MSCiv - 0600478-96.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/09/2022 às 14:00

VOTO

Do Cabimento do Mandado de Segurança

Registro a viabilidade da impetração do mandado de segurança em face das decisões proferidas no âmbito do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, as quais não ostentam caráter jurisdicional, mas eminentemente administrativo.

O entendimento está consolidado no art. 54, § 3º, da Resolução TSE n. 23.608/19, que estabelece o mandado de segurança como a via cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia, in verbis:

Art. 54. A competência para o processamento e julgamento das representações previstas no Capítulo II não exclui o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral e as enquetes, que será exercido pelas juízas ou pelos juízes eleitorais, por integrantes dos tribunais eleitorais e pelas juízas ou pelos juízes auxiliares designados.

§ 1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral é restrito às providências necessárias para inibir ou fazer cessar práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas e das matérias jornalísticas ou de caráter meramente informativo a serem exibidos na televisão, na rádio, na internet e na imprensa escrita.

§ 2º No exercício do poder de polícia, é vedado à magistrada ou ao magistrado aplicar sanções pecuniárias, instaurar de ofício a representação por propaganda irregular ou adotar medidas coercitivas tipicamente jurisdicionais, como a imposição de astreintes (Súmula nº 18/TSE).

§ 3º O mandado de segurança é a via jurisdicional cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia.

(Grifei.)

Da Preservação do Objeto da Demanda

Ainda preliminarmente, registro que, tal como mencionado pela Procuradoria Regional Eleitoral, embora a decisão impugnada tenha analisado a peça sob a perspectiva da propaganda eleitoral antecipada, não há perda de objeto pelo início das campanhas desde 16 de agosto, posto que persistem os argumentos de ilicitude relativamente à proibição de uso do outdoor para divulgação de qualquer espécie de propaganda eleitoral, conforme prevê o art. 39, § 8º, da Lei das Eleições.

Da Participação da União

Em segunda preliminar, a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pela desnecessidade de atuação da União no feito, a qual foi requerida pelo ente público na petição de ID 45032405.

Entretanto, os arts. 7º, inc. II, e 13, da Lei n. 12.016/09 expressamente estabelecem a necessidade de ciência da pessoa jurídica interessada tanto da impetração quanto da concessão da segurança.

Outrossim, a União tão somente se limitou a acompanhar o processamento do feito, sem nada produzir para a defesa ou para a impugnação do ato atacado pelo impetrante, sendo, assim, desnecessária a avaliação de seu eventual interesse concreto no presente momento processual, o qual pode surgir, por hipótese, em eventual recuperação de gastos públicos havidos com a remoção do artefato.

Assim, rejeito a preliminar.

Do Mérito

No mérito, o mandamus é impetrado em face de decisão proferida pelo Juiz Eleitoral da 064ª Zona que indeferiu pedido de reconsideração da ordem para remoção de outdoor em propriedade privada, às margens da via pública (trevo de acesso a Rodeio Bonito – entroncamento da RS 323 com a RS 587), no qual constam a imagem do atual Presidente da República, pré-candidato à reeleição, e as frases "BOLSONARO 2022", "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" e "Primeiro Consertamos, agora avançamos", sob os seguintes fundamentos (ID 45018637):

[…].

Segundo disposto pelo artigo 36, caput, da Lei 9.504/97, a propaganda eleitoral somente poderá ser realizada após o dia 15 de agosto do ano eleitoral. Contudo, nos termos do artigo 36-A da citada normativa, não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos além de outros atos descritos em seus incisos

O material publicitário apontado pelo noticiante como caracterizador de propaganda eleitoral antecipada não contém pedido explícito de voto em favor do pré-candidato Jair Messias Bolsonaro, contendo, apenas, sua imagem e frases utilizadas por este durante o período em que exerceu seu mandato eletivo, não podendo se enquadrando no conceito de "propaganda eleitoral", ainda que subliminar.

[…].

A peça publicitária em questão está assim materializada:


 

Como se percebe, o outdoor traz a imagem de Jair Bolsonaro, com nítida referência ao pleito vindouro, de “2022”, e dois slogans de campanha relacionados ao concorrente, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" e "Primeiro Consertamos, agora avançamos", sendo que o segundo, inclusive, carrega a ideia de consecução de um projeto em dois mandatos consecutivos ao atual Presidente.

A simples reprodução da imagem do candidato, tal como exposta, com os dizeres “Bolsonaro 2022” seria suficiente para a promoção de sua candidatura à reeleição.

Logo, o artefato se amolda ao conceito de propaganda eleitoral, entendida como "aquela que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública" (AgR-Respe n. 167-34/RN, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 10.4.2014, e Respe n. 41395, Acórdão, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. designado Min. Rosa Weber, DJE de 27.6.2019).

Por ocasião da análise do pedido liminar, ponderei que a questão referente à propaganda eleitoral extemporânea tem gerado grande insegurança jurídica, em decorrência de diversas interpretações que têm sido feitas sobre o art. 36-A da Lei n. 9.504/97, e que a matéria recomendaria ser avaliada em cognição exauriente.

O aspecto destacado na oportunidade envolvia o emprego de meio proscrito na pré-campanha, ainda que não haja pedido explícito de votos, pois já pronunciou o TSE que “o emprego de meio proscrito na pré-campanha é apto a configurar a propaganda eleitoral antecipada, ainda que não haja pedido explícito de votos” (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060009625, Acórdão, Relator(a) Min. Ricardo Lewandowski, DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 109, Data: 13/06/2022).

Ocorre que, sobrevindo o registro de candidatura e o período de propaganda eleitoral, torna-se incabível a análise da questão por meio dos critérios trazidos na legislação e na jurisprudência para a aferição da propaganda eleitoral antecipada.

Isso porque, ainda que o art. 36-A da Lei das Eleições permita, durante a pré-campanha, a divulgação de mensagens de apoio e agradecimento a prováveis concorrentes ao pleito, desde que não envolvam pedido explícito de voto, sua incidência se exaure com o advento das campanhas propriamente ditas.

Com o início do período eleitoral, por imposição do art. 39, § 8º, da Lei das Eleições, ingressamos em um momento de vedação total a outdoors que promovam candidaturas, seja implícito ou explícito o propósito eleitoral, in verbis:

Art. 39. (…).

§ 8º É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Nesse sentido, colaciono recente julgado deste Tribunal Regional:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL. LIMINAR INDEFERIDA. ARTEFATO PUBLICITÁRIO. OUTDOOR. DEFLAGRADO PERÍODO PERMITIDO DE PROPAGANDA ELEITORAL. VEDAÇÃO. CONCEDIDA A SEGURANÇA. 1. Mandado de segurança impetrado em face de decisão proferida pelo Juízo da Zona Eleitoral que, no exercício do poder de polícia, indeferiu pedido para remoção de artefato publicitário relativo à propaganda eleitoral. Liminar indeferida. 2. Viabilidade de impetração do presente mandado de segurança, uma vez que a decisão do juízo eleitoral fora proferida em exercício de poder de polícia, atividade administrativa, conforme assentado por esta Corte. 3. Deflagrado o período permitido de propaganda eleitoral em 16.08.2022, não remanesce dúvida quanto à vedação do meio outdoor para veiculação de imagem de candidato à Presidência, fixados em rodovias de intenso trânsito. Concessão da segurança.

(TRE-RS – MS n. 0600423-48.2022.6.21.0000; Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Julgamento: 29.08.2022.) (Grifei.)

 

Assim, diante da deflagração do período permitido de propaganda eleitoral, não remanesce dúvida quanto à ilicitude do meio para veiculação de imagem de candidato à presidência.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela concessão da segurança, a fim de determinar a remoção do outdoor retratado dos autos, a qual poderá ser cumprida por oficial de justiça, acompanhado da força policial, se necessário.