incluídas pela LC n. 135/10 (Lei da Ficha Limpa), se aplicam a fatos anteriores à sua entrada em vigor (STF – ADC 29, Relator: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16.02.2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28.6.2012 PUBLIC 29.6.2012 RTJ VOL-00221-01 PP-00011; STF – AgR no RE nº 1028574/SC, rel. Min. EDSON FACHIN, 2ª Turma, j. 19.6.2017, DJe de 31.7.2017; TSE - AgR-REspe nº 196-77, Relatora Min. Rosa Weber, PSESS 01.12.2016.).

Com esses fundamentos, entendo que as teses defensivas invocadas na contestação não são suficientes para ilidir a ação de impugnação ofertada pelo Ministério Público Eleitoral, impondo-se o juízo de procedência para o fim de ser indeferido o pedido de registro de candidatura.

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente a impugnação e indefiro o registro do candidato MARLON ARATOR SANTOS DA ROSA ao cargo de deputado federal pelo PARTIDO LIBERAL – PL.