REl - 0601203-75.2024.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/08/2025 às 16:00

VOTO

Cuida-se de recurso em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) apresentado pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Tramandaí/RS, contra sentença prolatada pelo Juízo da 110ª Zona Eleitoral de Tramandaí/RS, a qual julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta em face de LUIS MACHADO DA SILVA, candidato eleito ao cargo de vereador nas Eleições Municipais de 2024.

O recorrente alega que o recorrido cometeu abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio ao divulgar, em vídeo e redes sociais, a entrega de bens públicos adquiridos por emenda impositiva, com finalidade de promoção pessoal e vantagem eleitoral em período pré-eleitoral.

Pois bem.

Consta da sentença:

 

Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral apresentada pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA de Tramandaí em desfavor de LUIZ MACHADO DA SILVA e da COLIGAÇÃO UM NOVO TEMPO PARA TRAMANDAÍ por abuso de Poder Econômico. 

Os investigantes aduzem, em tese, a entrega de bens adquiridos com recursos de emendas parlamentares por candidato ao cargo de vereador no pleito de 2024. 

Devidamente intimados, os representados apresentaram manifestação. 

Inexistindo testemunha à oitiva e diligências a serem realizadas, foi encerrada a fase de dilação probatória. 

As partes e o Ministério Público Eleitoral apresentaram alegações finais. 

Sucintamente relatados, passo a decidir. 

A partir do material de vídeo carreado aos autos, verifica-se a apresentação de bens públicos adquiridos com verba pública advinda do Poder Legislativo, sem nenhuma publicidade explícita ligada aos mesmos. 

Isto posto, acolho o parecer lançado pelo Ministério Público Eleitoral e tomo como razões de decidir para JULGAR IMPROCEDENTE a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE.  (grifo nosso)

 

Sem razão, o recorrente.

Da minuciosa análise do acervo probatório, constato que, de fato, não há elementos sólidos e robustos aptos a embasar a procedência da ação de investigação judicial eleitoral, sendo irretocável a sentença proferida pelo juízo de singular instância.

Com efeito, para que se configure o abuso de poder econômico é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de recursos com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.

No caso concreto, conforme bem pontuou o Juízo de primeiro grau, o acervo probatório — a foto de ID 45883749 e, mormente,  o vídeo de ID 45883750 — demonstra a simples apresentação de bens públicos adquiridos com recursos de emenda parlamentar, sem que se identifique qualquer publicidade explícita, personalização exacerbada ou pedido de votos.

O ato de divulgar, nas redes sociais, a destinação de recursos públicos obtidos no exercício da função parlamentar não se traduz, por si só, em conduta ilícita, podendo demonstrar, ao contrário, ato de transparência, publicidade e prestação de contas à coletividade, em conformidade com os princípios que regem a administração pública.

O Tribunal Superior Eleitoral, inclusive, possui jurisprudência pacífica no sentido de que a configuração do abuso de poder exige a demonstração de um ato que, além de ilícito, possua efetiva gravidade, com repercussão capaz de influenciar o equilíbrio do pleito, o que não se revelou demonstrado no caso.

Nesse sentido, o seguinte precedente deste Tribunal:

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO CUMULADA COM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. IMPROCEDENTE. MATÉRIA PRELIMINAR . JULGAMENTO CONJUNTO DE PROCESSOS. PEDIDO DESACOLHIDO. CAUSAS DE PEDIR DISTINTAS. NULIDADE DA JUNTADA DE MEMORIAIS . PEDIDO EM CONTRARRAZÕES NÃO CONHECIDO. MÉRITO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO CUMULADA COM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO . MATÉRIA FÁTICO–PROBATÓRIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CAPITULAÇÃO LEGAL APONTADA E DA ASSOCIAÇÃO DOS DEMAIS INDÍCIOS RELATIVOS À ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TRANSPORTE OFERECIDO A DUAS PESSOAS DURANTE O PERÍODO ELEITORAL . AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MERCANCIA DO VOTO E DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO. SENTENÇA MANTIDA. DESPROVIMENTO. 1 . Insurgência contra sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, em face de dois dos recorridos, e improcedente a representação por captação ilícita de sufrágio, cumulada com ação de investigação judicial eleitoral por abuso de poder econômico, em desfavor de candidato eleito suplente ao cargo de vereador nas eleições municipais de 2020, sob o fundamento de que o conjunto probatório trazido pelo autor e aquele produzido durante a instrução processual não foram suficientes para comprovar os ilícitos eleitorais apontados na inicial. 2. Matéria Preliminar. 2 .1. Julgamento conjunto de processos. Postulado o apensamento dos recursos eleitorais. Alegação de que os fatos contidos nos processos constituem desdobramento um do outro e não podem ser considerados em um contexto isolado . O presente recurso tem por objeto a captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41–A da Lei n. 9.504/97, cumulada com investigação de abuso de poder econômico . Por seu turno, o outro trata de captação e gastos ilícitos de recursos, prevista no art. 30–A da Lei n. 9.504/97 . Portanto, os referidos processos possuem causas de pedir distintas. Desacolhido o pedido. 2.2 . Nulidade da juntada de memoriais a destempo pelo Ministério Público Eleitoral. Não conhecimento. Na linha de precedente desta Corte, o “conhecimento das preliminares trazidas em contrarrazões deve ficar condicionado ao provimento do recurso principal, o que seria hábil a fazer surgir o interesse em recorrer, sob pena de admitir, mesmo em tese, a possibilidade de reforma da sentença em prejuízo da única parte que recorreu” (Recurso Eleitoral n. 060000135, Acórdão, Relatora Des . VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 2, Data: 10.01.2023). 3 . Mérito. Captação ilícita de sufrágio – art. 41–A, da Lei n. 9 .504/97 cumulada com ação de investigação judicial eleitoral – AIJE, por abuso de poder econômico. Para a captação ilícita de sufrágio é necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, em qualquer das condutas previstas no art. 41–A da Lei Eleitoral ocorridas entre a data do registro de candidatura e as eleições, bem como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor. Por sua vez, para o abuso de poder econômico é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de valores, com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral . 4. Moldura fático–probatória. No caso, o acervo probatório não demonstrou que eventuais atividades ilícitas desenvolvidas pelo candidato ou seus familiares estivessem relacionadas com a campanha eleitoral. As interceptações telefônicas autorizadas não trouxeram elementos relevantes no que toca à campanha eleitoral, tampouco as teses sustentadas pela acusação foram confirmadas em juízo . A prova efetivamente produzida nos autos referente à conduta de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico, tendo por fundamento fático o alcance de transporte a duas pessoas durante o período eleitoral, a violar o previsto no art. 41–A da Lei n. 9.504/97 e nos arts . 19 e 22 da Lei Complementar n. 64/90, não foi suficiente para demonstrar a capitulação legal apontada e nem a associação dos demais indícios relativos à organização criminosa para reconhecer a ilegitimidade do mandato obtido pelo recorrido. 5. Oferecimento e transporte (sob a forma de “caronas”) de eleitores do município, com o objetivo de captar seus votos e de familiares . Ausência de comprovação da mercancia do voto. As afirmações efetuadas pelas testemunhas em seus depoimentos, embora comprovem o fato das caronas, não lograram êxito em relacionar sua ocorrência com a campanha eleitoral ou a tentativa de captação de sufrágio. Da mesma forma, o abuso de poder econômico não ficou demonstrado. Constatada a fragilidade do acervo probatório carreado aos autos para comprovar a gravidade e a relevância jurídica dos fatos para atrair a incidência das gravosas sanções previstas no art . 41–A da Lei n. 9.504/97. 6 . Ausência de elementos comprobatórios mínimos para caracterização do alegado abuso de poder econômico. Não se depreende da prova dos autos que o recorrido tivesse atuado com abuso do poder econômico em sua campanha ao patrocinar os referidos transportes, ou mesmo fornecer soma em dinheiro para lanche, de forma a obter a simpatia dos eleitores (ou, no caso, da família desses, visto que um dos transportados sequer era eleitor) para articular votos para si, a caracterizar o emprego desproporcional de recursos patrimoniais privados, com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa. 7. Provimento negado. (TRE-RS - REl: 0600781-82.2020.6.21 .0032 PALMEIRA DAS MISSÕES - RS 060078182, Relator.: Voltaire De Lima Moraes, Data de Julgamento: 05/12/2023, Data de Publicação: DJE-223, data 07/12/2023)  (Grifo nosso)

 

Nesse contexto, porquanto a análise dos elementos constantes dos autos não permite concluir que a divulgação tenha alcançado repercussão suficiente para influenciar, de forma concreta, a lisura do processo eleitoral, não resulta caracterizado o requisito da gravidade exigido pela legislação e pela jurisprudência, não estando configurado, na hipótese, o alegado abuso de poder econômico.

Quanto à configuração da captação ilícita de sufrágio, ilícito eleitoral previsto nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, o fato é que esse somente se caracteriza caso seja demonstrado que um candidato, entre o registro da candidatura e o dia da eleição, tenha doado, oferecido, prometido ou entregue um bem ou vantagem pessoal ao eleitor para obter o seu voto. 

Corroborando esse posicionamento, trago à baila o seguinte julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. PAGAMENTO EM TROCA DE VOTOS. TRANSPORTE DE ELEITORES. BOCA DE URNA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. MULTA. (...) MÉRITO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. CONFIGURAÇÃO. OFERTA DE TRABALHO REMUNERADO E TRANSPORTE GRATUITO DE ELEITORES NO DIA DA ELEIÇÃO EM TROCA DE VOTO. ANUÊNCIA DO CANDIDATO. COMPROVAÇÃO. 6. No mérito, nos termos do art. 41–A da Lei 9.504/97, "constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter–lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive". 7. Conforme jurisprudência desta Corte Superior, para se configurar a captação ilícita de sufrágio, é necessária a presença dos seguintes elementos: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; e (d) a participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito. (…) (RO n. 060186731, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 230, Data: 14.12.2021.) (Grifei.)

 

Dessa forma, para a configuração do ilícito previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 - captação ilícita de sufrágio -, é imprescindível a demonstração do dolo específico do candidato em obter o voto do eleitor mediante doação, oferecimento, promessa ou entrega de bem ou vantagem pessoal. 

No presente caso, contudo, não houve entrega de bens ou vantagens de natureza pessoal ou individualizada aos eleitores. Trata-se de bens públicos — quatro mesas de inox destinadas a uma escola pública — cuja destinação é coletiva, permanente e, conforme o acervo probatório trazido aos autos, desvinculada de qualquer promessa pessoal ou eleitoral.

Igualmente, não se extrai dos autos qualquer elemento que indique a existência de dolo específico do recorrido em condicionar ou oferecer tais bens em troca de voto.

O que se observa é unicamente a concretização da destinação de bens adquiridos por meio de emendas parlamentares, obtidas durante o exercício do requerido na Câmara de Vereadores. A divulgação do ato não revela uma tentativa explícita de captação ilícita de sufrágio, mas sim a demonstração do uso dos recursos públicos viabilizados por sua atuação parlamentar.

Na mesma linha, ainda, foi o parecer ministerial, tanto em primeiro grau (ID 4588373) quanto nesta instância, no qual se sustenta a inexistência de elementos capazes de configurar os ilícitos eleitorais apontados.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.