REl - 0600385-49.2024.6.21.0070 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/07/2025 00:00 a 25/07/2025 23:59

VOTO

Claudiomiro Della Vechia, irresignado, recorre contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha referentes a sua candidatura nas Eleições Municipais de 2024, determinando o recolhimento de R$ 706,43 ao Tesouro Nacional.

Ponderou a sentença que os valores foram utilizados irregularmente para aquisição de combustível, pois ausente o correspondente registro na contabilidade de campanha de locações, de cessões de veículos, de publicidade com carro de som ou de despesa com geradores de energia, em desacordo com o art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19. Ainda, consignou que não poderiam ser adimplidas com recursos públicos as despesas com abastecimento de automóveis destinados ao deslocamento do próprio candidato, art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O recorrente, por sua vez, embargou a decisão, apresentando o contrato de comodato e o correspondente certificado de registro e licenciamento de veículo (CRLV) referente ao exercício de 2020, do carro Fiat/Pálio, Placas IJV0B29. Pediu também a aprovação das contas com ressalvas referindo que o valor da falha era inferior a R$ 1.000,00.

Sobreveio decisão de rejeição dos embargos declaratórios, sob o fundamento de que os documentos são intempestivos, de que o CRLV desatualizado, de exercício diverso do referente à Eleição de 2024, não comprova a propriedade do automóvel cedido, e que o bem não foi declarado nas contas como doação estimável em dinheiro.

Pois bem.

Inicialmente, e ao contrário do que se defende na sustentação oral, sublinho que foram conhecidos pela sentença e decisão de embargos de declaração todos os documentos juntados aos autos: as notas fiscais identificando o veículo cedido, o contrato de cessão de uso temporário, o demonstrativo de despesas com combustíveis semanal e o respectivo CRLV do exercício de 2020 (ID 45902653, 45902654, 45902692, 45902631).

Ainda que a juntada tenha se dado de forma intempestiva, em sede de embargos de declaração, os documentos foram considerados, conforme concluiu o juízo a quo: "É pacífico que o TRE-RS aceita a juntada de novos documentos em grau de recurso que venham a suprir eventual omissão e permitam o esclarecimento acerca da aplicação dos recursos de campanha. Os documentos juntados, contudo, não são capazes de suprir a falha porquanto não restou demonstrada, de forma inequívoca, que a signatária do contrato é a real proprietária do veículo. O certificado de registro e licenciamento do veículo é defasado, e para o fim de estabelecer a legitimidade da contratação novas diligências seriam necessárias. Neste ponto, não há que se falar em dilação probatória".

A decisão é acertada.

A comprovação da propriedade do bem cedido é exigência expressa do art. 58, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19. A inobservância dessa regra, nos termos do entendimento deste Tribunal, importa em falha grave na comprovação da destinação dos recursos e em restituição de valores ao Tesouro Nacional:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO NÃO ELEITO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. GASTOS COM COMBUSTÍVEIS QUITADOS COM VERBA PRIVADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DÍVIDA DE CAMPANHA SEM QUITAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTES VEDADAS. PESSOAS JURÍDICAS. PERMISSIONÁRIO DE SERVIÇO PÚBLICO. GASTOS IRREGULARES COM VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. PUBLICIDADE POR MATERIAIS IMPRESSOS. DIVERGÊNCIA ENTRE O FORNECEDOR E O BENEFICIÁRIO DA QUITAÇÃO. DECLARADA DESPESA COM COMBUSTÍVEL. AUSENTE DEMONSTRAÇÃO DA PROPRIEDADE DO BEM. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM ELEVADO PERCENTUAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

(...)

5. Gastos irregulares de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC.

 

(...)

5.2. Declarada despesa com combustível, porém sem apresentação de documentação comprobatória da propriedade do bem cedido, exigência do art. 58 da Resolução TSE n. 23.607/19. Não havendo demonstração da propriedade do bem, a despesa não alcança comprovação e afronta a legislação de regência, devendo ser recolhida ao Tesouro Nacional.

6. O total das irregularidades representa 21,47% dos recursos declarados pelo prestador, circunstância que impede seja exarado juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

7. Desaprovação. Determinado o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, PCE n. 0603188-89.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Volnei dos Santos Coelho, DJE, 20/08/2024)

 

A propósito, o Tribunal Superior Eleitoral possui diretriz jurisprudencial de que “(…) a apresentação de CRLV desatualizado é o mesmo que falta de apresentação (...)” (AgR-RespEl n. 0601091-03.2022.6.18.0000, Relatora Ministra Isabel Gallotti, DJE, 17.10.2024).

Portanto, acertada a conclusão do juízo de primeiro grau de que o CRLV de ano diverso, de 2020, e o contrato de comodato, juntados a destempo, “não são capazes de suprir a falha porquanto não restou demonstrada, de forma inequívoca, que a signatária do contrato é a real proprietária do veículo”.

Há de se observar que dispêndios com combustível de veículo automotor usado pelo candidato recorrente na campanha não são considerados gastos eleitorais e não podem ser pagos com recursos públicos provenientes do FEFC, consoante dispõe o art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A esse respeito, o posicionamento consolidado deste Tribunal é no sentido de que essas despesas têm natureza pessoal e não podem ser custeadas com verbas públicas:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA. CARGO DE DEPUTADA ESTADUAL. IRREGULARIDADE NA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. INCONSISTÊNCIA EM GASTOS COM COMBUSTÍVEL. DESCUMPRIDA NORMA DE REGÊNCIA. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidata ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

2. Identificada inconsistência em gastos com combustíveis. Despesas em desacordo com as exigências constantes do art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, as quais não podem ser consideradas como eleitorais, devendo ser tratadas como gastos de natureza pessoal, que, via de consequência, não poderiam ter sido suportadas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Configurada a utilização irregular de recursos públicos, impondo o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

3. A irregularidade representa apenas 0,52% do montante arrecadado pela candidata, além de ser inferior ao valor de R$ 1.064,10, viabilizando a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para que a contabilidade seja aprovada com ressalvas, em conformidade com a jurisprudência pacífica desta Corte.

4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, PCE n. 0603658-23.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, DJE, 12/04/2024).

 

Conforme a jurisprudência: “Havendo uso pessoal de veículo por candidato durante a campanha, as despesas referentes ao respectivo combustível utilizado não são consideradas como gastos eleitorais, a teor do que dispõe o art. 35, § 6º, a, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em comento não exige que o veículo pertença ao próprio candidato, mas sim que o automóvel seja utilizado para seu próprio deslocamento.” (TRE-MT, PCE n. 0601140-39.2022.6.11.0000, Relator Desembargador Eleitoral Eustáquio Inácio de Noronha Neto, DJE, 06.7.2023) (Grifei.)

Não há nos autos a contratação de qualquer prestador de serviço para a campanha, nem mesmo a doação do serviço estimável em dinheiro (ID 45902660, itens 2.1, 2.34, 2.35, 2.42, 2.43, p. 2-3).

Consequentemente, o candidato utilizou o bem em comodato para o seu próprio deslocamento durante o período eleitoral, e o gasto, portanto, se reveste de caráter pessoal e não pode ser pago com recursos públicos, como consignado na sentença, nos termos do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, não constam no feito os recibos eleitorais emitidos pela arrecadação de recursos estimáveis em dinheiro decorrentes da cessão do automóvel, nem o seu registro na prestação de contas, como determina o art. 7º, inc. I, § 10, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ao contrário, nenhuma cessão ou locação de veículos restou anotada nesta contabilidade, como se visualiza no extrato da prestação de contas, no item 2.33, no ID 45902660, p. 2.

Por conseguinte, correto o raciocínio da sentença de que se encontra ausente a comprovação da utilização regular de verbas públicas do FEFC no montante de R$ 706,43, devendo ser mantida a determinação de recolhimento desse valor ao Tesouro Nacional, conforme art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A falha, por sua vez, importa em R$ 706,43 e representa o percentual de 35,32% do total de recursos arrecadados (R$ 2.000,00).

O valor se encontra dentro dos parâmetros de aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que o montante da irregularidade é inferior ao valor nominal de R$ 1.064,10.

De acordo com a jurisprudência: “Em prestação de contas cuja irregularidade envolver valores reduzidos, inferiores a R$ 1.064,10 ou a 10% da arrecadação, é admitida a aprovação com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (TRE-RS, REl n. 0600724-60.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, DJE, 13.02.2025).

Com essas considerações, divirjo parcialmente do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, pois o recurso merece parcial provimento unicamente para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, mantida a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 74, inc. II, 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para aprovar as contas com ressalvas, mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 706,43, por uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).