MSCiv - 0601850-80.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/09/2022 às 14:00

VOTO

Registro a viabilidade da impetração do mandado de segurança em face das decisões proferidas no âmbito do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, as quais não ostentam caráter jurisdicional, mas eminentemente administrativo.

O entendimento está consolidado no art. 54, § 3º, da Resolução TSE n. 23.608/19, que estabelece o mandado de segurança como a via cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia, in verbis:

Art. 54. A competência para o processamento e julgamento das representações previstas no Capítulo II não exclui o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral e as enquetes, que será exercido pelas juízas ou pelos juízes eleitorais, por integrantes dos tribunais eleitorais e pelas juízas ou pelos juízes auxiliares designados.

§ 1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral é restrito às providências necessárias para inibir ou fazer cessar práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas e das matérias jornalísticas ou de caráter meramente informativo a serem exibidos na televisão, na rádio, na internet e na imprensa escrita.

§ 2º No exercício do poder de polícia, é vedado à magistrada ou ao magistrado aplicar sanções pecuniárias, instaurar de ofício a representação por propaganda irregular ou adotar medidas coercitivas tipicamente jurisdicionais, como a imposição de astreintes (Súmula nº 18/TSE).

§ 3º O mandado de segurança é a via jurisdicional cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia.

(Grifei.)

O mandamus é impetrado em face de ato do Juiz Eleitoral da 28ª Zona que determinou a remoção da peça publicitária instalada no km 194, em frente à Tenda da Carroça, na qual constam os dizeres “Lagoa Vermelha Capital Nacional do Churrasco”, “Grupo Bolsonaro LV” e “#fechadoscombolsonaro”, bem como uma foto do Presidente Jair Bolsonaro.

Por pertinente, transcrevo as razões trazidas na decisão impugnada:

[…].

 

Sobre a matéria de fundo, tenho que os outdoors citados pelo requerente na inicial configuram, sim, propaganda eleitoral proibida, razão pela qual a determinação de sua retirada é medida que se impõe.

 

Como sabido, para as eleições de 2022, a propaganda eleitoral iniciou-se apenas em 16 de agosto de 2022, bem como o artigo 39, § 8º da Lei nº 9.504/97 veda a veiculação de propaganda mediante outdoor, como bem se vê:

 

Art. 39. (…).

 

§ 8º É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais). (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013).

 

No caso, foram impugnados dois outdoors (ID. 107695807), nos quais constam a fotografia do atual Presidente Jair Messias Bolsonaro, com os dizeres “Grupo Bolsonaro L.V.” e “Fechados com Bolsonaro”. Além disso, como apontado pelo Ministério Público, há nos outdoors questionados “imagens com as cores verde e amarela - que representam a bandeira do Brasil, a qual virou símbolo do atual presidente e candidato à reeleição -, bem como a foto dele e o nome da cidade, dando a entender que a população Lagoense apoia a candidatura de Jair Bolsonaro - BR 285, Km 190 (Em frente à Tenda da Carroça) e Km 194, s/n, ou seja, na área rural de Lagoa Vermelha, cerca de 02Km do Hotel Alto da Lagoa”.

 

Portanto, na espécie, a publicidade impugnada foi instalada às margens da BR-285, assim sendo com ampla visibilidade para os que transitam pela via, em propriedade de pessoas ainda desconhecidas (o que não impede a determinação de retirada da propaganda irregular via partido político ao qual está vinculado o beneficiário da propaganda ou, ainda, de forma compulsória caso não atendida a decisão judicial no prazo que será estabelecido no dispositivo) e, além de reproduzir o nome e a fotografia do pré-candidato a reeleição Jair Messias Bolsonaro, contêm slogan de apoio a sua campanha presidencial a reeleição.

 

E de não constar pedido explícito de voto na mensagem veiculada, é forçoso reconhecer, diante do evidente caráter eleitoral do artefato publicitário, a infração ao art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504 /97, nos termos acima aludidos. Ou seja, apesar de a propaganda não apresentar pedido expresso de voto, o conteúdo eleitoreiro da mensagem é capaz de criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais em benefício a determinado candidato, apresentando-se como flagrante a pretensão eleitoreira da peça impugnada, cujo aparato está expressamente vedado pela legislação eleitoral, nos termos do ao art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504 /97.

 

Nesse sentido:

 

ELEIÇÕES 2018. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. OUTDOOR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PEDIDO DE INCLUSÃO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. NÃO ACOLHIMENTO. PRÉVIO CONHECIMENTO DO BENEFICIÁRIO. FUNDAMENTO MÍNIMO. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, assentou–se que: a) o pedido de retirada do outdoor estaria prejudicado, pois, diante do transcurso das eleições, não teria utilidade a remoção do mencionado artefato, estando caracterizada a perda superveniente do objeto; e b) a pretensão de inclusão do então pré–candidato Jair Messias Bolsonaro no polo passivo da demanda não merecia acolhimento, porquanto não foram demonstrados indícios suficientes do prévio conhecimento do beneficiário acerca da instalação do outdoor no Município de Quaraí/RS. Foi determinada, ainda, a citação do representado por oficial de justiça, nos termos do art. 8º, § 4º, da Res.–TSE nº 23.547/2017 e do art. 249 do CPC.

2. O MPE interpôs recurso inominado, insurgindo–se especificamente contra o indeferimento do pedido de inclusão do atual presidente da República Jair Messias Bolsonaro no polo passivo da demanda, sob o argumento de que o então candidato é corresponsável pela publicidade, na medida em que publicou vídeo no YouTube estimulando pessoas a divulgar mensagens eleitorais por meio de outdoor.

3. A argumentação adotada pelo Parquet já foi rechaçada por esta Corte no julgamento dos seguintes precedentes: R–Rp nº 0600498–14/DF, Rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 12.11.2019; R–Rp nº 0600565–76/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 27.8.2019; e R–Rp nº 0600248–78/DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 1º.8.2019.

4. Este Tribunal já decidiu que, "com base na Teoria da Asserção, a petição inicial deve indicar fundamento mínimo para que, em abstrato, se admita o conhecimento dos beneficiários sobre determinada propaganda irregular" (Rp nº 1600–62/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 10.3.2016).

5. O Parquet, ao ratificar a petição inicial apresentada pelo Procurador Regional Eleitoral Auxiliar no Estado do Rio Grande do Sul (ID nº 361478), não demonstra, na descrição fática inserida no capítulo VI da sua manifestação, indícios suficientes do prévio conhecimento de Jair Messias Bolsonaro acerca da instalação do outdoor no Município de Quaraí/RS.

6. Ante a ausência de fundamento mínimo para que, em abstrato, seja possível admitir o prévio conhecimento do beneficiário sobre a propaganda objeto dos autos, mostra–se prescindível a inclusão do então pré–candidato no polo passivo da demanda.

7. Recurso desprovido.

 

ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO. PUBLICIDADE VEICULADA EM MEIO VEDADO. CARÁTER ELEITORAL. APLICABILIDADE DAS RESTRIÇÕES IMPOSTAS À PROPAGANDA ELEITORAL AOS ATOS DE PRÉ–CAMPANHA. ILICITUDE CONFIGURADA. APLICAÇÃO DE MULTA AO RESPONSÁVEL. MÍNIMO LEGAL. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.

1. Na linha da jurisprudência deste Tribunal fixada para o pleito de 2018, situação dos autos, configura ilícito eleitoral a veiculação de atos de pré–campanha em meios proibidos para atos de campanha eleitoral, independentemente da existência de pedido explícito de voto no material publicitário.

2. Na espécie, a publicidade impugnada – outdoor instalado em um prédio de propriedade do representado, no Município de Quaraí/RS –, além de reproduzir o nome e a fotografia do então candidato Jair Messias Bolsonaro, continha os seguintes dizeres: "Grupo de Apoio Quaraí/RS"; "Ordem para chegar ao progresso"; "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

3. Apesar de não constar pedido explícito de voto na mensagem veiculada, é forçoso reconhecer, diante do evidente caráter eleitoral do artefato publicitário, a infração ao art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504/97, nos termos do entendimento firmado nos precedentes deste Tribunal.

4. O próprio representado não nega a responsabilidade pela instalação do outdoor, pois, em sua defesa (ID nº 18354288), afirma que "autorizou a fixação do painel fotografado, desconhecendo até mesmo seu conteúdo", e se limita a sustentar que a publicidade impugnada não caracteriza propaganda eleitoral antecipada ante a inexistência de pedido de voto e menção a cargo eletivo, tese já afastada por esta Corte Superior.

5. Comprovada a veiculação de ato de pré–campanha mediante a utilização de meio proibido para atos de campanha eleitoral, fica caracterizada a prática de propaganda eleitoral antecipada e irregular pelo representado, apta a atrair a sanção prevista no art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504/97, em seu patamar mínimo.

6. Julgado procedente o pedido de aplicação de multa ao representado, fixada no mínimo legal. (Rp - Representação nº 060188834 - BRASÍLIA – DF. Acórdão de 03/02/2020 - Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto. Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 42, Data 03/03/2020).

 

Tem-se portanto, que a propaganda de evidente conteúdo eleitoral, como apresentado nas peças publicitárias indicadas na inicial, está sendo divulgada por meio (outdoor) vedado tanto no período eleitoral, quanto antes dele, pois trata-se de meio proscrito pela legislação eleitoral, na medida em que, diversamente das demais formas de propaganda eleitoral, os outdoors representam um alto custo para sua instalação, o que inviabiliza a sua utilização pelas demais campanhas com aporte financeiro mais limitado, configurando-se, já pela sua natureza, um meio de propaganda que dificulta ou inviabiliza o princípio igualitário dos candidatos nas campanhas eleitorais.

 

Desta forma, tendo em vista o potencial alcance desta espécie de publicidade do candidato que figura na propaganda eleitoral irregular, bem como considerando a vedação do seu uso como propaganda eleitoral, seja antes – na versão de propaganda eleitoral antecipada proibida - ou durante o pleito, entendo que o pedido de retirada da propaganda em questão é medida que se impõe.

 

DECISÃO.

 

Por tais razões, CONCEDO A MEDIDA para:

 

(A) determinar a notificação, por via eletrônica, do Partido Liberal, por seus diretórios nacional, estadual e municipal para que promovam a remoção das peças publicitárias impugnadas no prazo máximo de 48 horas, sob pena de desobediência, forte no art. 241 do Código Eleitoral, certificando-se nos autos a decorrência do prazo;

 

(B) determinar a notificação dos proprietários das áreas onde instalados os outdoors, via mandado de intimação a ser cumprido pelo Oficial de Justiça, inclusive em regime de plantão e em final de semana, se necessário, igualmente certificando-se a decorrência do prazo, para que no prazo máximo de 48horas, sob pena de desobediência, forte no art. 241 do Código Eleitoral, promovam a remoção das peças publicitárias impugnadas;

 

Para fins de cumprimento do mandado, o oficial de justiça deverá buscar informações no local onde se encontram os outdoors, sobre quem são os proprietários das áreas, orientando-se, para tanto, pelas informações prestadas pelo Ministério Público em sua promoção, de que as propagandas se encontram na BR 285, Km 190 (Em frente à Tenda da Carroça) e Km 194, s/n, ou seja, na área rural de Lagoa Vermelha, cerca de 02Km do Hotel Alto da Lagoa.

 

Havendo necessidade, a presente decisão serve como requisição da Brigada Militar para acompanhar o ato de intimação/remoção da propaganda.

 

Com a retirada da propaganda, remeta-se cópia dos presentes autos ao TRE, para que o Ministério Público Eleitoral com atuação naquele Tribunal avalie a pertinência da propositura da Representação que implique em imposição da multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei n.º 9.504/97.

 

Registro que, decorridos quaisquer dos prazos acima mencionados, sem o cumprimento da ordem judicial, a remoção será determinada compulsoriamente, mediante requisição do Poder Público.

 

Por fim, saliento que as decisões prolatadas no âmbito do poder de polícia, conferido aos juízes eleitorais, não têm caráter jurisdicional, mas eminentemente administrativo, de modo que não será a presente noticia de irregularidade tramitação como forma de representação, não havendo no procedimento previsão de prazo para defesa, de forma que as decisões judiciais proferidas no âmbito do exercício do poder de polícia somente podem ser judicialmente impugnadas por meio de mandado de segurança.

 

Intimem-se o requerente e o Ministério Público.

Cumpra-se.

Lagoa Vermelha, 18 de agosto de 2022.

Gerson Lira

Juiz Eleitoral

 

A peça publicitária em questão está assim materializada:

 

Como se percebe, na peça em questão há exaltação da figura do candidato e referência de que uma parcela da comunidade está apoiando o seu governo, em flagrante estímulo à opção de voto pela maior visibilidade ao concorrente.

A simples reprodução da imagem do candidato, tal como exposta, com os dizeres “#FECHADOSCOMBOLSONARO”, seria suficiente para a promoção de sua candidatura à reeleição.

Logo, o artefato se amolda ao conceito de propaganda eleitoral, entendida como "aquela que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública" (AgR-Respe n. 167-34/RN, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 10.4.2014, e Respe n. 41395, Acórdão, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. designado Min. Rosa Weber, DJE de 27.6.2019).

Como ponderei na apreciação do pedido liminar para manutenção do outdoor, sobrevindo o registro de candidatura e o período de propaganda eleitoral, torna-se incabível a análise da questão por meio dos critérios trazidos na legislação e na jurisprudência para a aferição da propaganda eleitoral antecipada.

Isso porque, ainda que o art. 36-A da Lei das Eleições permita, durante a pré-campanha, a divulgação de mensagens de apoio e agradecimento a prováveis concorrentes ao pleito, desde que não envolvam pedido explícito de voto, sua incidência se exaure com o advento das campanhas propriamente ditas.

Com o início do período eleitoral, por imposição do art. 39, § 8º, da Lei das Eleições, ingressamos em um momento de vedação total a outdoors que promovam candidaturas, seja implícito ou explícito o propósito eleitoral, in verbis:

Art. 39. (…).

§ 8º É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Nesse sentido, colaciono recente julgado deste Tribunal Regional:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL. LIMINAR INDEFERIDA. ARTEFATO PUBLICITÁRIO. OUTDOOR. DEFLAGRADO PERÍODO PERMITIDO DE PROPAGANDA ELEITORAL. VEDAÇÃO. CONCEDIDA A SEGURANÇA. 1. Mandado de segurança impetrado em face de decisão proferida pelo Juízo da Zona Eleitoral que, no exercício do poder de polícia, indeferiu pedido para remoção de artefato publicitário relativo à propaganda eleitoral. Liminar indeferida. 2. Viabilidade de impetração do presente mandado de segurança, uma vez que a decisão do juízo eleitoral fora proferida em exercício de poder de polícia, atividade administrativa, conforme assentado por esta Corte. 3. Deflagrado o período permitido de propaganda eleitoral em 16.08.2022, não remanesce dúvida quanto à vedação do meio outdoor para veiculação de imagem de candidato à Presidência, fixados em rodovias de intenso trânsito. Concessão da segurança.

(TRE-RS – MS n. 0600423-48.2022.6.21.0000; Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Julgamento: 29.08.2022.) (Grifei.)

Assim, diante da deflagração do período permitido de propaganda eleitoral, tornou-se inviável reconhecer o direito líquido e certo à manutenção do outdoor em questão durante o período de campanha eleitoral.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela denegação da segurança.