REl - 0600295-36.2024.6.21.0104 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/08/2025 às 16:00

VOTO

1. Tempestividade.

Eminentes colegas, o recurso fora interposto tempestivamente. Forçoso adentrar, ademais, a preliminar de ausência de litisconsorte necessário suscitava pelo recorrido MOACIR. 

2. Preliminar em contrarrazões.

Trata-se, em síntese, de recurso eleitoral interposto pelo autor, CARLOS ALBERTO BONACINA (candidato que logrou eleição ao cargo de prefeito em Pouso Novo) contra sentença que julgou improcedente a representação eleitoral por conduta vedada ajuizada em face de MOACIR LUIS SEVERGNINI, então prefeito à época dos fatos, e que não logrou reeleição.

A petição inicial requereu conforme segue, no item IV (Dos Pedidos), alínea "c":

(...)

c) Ao final, diante da incidência na vedação do condito no artigo 73, §10 da Lei Federal nº 9.504/1997, a aplicação da penalidade contida no §5º do mesmo dispositivo, com a devida cassação de registro ou diploma de MOACIR LUIS SEVERGNINI e chapa majoritária.

(Grifei.)

Houve a prolação de sentença (de improcedência), no mérito versante sobre a configuração de prática de conduta vedada, mediante a distribuição de 38 (trinta e oito) próteses dentárias ao longo do ano de 2024, situação que infringiria, conforme o representante/recorrente, a legislação de regência, sobremodo o art. 73, §10, da Lei n. 9.504/97.

Após o recurso, foram oferecidas contrarrazões que aduzem a preliminar de "irregularidade na representação", uma vez "que o recorrente ingressou com a presente representação em face do candidato a Prefeito devendo, nos termos da sumula 38 do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, necessariamente, ter proposto a mesma em face da chapa a majoritária Prefeito e Vice-Prefeito". 

Adianto, sem razão.

O caso não se submete à aplicação da Súmula n. 38, como recentemente decidiu o e. Tribunal Superior Eleitoral, pois não foram aplicadas, na origem, sanções de cassação de diploma ou de mandato, as únicas hipóteses em que o sancionamento ocorre de forma conjunta, em relação à chapa formada para a campanha majoritária.

Nos demais casos, não há a necessidade de formação de litisconsórcio necessário, pois apenas sanções de caráter personalíssimo - vale dizer, declaração de inelegibilidade e/ou multa:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS INTERNOS. AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS. AIJE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. AÇÃO AJUIZADA EM DESFAVOR DE CANDIDATO A PREFEITO NÃO ELEITO. NÃO INCLUSÃO DA CANDIDATA A VICE-PREFEITA NO POLO PASSIVO. PENALIDADE APLICADA PELO TRE. INELEGIBILIDADE. CARÁTER PERSONALÍSSIMO DA SANÇÃO. NÃO IMPUTAÇÃO DE CONDUTAS ILÍCITAS À CANDIDATA A VICE-PREFEITA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. PRESCINDIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AOS AGRAVOS INTERNOS.

1. A decisão agravada negou seguimento aos agravos em recursos especiais, uma vez que a conclusão do TRE está alinhada ao entendimento desta Corte de que não há nulidade por ausência de citação do vice para figurar no polo passivo, na condição de Litisconsorte, em AIJE que tenha sido julgada procedente apenas para aplicar sanções de caráter personalíssimo ao titular da chapa majoritária, sem a imposição da pena de cassação do registro ou diploma, notadamente no caso em que nenhuma conduta ilícita tenha sido imputada ao vice.

2. A pretensão de se reconhecer que havia imputação de prática ilícita à candidata a vice-prefeita não encontra respaldo na moldura fática do acórdão regional. Incidência do Enunciado nº 24 da Súmula do TSE.

3. Não merece reforma a decisão agravada, no sentido de que, estando o acórdão regional em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior, incide o óbice do Enunciado Sumular nº 30 do TSE, o qual é fundamento apto a afastar ambas as hipóteses de cabimento do recurso especial, por afronta a lei e por dissídio jurisprudencial.

4. Negado provimento aos agravos internos.

(Agravo em Recurso Especial Eleitoral 060037663/PI, Relator Min. Raul Araújo Filho, julgado em 13.06.2023, publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 132, de 27.06.2023 - g.n.)

 

E este Tribunal assim já se manifestou em processo de Relatoria da Exma. Desembargadora Caroline Agostini Veiga, julgado em 19.5.2025 e publicado no DJE/TRE-RS de 22.5.2025:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSOS. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. MÉRITO. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. USO DE LINHA TELEFÔNICA FUNCIONAL PARA FINS ELEITORAIS. ENVIO DE MENSAGENS VIA WHATSAPP. MULTA. RECURSOS DESPROVIDOS.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recursos interpostos por candidato a prefeito e por coligação contra sentença que julgou parcialmente procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), aplicando multa ao primeiro em razão do uso de linha telefônica funcional, cedida pela Câmara Municipal ao seu gabinete de vereador, para o envio de mensagens com conteúdo eleitoral por meio do aplicativo WhatsApp.

1.2. O recorrente reconheceu o uso do número funcional, justificando tratar-se de erro administrativo de sua assessoria, que teria solicitado equivocadamente a transferência da linha para seu CPF pessoal. Alega ausência de prova de uso efetivo de recursos públicos e afirma que a conduta não gerou ônus ao erário.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Definir se a utilização de linha funcional vinculada a órgão público, ainda que operada por meio de equipamento pessoal e sem uso de recursos materiais do ente público, configura conduta vedada prevista no art. 73 da Lei n. 9.504/97.

2.2. Estabelecer se a sanção de multa aplicada é suficiente diante da gravidade da conduta ou se são cabíveis penas mais severas, como inelegibilidade e cassação de diploma.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. Afastada preliminar de formação de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos a prefeito e a vice-prefeita. Nas ações ajuizadas contra candidatos não eleitos em que se discutem sanções de caráter personalíssimo, como ocorre nos casos de multa e de declaração da inelegibilidade, não há exigência de formação de litisconsórcio entre o candidato a vice e o titular da chapa, pois a condenação pessoal não atinge a esfera jurídica do candidato a vice-prefeito.

3.2. Mérito. A legislação eleitoral veda o uso de bens públicos, independentemente de dolo, má-fé ou prejuízo ao erário, bastando a comprovação do uso do recurso público em favor da campanha eleitoral.

3.3. A utilização de número de telefone funcional, cedido por órgão público, mesmo sem o uso efetivo de recursos materiais (aparelho, internet pública), mas vinculado à conta de WhatsApp usada para propaganda eleitoral, configura conduta vedada suficiente para amparar o juízo condenatório.

3.4. Embora não se tenha comprovado o uso de internet ou aparelho telefônico da Câmara Municipal, restou incontroverso ao menos o uso indevido do número funcional para envio de mensagens eleitorais via WhatsApp, no período vedado, o que é suficiente para atrair a previsão contida no art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

3.5. O fato de o alcance das mensagens ter sido restrito a contatos pessoais, apoiadores e simpatizantes, não descaracteriza a infração, pois manifesta a quebra da isonomia entre os candidatos, devido à posição de vantagem na disputa em que se colocou o recorrente ao utilizar de uma facilidade promovida pelo Legislativo Municipal.

3.6. Para a aplicação de sanções mais gravosas, como cassação de diploma e inelegibilidade, exige-se análise do potencial lesivo da conduta ao equilíbrio do pleito. Não há, nos autos, informação precisa ou detalhada sobre o número exato de mensagens enviadas pelo número funcional, não havendo suporte probatório a justificar a alteração da sanção.

3.7. Extinção da UFIR. Conversão, de ofício, do montante da condenação, na forma do art. 20, inc. II, da Resolução TSE n. 23.735/24.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Afastada a matéria preliminar. Recursos desprovidos. Multa convertida.

Teses de julgamento: “1. O uso de número telefônico funcional vinculado a órgão público, para o envio de mensagens com conteúdo eleitoral, configura conduta vedada nos termos do art. 73 da Lei n. 9.504/7. 2. A sanção por conduta vedada deve observar os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, sendo necessária a comprovação da gravidade para aplicação de penas mais severas como cassação de diploma ou inelegibilidade. 3. Na análise de fatos que caracterizam conduta vedada, são irrelevantes as alegações de erro, ausência de má-fé ou de dolo, e de inexistência de prova de prejuízo ao erário ou de desequilíbrio do pleito.”

Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 73, incs. I e II, §§ 4º e 8º; Resolução TSE n. 23.735/24, art. 20, inc. II.

Jurisprudência relevante citada: TRE-RS, REspe n. 0603729-25.2022.6.21.0000, Rel. Des. Luis Alberto Dazevedo Aurvalle, DJE n. 73, 27.4.2023; TSE, Rp n. 2959-86/DF, Rel. Min. Henrique Neves, j. 21.10.2010.

 

Afasto, portanto, a prefacial, com o destaque que no presente voto, em caso de condenação, somente poderão ser aplicadas sanções a MOACIR LUÍS SEVERGINI.

3. Mérito.

O recorrente CARLOS ALBERTO aduz ter havido a prática de conduta vedada de parte de MOACIR LUÍS – e, por isso, ajuizara a presente representação eleitoral. A sentença entendeu não ocorrida prática desobediente à legislação de regência pelo então candidato à reeleição à Prefeitura de Pouso Novo. Vale salientar que MOACIR LUÍS não se reelegeu, fora derrotado por CARLOS ALBERTO.

Os fatos, em suma, dizem respeito à distribuição de 38 (trinta e oito) próteses dentárias, em alegada utilização eleitoreira de R$ 13.406,00, pois o programa da prefeitura não teria recebido execução orçamentária no ano de 2023, condicionante legal para que se entenda permitida a conduta, nos termos do art. 73, § 10, da Lei das Eleições:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Grifei.)

A legislação de regência concernente às condutas vedadas visa a tutelar o bem jurídico da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004).

Dessa forma, a constatação da prática de conduta vedada exige apenas a consunção do fato na legislação que o tipifica, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral – dito de outro modo, a escolha do legislador foi a de entender determinadas práticas como tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos.

Com tais premissas, passo à análise da prova dos autos.

A tese do recorrente se dá no sentido de que houve o início de um novo programa de saúde bucal no ano eleitoral, com execução orçamentária dentro do período eleitoral “(pagamento das próteses em 26 de agosto de 2024, 10 dias após a autorização de propaganda eleitoral), atingindo diretamente 38 pessoas”.

Há, nas razões recursais, aguerrimento para desvincular a entrega das citadas 38 próteses do Programa “Brasil Sorridente” (já existente no ano de 2023) – para isso, elaborou-se diferenciação relativamente à remuneração da odontóloga Juliana Bianchini, cujo trabalho se relacionaria somente à “saúde bucal” em “ações de estratégia de família, e não ao Brasil Sorridente, de forma que o salário não seria pago com dotações orçamentárias do citado programa. Ademais, discorreu-se sobre a prova testemunhal – testemunhas Juliana Bianchini, Darlei Carminatti, Ernani Grassi, com análise das referidas contratações e posicionamento pela valorização das datas dos empenhos dos serviços.

Adianto, sem razão. Entendo, na linha do posicionamento externado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, que a sentença não merece reparos.

O recorrente se apega, em resumo, às datas de entrega de algumas próteses – de fato, ocorridas no período eleitoral, desprezando elementos comprovados nos autos – o caminho de elaboração de tais artefatos, de relativa complexidade. Colho do parecer do Ministério Público Eleitoral atuante na origem o esclarecedor resumo da prova colhida ao longo da instrução, que bem elucida o processo de manufatura protética, ID 45763477:

 

A prova documental comprova que o Programa Brasil Sorridente foi criado em 2023, seguindo-se da realização de licitações para contratação dos profissionais, que iniciaram os trabalhos no ano de 2023. Conforme tabela enviada pelo Município de Pouso Novo, os trabalhos se iniciaram em 2023 e prosseguiram ao longo de 2024.

As testemunhas ouvidas em audiência relataram todas as etapas necessárias para a "colocação das próteses", sendo que foi publicada lei, foram realizados processos licitatórios (odontóloga e protético) no ano de 2023, sendo iniciados os trabalhos da odontóloga e do protético somente no final do ano de 2023.

A odontóloga e o protético esclareceram o motivo pelo qual as próteses demoram para ser entregues. Segundo relataram, o processo para a confecção e colocação de próteses dentárias não é simples.

Primeiro é feita uma análise da situação da saúde bucal. Após, sanados eventuais problemas, é feito um molde pela odontóloga, que o remete para o protético fazer um "modelo". Esse modelo é remetido pelo protético para a odontóloga, que "prova a prótese no paciente". Nem sempre é necessária uma só prova, de maneira que as "idas e vindas da prótese" podem demorar meses.

Soma-se a isso o fato da odontóloga não ter experiência nas primeiras próteses e a falta de entrosamento dos profissionais (protético e odontóloga) que nunca tinha trabalhado juntos. Ainda, em meio ao processo, ocorreram as enchentes que dificultaram os envios, já que o protético não trabalha em Pouso Novo. Ademais, a fim de diminuir os custos, as remessas ocorriam periodicamente, quando se acumulavam mais próteses para diminuir o custo do envio. Finalmente, a odontóloga não trabalha somente na confecção de próteses, mas sim no atendimento da toda a população.

Desta forma, verifica-se que não houve retardo nas entregas de próteses dentárias referentes a programa, o qual seguiu suas etapas adequadamente.

Destaca-se que a odontóloga e o protético negaram qualquer interferência do Representado no processo técnico de confecção, adaptação e entrega das próteses. Por derradeiro, o protético esclareceu que somente recebe o pagamento após a entrega definitiva da prótese, razão pela qual, seu interesse é sempre entregar as próteses no menor tempo possível.

 

Ora, mostra-se nítida a proporcionalidade no prazo de entrega das próteses – procedimento aliás que deve ser otimizado economicamente quando realizado pelo poder público – ou seja, em “lote” (não é razoável que as remessas, manufaturas e entregas fossem feitas sempre de maneira individualizada, em nítida oneração de custos).

Tais circunstâncias reforçam o que a documentação presente aos autos já estampa: que o programa de entrega de próteses é sim conexo ao Programa “Brasil Sorridente”, o qual teve seu início de curso ainda no ano de 2023, de modo a fazer incidir a regra de exceção constante no citado art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97. Cito novamente o Parquet, desta feita o parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral atuante perante este Tribunal, que bem elucida a questão da prova documental e analisa as circunstâncias sob o prisma contextual de continuidade de prestação de ações assistenciais à população,  pois há evidências probatórias de atendimento odontológico, ainda no ano de 2023, dos pacientes que posteriormente receberam as próteses, ID 45938573:

 

A argumentação central do recorrente - de que não houve execução orçamentária do programa em 2023 - não encontra amparo na prova dos autos.

Como bem fundamentou a sentença, há evidências de que, em 2023, a odontóloga contratada pelo município atendeu os pacientes no interesse do programa de próteses (e não de mera prevenção da saúde bucal, como alega o recorrente) e providenciou-as. Ou seja, o programa teve início efetivamente e gerou custos para o município ainda no ano de 2023. A alegação de que a dentista era paga com outros recursos, além de não ter ficado bem provada pelo autor da representação, ampara-se numa interpretação excessivamente formal e estrita de execução orçamentária, incompatível com o tamanho do município (menos de 2 mil habitantes) e que não condiz com a finalidade da exceção legal, destinada a garantir a continuidade de políticas públicas legítimas, especialmente as de caráter assistencial, voltadas à população - como no caso em tela -, sem interrupções que possam prejudicar os beneficiários em razão do calendário eleitoral e, por outro lado, sem favorecer o candidato administrador público. (Grifei.)

 

Ademais, realizo aqui a devida distinção do presente caso com o precedente deste Tribunal, trazido pelo recorrente em suas razões – a representação n. 1005 oriunda de Viadutos/RS. Naquele caso, cuidava-se da entrega de prótese dentária à eleitora em troca de voto expressamente requerido, ou seja, fato em tese subsumível ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97, captação ilícita de sufrágio. No presente processo, sequer há relato de que tenha ocorrido do “(...) candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza”.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.