REl - 0600203-41.2024.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/08/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento. 

No mérito, trata-se de recurso interposto por MARIA BEATRIZ SILVEIRA DE SOUZA, candidata eleita ao cargo de vereadora no Município de Bagé/RS, contra a sentença que aprovou com ressalvas suas contas referentes às Eleições Municipais de 2024, e determinou o recolhimento de R$ 600,00 ao Tesouro Nacional, em razão de irregularidades relativas à ausência de comprovação de gastos com pessoal com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.  

Na sentença, o juízo de origem entendeu não ter sido devidamente justificada a remuneração adotada para as despesas de pessoal em relação aos fornecedores Abner Junior Silva dos Santos e Paola Pinto Recalde, haja vista a diferença de R$ 120,00 em relação ao avençado com os demais fornecedores (Gabriel Garcia Quevedo, Bruno Gonçalves Pereira, Maurício Leal Machado, Patrícia Vaz dos Santos, Juliane  Soares Andrade, Mirian Oliveira Quevedo e Tiago Ferreira Messa), determinado “o recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º da Res. TSE n. 23.607/19, da diferença de remuneração verificada, totalizando o importe de R$ 600,00” ( ID 45918675). 

In casu, verifica-se que Abner Junior Silva dos Santos (ID 45918617) e Paola Pinto Recalde (ID 45918620) foram contratados pela candidata no período de 16.9.2024 a 05.10.2024, para exercer as atividades descritas na cláusula primeira dos respectivos contratos, com o seguinte teor: “O presente contrato tem por objetivo a realização de serviços de apoio a Candidatura a Vereador sendo entrega de propagandas, participação em eventos, comícios, caminhadas, panfletagem, visitas, acompanhando ao Candidato ou não.” 

Idênticas atividades também foram previstas nos contratos celebrados com Gabriel Garcia Quevedo (05.9.2024 a 05.10.2024) - ID 45918619; Bruno Gonçalves Pereira (05.9.2024 a 05.10.2024) - ID 45918618; Maurício Leal Machado (28.8.2024 a 05.10.2024) - ID 45918616; Patrícia Vaz dos Santos (02.9.2024 a 05.10.2024) - ID 45918615; Juliane Soares Andrade (05.9.2024 a 05.10.2024) - ID 45918614; Mirian Oliveira Quevedo (30.8.2024 a 05.10.2024) - ID 45918613; e Tiago Ferreira Messa (28.8.2024 a 05.10.2024) - ID 45918612.   

Quanto à remuneração de Abner e Paola, a previsão se deu na cláusula quarta: “O valor ajustado entre ambas as partes é de R$ 420,00 (quatrocentos e vinte reais), sendo R$ 370,00 (trezentos e setenta reais), pelo serviço prestado e R$ 50,00 (cinquenta reais), para auxílio transporte, por semana trabalhada.” 

Já os demais cabos eleitorais foram contratados mediante as seguintes condições: “O valor ajustado entre ambas as partes é de R$ 300,00 (trezentos reais), sendo R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), pelo serviço prestado e R$ 50,00 (cinquenta reais), para auxílio transporte, por semana trabalhada.” 

A recorrente alega que as pequenas variações entre alguns contratos decorrem tanto da celebração em momentos distintos quanto do fato de certos contratados terem assumido responsabilidades e atribuições mais complexas. 

Entretanto, não se sustenta o argumento de atribuições e responsabilidades distintas, diante da identidade das atividades previstas nos contratos. 

Da mesma forma, as diferentes datas de início não explicam as disparidades remuneratórias, já que todos os contratos estipulam quantia certa por semana, mas atribuem valores distintos à mesma função para o mesmo período: R$ 420,00 a Abner e Paola e R$ 300,00 aos outros contratados. 

Logo, para o mesmo período semanal e pela mesma função, Abner e Paola pactuaram um valor 40% superior aos demais fornecedores contratados para atividades de militância, sem comprovação documental idônea que embase o preço maior pago pela candidata, tais como aditamentos contratuais, folhas de ponto ou relatórios de atividades realizadas, dentre outras. 

Cabe ressaltar que a hipótese dos autos versa sobre a aplicação de recursos do FEFC, os quais, por ostentarem caráter público, devem ter a sua utilização fundada, dentre outros, nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, os quais são postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público. 

A partir de tal premissa, firmou-se na jurisprudência “a compreensão de que a observância do princípio da economicidade na aplicação de recursos públicos pode ser objeto de controle em processo de prestação de contas, assim como se assentou que é possível considerar irregular a despesa que tenha caráter antieconômico” (TSE - REspEl: n. 060116394/MS, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 29.9.2020, Data de Publicação: 27.10.2020). 

Assim, em razão da natureza pública da verba do FEFC, o escrutínio contábil, nesse ponto, exige redobrada atenção, a fim de permitir o controle da contratação e dos dispêndios com mão-de-obra. Nesse sentido, colho os seguintes julgados: 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CARGO DE DEPUTADA FEDERAL. 3ª SUPLENTE. IMPROPRIEDADES. ABERTURA EXTEMPORÂNEA DE CONTA BANCÁRIA. NÃO APRESENTADOS OS EXTRATOS DAS CONTAS BANCÁRIAS. OMISSÃO DE GASTOS. NOTA FISCAL NÃO CANCELADA. ATUALIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TSE NÃO APLICÁVEL À HIPÓTESE. NÃO COMPROVADOS GASTOS REALIZADOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMBUSTÍVEIS. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO. FACEBOOK. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO. DESPESAS COM PESSOAL. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 

(...). 

4. Ausência de documentação apta a comprovar gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). 

4.4. Inobservância do § 12 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, referente às despesas com pessoal. Apresentados contratos firmados com os prestadores de serviço que revelam inconsistências que não podem ser superadas. Determinada a devolução do somatório irregular ao Tesouro Nacional (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19). 

(...). 

6. Desaprovação. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. 

(TRE/RS; PCE n. 060237477, Relatora: Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, DJE de 16.12.2022) (Grifei.)

  

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE DETALHAMENTO DE DESPESAS COM CONTRATAÇÃO DE PESSOAL DE APOIO À CAMPANHA COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). GASTO COM SERVIÇOS DE MILITÂNCIA. CONFIGURADA FALHA DE NATUREZA GRAVE. NÃO DEMONSTRADA A ORIGEM DE RECURSOS APLICADOS NA CAMPANHA. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO PARA O TESOURO NACIONAL. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. PROVIMENTO NEGADO. 

(...). 

2. Não demonstrada a aplicação correta de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). O contrato para comprovar o gasto com serviços de militância não está de acordo com o disposto no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige o detalhamento da contratação, com a identificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado. Consignado apenas erro de digitação quanto ao local da prestação de serviços, sem esclarecimento ou justificativa da ausência dos demais elementos. Configurada falha de natureza grave, especialmente por ser relativa a recursos públicos do FEFC. Mantida a determinação de devolução para o Tesouro Nacional. 

(...). 

(TRE-RS; Recurso Eleitoral nº 060018505, Acórdão, Relator: Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, Publicação 20/10/2021) (Grifei.)

 

Destarte, no caso sob exame, restou configurada a irregularidade na diferença de valores contratados para a mesma função e período semanal, sem qualquer justificativa comprovada nos autos, em desatendimento ao art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19.  

Assim, deve ser mantida a sentença em sua íntegra, com manutenção da determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia reconhecida como irregular. 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.