REl - 0600487-23.2020.6.21.0099 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/09/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e atende aos demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

No mérito, as contas foram aprovadas com ressalvas em virtude da aplicação de recursos próprios, no total de R$ 22.000,00, na campanha dos candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito e do uso de valores sem comprovação de origem.

De início, cabe salientar que o teto de gastos, definido pelo TSE, para o pleito de 2020 na municipalidade foi de R$ 123.077,42, tendo como limite para a aplicação de recursos próprios na campanha 10% deste total, ou seja, R$ 12.307,75, no que os candidatos extrapolaram em R$ 9.692,25.

A sentença concluiu que o limite de R$ 12.307,75 para autofinanciamento não foi observado pelos recorrentes, verbis:

No presente caso, verifica-se que, de fato, os prestadores descumpriram o art. 27, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, ao efetuar gastos com recursos próprios acima do limite estabelecido.

O limite de gastos estipulado é para a chapa e não para cada candidato (Prefeito e Vice), tendo em vista que uma norma de caráter restritivo não pode ser interpretada de modo ampliativo.

Neste caso, os candidatos gastaram R$ 22.000,00 de seus recursos próprios.

Em termos percentuais, o valor extrapolado de R$ 9.692,26 (nove mil e seiscentos e noventa e dois reais e vinte e seis centavos), embora represente 78% (setenta e oito por cento) do limite de 10% de autofinanciamento, quando comparado ao limite global de gastos para a eleição majoritária, que é de R$ 123.077,42, representa apenas 7,8% (sete vírgula oito por cento) desse montante, estando significativamente abaixo do limite de gastos total nas Eleições Municipais de 2020 para o município de Trindade do Sul.

 

Como se vê, o magistrado a quo considerou que o limite de aplicação de recursos próprios, previsto § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, deve ser considerado de forma conjunta, a partir da soma das quantias doadas pelos candidatos a prefeito e vice-prefeito para a campanha.

Transcrevo o dispositivo que fundamenta a decisão recorrida:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

 

Irresignados, os candidatos postulam que o limite de aplicação de recursos próprios seja considerado isoladamente, ou seja, à razão de R$ 12.307,75 para o candidato a prefeito e também de R$ 12.307,75 para o candidato a vice-prefeito, raciocínio que culminaria com um patamar máximo de autofinanciamento de R$ 24.615,50.

No parecer ofertado ao recurso, a Procuradoria Regional Eleitoral entende que a sentença está correta, consignando o quanto segue:

Nas eleições de 2020, de qualquer modo, já não havia dúvida de que, para verificação da observância do limite de gastos para o autofinanciamento na candidatura majoritária, devem ser computados conjuntamente os recursos próprios doados pelo candidato titular e pelo vice, como se verifica dos dispositivos originários da Resolução TSE nº 23.607/2019. Veja-se:

- A prestação de contas do titular da chapa abrange a do seu vice, o qual somente pode prestar contas sozinho na inércia do titular (artigos 45, § 3º e 77, caput e parágrafo único, da Resolução TSE nº 23.607/2019). Nesse sentido, no extrato da prestação de contas, os recursos próprios do candidato e do vice estão somados na mesma rubrica.

- O candidato a vice não é obrigado a abrir conta bancária, mas, se o fizer, os extratos deverão compor a prestação de contas do titular (art. 8º, § 3º, da Resolução TSE nº 23.607/2019).

- No tocante aos recibos eleitorais, a arrecadação realizada pelo candidato a vice utiliza os recibos eleitorais do titular (art. 7º, § 8º, da Resolução TSE nº 23.607/2019).

- O candidato a vice não pode constituir fundo de caixa (art. 39, parágrafo único, da Resolução TSE nº 23.607/2019).

- Para aferição dos limites de gastos para contratação de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua são consideradas as contratações realizadas pelo titular e pelo vice (art. 41, § 5º, da Resolução TSE nº 23.607/2019).

 

Ressalte-se que, para aferição do limite global de gastos da candidatura majoritária, não se discute que são somadas as receitas do titular e do vice, tanto que este utiliza os recibos do titular. E assim é, pois, como é cediço, a chapa majoritária é una e indivisível (art. 18, § 1º, da Resolução TSE nº 23.609/2019).

Nesse sentido, não é estabelecido limite para candidatura de vice, mas apenas de, no que interessa ao caso, Prefeito. Daí que todos os valores arrecadados são somados para verificação da observância do limite global.

 

Com efeito, não há limites individualizados em razão do princípio da unicidade ou indivisibilidade da chapa majoritária, previsto no art. 91 do Código Eleitoral, § 1º do art. 3º da Lei n. 9.504/97 e arts. 77, § 1º, e 28 da Constituição Federal, o qual restringe candidaturas isoladas aos cargos concebidos para ter natureza dúplice.

A lição doutrinária bem explica que o cargo de vice não pode ser considerado isolado do cargo de prefeito, o que corrobora a conclusão pelo acerto da sentença hostilizada ao somar os recursos aplicados na campanha para fins de limite de autofinanciamento:

Em regra, o Vice tem recebido – doutrinária e jurisprudencialmente – tratamento similar ao do Chefe do Poder Executivo respectivo, porquanto é sua atribuição básica e fundamental o exercício das atribuições do titular quando configurada a situação de ausência – seja eventual ou definitiva. Corrobora tal assertiva, aliás, a adoção do princípio da unicidade de chapa, pelo qual o registro dos candidatos ao Executivo “far-se-á sempre em chapa única e indivisível” (art. 91 do CE). No entanto, não se pode olvidar uma elementar distinção: ao contrário do titular do mandato, o Vice não possui inato poder de mando – já que somente exerce as atribuições de governo constitucional e legalmente previstas quando em efetivo exercício no cargo do titular.

Com a edição da EC nº 16/97 (que instituiu a reeleição para os cargos do Poder Executivo) e em face da similitude de tratamento entre o titular ao cargo de Chefe do Poder Executivo e seu respectivo Vice, resta superado o entendimento sumular do enunciado nº 8 do TSE, que dispunha que o Vice-Prefeito é inelegível para o mesmo cargo. Consoante NERI DA SILVEIRA (p. 63), “o TSE adotou jurisprudência no sentido da íntima convicção entre os titulares do Poder Executivo e o respectivo Vice”. Com efeito, é princípio basilar do Direito Eleitoral que o candidato a Vice possui uma relação de dependência com o pretendente ao cargo máximo do Executivo respectivo. Esta regra é excepcionada em situações específicas e pontuais. Assim, v.g., a declaração de inelegibilidade do candidato ao cargo de Chefe do Poder Executivo, se fundada em motivo de cunho pessoal, não atinge a do respectivo Vice (art. 18 da LC nº 64/90). A correta compreensão da relação do Chefe do Poder Executivo e seu Vice pode ser assim delineada: existe relação de dependência no que pertine a submissão a vontade popular, já que o voto é exarado sempre na chapa; inexiste a relação de dependência quando a declaração de inelegibilidade é calcada em motivos pessoais (não, contudo, quando a inelegibilidade decorre de ato de abuso de poder, apurado em regular processo eleitoral, havendo a contaminação da respectiva chapa). (Zilio, Rodrigo López; Direito Eleitoral. Porto Alegre: Verbo Jurídico. 3.ed, p. 241).

 

Por conta da máxima da indivisibilidade da chapa, a Resolução TSE n. 23.607/19, ao dispor sobre a arrecadação, os gastos e a prestação de contas nas eleições, prevê que o candidato ao cargo de vice deve observar as limitações estabelecidas para o titular em diversas hipóteses: a) no caso de arrecadação realizada pelo vice ou pelo suplente, devem ser utilizados os recibos eleitorais do titular (§ 8º do art. 7º); b) os candidatos a vice e suplente não são obrigados a abrir conta bancária (§ 3º do art. 8º); c) o candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa (parágrafo único do art. 39); d) para a aferição dos limites de gastos com atividades de militância, serão consideradas e somadas as contratações realizadas pelo titular e as realizadas pelo vice ou suplente (art. 41, § 5º); e) a prestação de contas do titular abrangerá o vice ou o suplente (art. 45, § 3º); f) a decisão que julgar as contas abrangerá o vice ou o suplente (art. 77).

Por esses fundamentos, comungo do entendimento de que o § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta o art. 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97, não estabeleceu um limite de autofinanciamento individualizado para os cargos de prefeito e vice.

Segue acórdão a ilustrar o entendimento aqui adotado:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. RECURSOS PRÓPRIOS APLICADOS NA CAMPANHA EM VALOR ACIMA DOS 10% DO LIMITE DE GASTOS FIXADO PARA A CANDIDATURA. VALOR EXPRESSIVO. FALHA GRAVE QUE COMPROMETE A REGULARIDADE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. IRRESIGNAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ZONAL. DESPROVIMENTO.

1. A extrapolação do limite de gastos realizados com recursos próprios, previsto no art. 27, § 1º, da Res. TSE nº 23.607/2019, quando se tratar de montante relevante, é falha de natureza grave que conduz à desaprovação das contas, fazendo incidir a multa prevista no § 4º do referido dispositivo legal.

2. Desprovimento do recurso.

(TRE-PB, RE n 060026075, ACÓRDÃO, Relator ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO, DJE 05/05/2021.)

 

Sobre a soma dos recursos próprios aplicados por candidatos titular e vice, para fins de aferição do limite de autofinanciamento de campanha, reproduzo o seguinte excerto da decisão supra:

Como se sabe, a campanha e inclusive o julgamento das contas do prefeito é realizado de forma conjunta com a do vice-prefeito (art. 77 da RES. TSE 23.607/2019). O teto de gastos definidos para a campanha eleitoral de chapa majoritária é definido considerando as duas candidaturas e sob esse olhar deve ser interpretado seu parágrafo primeiro, quando aponta que o limite para arrecadação de receitas a título de recursos próprios deve se limitar a 10% do teto de gastos, o que não foi observado no caso dos autos considerando a campanha da chapa majoritária.

Trata-se de inconsistência grave quando se verifica que as receitas obtidas além do limite acima foram revertidas em sua totalidade na campanha dos prestadores, a qual findou sem sobras financeiras.

 

De fato, tratando-se de chapa à eleição majoritária, portanto una e indivisível, não há como considerá-la isoladamente, devendo a análise do limite de autofinanciamento ser considerada em conjunto.

A título de desfecho, friso a ausência de irresignação quanto ao dever de recolhimento ao erário de R$ 300,00 tidos como de origem não identificada.

Destarte, impõe-se o desprovimento do recurso e a confirmação da sentença que aprovou as contas com ressalvas, observando-se que a irregularidade, no valor de R$ 9.692,25, oriunda de excesso de autofinanciamento, acrescida de R$ 300,00, a título de RONI, representa 20,02% do total de receitas declaradas.

A multa definida na origem, no percentual de 50% sobre a quantia excedente, R$ 4.846,12, encontra previsão no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e, ausente manifestação em sentido contrário, deve ser mantida com o devido recolhimento ao Fundo Partidário, nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a aprovação das contas com ressalvas, o dever de recolhimento da multa de R$ 4.846,12 ao Fundo Partidário, bem como o recolhimento de R$ 300,00 ao Tesouro Nacional.

 

É como voto, senhor Presidente.