AI - 0600167-03.2025.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/08/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a controvérsia cinge-se à legalidade do bloqueio de valores efetuado por meio do sistema SISBAJUD no montante de R$ 4.927,07, em cumprimento à decisão que impôs à agravante o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional nos autos do processo que julgou desaprovadas suas contas eleitorais referentes ao pleito de 2024.

A decisão agravada está fundamentada nos seguintes termos (ID 45586958):

Vistos. Trata-se de impugnação ao cumprimento de sentença apresentado pela executada ANA PAULA SILVA DA SILVA alegando a impenhorabilidade dos bens bloqueados e requerendo o desbloqueio imediato (ID 127247063); e de agravo de instrumento interposto contra a decisão a liminar que deferiu em parte o desbloqueio por impenhorabilidade (ID 127264985). Juntou documentos.

Preliminarmente, cabe esclarecer que o agravo de instrumento não é recurso cabível contra as decisões interlocutórias, conforme expressamente previsto no artigo 19 da Resolução TSE nº 23.478/2016, e de acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Esclareça-se que tal vedação não impede a reanálise dos casos, pois é possível entrar com recurso contra as sentenças que forem proferidas em primeira instância.

A impossibilidade de revisão imediata da decisão não compromete o direito em discussão, já que o Direito Eleitoral é regido pelo princípio da celeridade.

As exceções ficam restritas às decisões que negam seguimento aos recursos especial e extraordinário e nos processos de execução fiscal decorrente da aplicação de multas eleitorais, em que o agravo de instrumento deve ser admitido, por expressa previsão nos artigos 279 e 282 do Código Eleitoral.

De outra parte, o ajuizamento do agravo de instrumento deve ser feito na seara do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul, de modo que não há procedimento a ser feito por esse juízo quanto a petição aqui juntada, nos termos do que dispõe expressamente o artigo 1.016 do Código de Processo Civil.

Com relação á impugnação apresentada, o pedido liminar foi parcialmente deferido e o valor de R$ 44,46 (quarenta e quatro reais e quarenta e seis centavos) contido em conta do Banco do Estado do Rio Grande do Sul fora desbloqueado; o restante da quantia indisponibilizada permanece bloqueada.

O Ministério Público Eleitoral manifestou-se nos termos da decisão liminar no sentido de liberar apenas R$ 44,46 (quarenta e quatro reais e quarenta e seis centavos) diante da sua comprovada impenhorabilidade.

Como não foram juntados novos documentos nos autos, é de se manter a indisponibilidade dos valores que persistem indisponibilizados, diante da ausência de comprovação da impenhorabilidade valores, nos termos do inciso I, do §3º, do artigo 854, do Código de Processo Civil.

Ademais, não há de ser deferido o pedido de parcelamento do débito, porquanto não houve manifestação da prestadora de contas quando intimada para recolher a quantia devida ou requerer o parcelamento antes mesmo de iniciada a fase de cumprimento de sentença, nos termos do artigo 17, da Resolução 23.709/2022. Veja-se que o artigo 12, da Resolução TRE-RS 370/2021, expressamente coloca como requisito para o deferimento do parcelamento ter sido requerido no prazo para pagamento voluntário. Nessa linha, aguarde-se o término da ferramenta de repetição programada ou o bloqueio integral do débito para conversão do valor em penhora.

Ante ao exposto, de acordo com o artigo 19 da Resolução TSE nº 23.478/2016, INDEFIRO o pedido contido na petição nomeada de agravo de instrumento; e nos termos do inciso I, do §3º, do artigo 854 Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a impugnação apresentada por ANA PAULA SILVA DA SILVA mantendo-se desbloqueado R$ 44,46 (quarenta e quatro reais e quarenta e seis centavos), da conta do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, permanecendo indisponível o restante do valor bloqueado: R$ 2.566,01 (dois mil quinhentos e sessenta e seis reais e um centavos); e, conforme o artigo 12, da Resolução TRE-RS 370/2021, INDEFIRO o pedido de parcelamento formulado pela executada.

 

Os extratos bancários juntados com o recurso confirmam que a agravante é pensionista do INSS e inscrita no programa assistencial do governo federal, cujos valores são recebidos em contas bancárias na Caixa Econômica Federal e no Banrisul, respectivamente, sendo posteriormente transferidos para outra conta junto ao PicPay, havendo uma correspondência entre os débitos das primeiras contas e os créditos da conta digital (IDs 460000155 a 460000165), comprovando-se, assim, a vinculação entre as verbas alimentares e o saldo constrito.

A perícia realizada pela Previdência Social atesta sua incapacidade total e permanente para o trabalho (ID 46000157), reforçando sua condição de vulnerabilidade e dependência desses valores para sua subsistência.

Comprovada, portanto, a natureza alimentar da verba bloqueada, nos termos do art. 833, inc. IV, do Código de Processo Civil.

Além disso, incide, no caso em apreço, o disposto no art. 833, inc. X, do CPC, que prescreve a impenhorabilidade da “quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos”.

Novamente, os extratos bancários acostados evidenciam a ausência de créditos ou rendas que permitiriam à recorrente uma reserva financeira de maior vulto.

Conforme se constata da consulta ao Sisbajud, após buscas reiteradas por 30 dias em todas as contas bancárias sob a titularidade de devedora (ID 46000156), alcançou-se a quantia de R$ 4.927,07; compatível com um fluxo financeiro voltado à subsistência mensal imediata da família, do que se depreende a inexistência de acumulação financeira relevante pela executada.

A jurisprudência consolidada do STJ e deste Tribunal estende essa proteção a contas correntes e demais modalidades bancárias, desde que não haja indícios de fraude, abuso de direito ou ocultamento de valores. Nessa linha, destaco recente julgado deste Tribunal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA DE VERBAS DESTINADAS AO SUSTENTO DO DEVEDOR. VALORES ATÉ 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE. DEMONSTRADO QUE OS VALORES SÃO ESSENCIAIS À SUBSISTÊNCIA DO EXECUTADO E DE SUA FAMÍLIA. TUTELA DE URGÊNCIA CONFIRMADA. DETERMINADO O DESBLOQUEIO DA QUANTIA OBJETO DA CONSTRIÇÃO. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que indeferiu pedido de desbloqueio de ativos financeiros requerido pelo agravante, mantendo o bloqueio da quantia, realizado via SISBAJUD, entendendo não comprovada a impenhorabilidade do valor.

2. O art. 833, incs. IV e X, do CPC veda sejam penhoradas as verbas destinadas ao sustento do devedor e de sua família, bem como os valores até 40 salários mínimos. Demonstrado que os valores mantidos em conta bancária são oriundos do recebimento de proventos relativos à sua atividade como servidor público municipal. Esta Corte, no que toca à constrição de valores destinados ao sustento do inadimplente e sua família (inc. IV do art. 833), tem entendimento firmado no sentido da impenhorabilidade.

3. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, acompanhado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de que a impenhorabilidade do art. 833, inc. X, do CPC abrange os valores de até quarenta salários mínimos poupados, sejam eles mantidos em papel-moeda, em conta-corrente, fundo de investimentos ou qualquer outra modalidade de aplicação financeira, e não exclusivamente em caderneta de poupança. Confirmada a atribuição de efeito suspensivo ao apelo, na esteira dos precedentes desta Casa, de maneira a prevenir prejuízos ao sustento mensal do devedor e sua família. Preenchidos os requisitos para a confirmação da tutela de urgência e atendido, no que tange à impenhorabilidade, o disposto no art. 833 do CPC, de sorte que o desbloqueio das verbas é impositivo.

4. Provimento.

(TRE-RS; AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 060042751, Acórdão, Desa. Eleitoral Fernanda Ajnhorn, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 02/04/2024) (Grifei.)

 

Ante a natureza absoluta de tal impenhorabilidade, o Superior Tribunal de Justiça já proclamou que “são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, tendo em vista que, além de as matérias de ordem pública serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida” (AgInt no AREsp n. 1.961.696/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27.3.2023, DJe de 31.3.2023).

Além disso, a exigência de que o devedor comprove não possuir outras fontes ou aplicações financeiras resulta em um encargo probatório de difícil ou impossível realização, mormente ante a ausência de quaisquer indícios que infirmem as alegações do agravante.

Com a mesma perspectiva, o STJ tem entendido que “a previsão de impenhorabilidade das aplicações financeiras do devedor até o limite de 40 salários mínimos é presumida, cabendo ao credor demonstrar eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias de cada hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário” (STJ - AgInt no AREsp: n. 2258716/PR, Relator: Ministro Gurgel de Faria, Data de Julgamento: 15.5.2023, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe de 19.5.2023).

Na espécie, a parte agravada não apresentou comprovações mínimas de que o devedor estaria ocultando patrimônio ou teria outras acumulações de capital dentro ou fora do sistema bancário.

Ressalta-se, ainda, que, ante a natureza absoluta de tal impenhorabilidade, o STJ já proclamou que “são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, tendo em vista que, além de as matérias de ordem pública serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida” (AgInt no AREsp n. 1.961.696/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27.3.2023, DJe de 31.3.2023).

Com essa mesma compreensão, colaciono julgado deste Tribunal:

AGRAVO INTERNO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. ELEIÇÕES 2018. BLOQUEIO DE VALORES. INDEFERIMENTO. IMPENHORABILIDADE. QUANTIA INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. CONTA CORRENTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. ANÁLISE DE OFÍCIO. DESPROVIMENTO.1. Agravo interno interposto, com fundamento no art. 1.021 do Código de Processo Civil, c/c o art. 115, § 2º, do Regimento Interno deste Regional, em face de decisão monocrática que indeferiu requerimento de bloqueio de valores, localizados em contas bancárias de titularidade do executado, com respaldo na interpretação extensiva conferida pelo Superior Tribunal de Justiça ao art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil, considerando impenhoráveis valores inferiores a 40(quarenta) salários-mínimos, não apenas depositados em caderneta de poupança, mas, também, mantidos em conta-corrente e fundos de investimento e guardados em papel-moeda. 2. De acordo com a interpretação literal do art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil, somente as reservas financeiras depositadas em caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos são impenhoráveis, escolha legislativa fundada no interesse governamental de custear as operações de financiamento habitacional.3. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, atento à injustificável diferenciação do tratamento conferido à caderneta de poupança dentro da sistemática processual das impenhorabilidades, já no ano de 2014, em decisão paradigmática proferida pela sua 2ª Seção, decidiu que as quantias até o patamar de 40 (quarenta) salários mínimos são impenhoráveis, ainda que se encontrem depositadas em fundos de investimento e conta corrente ou guardadas em papel-moeda, desde que constituam a única reserva monetária disponível em nome do devedor, enquanto pessoa física, ressalvada eventual comprovação de abuso, má-fé ou fraude.4. Desse modo, nada obstante a possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça rediscutir essa temática, resta inviável acolher a pretensão de que seja expedida ordem de indisponibilidade e penhora parcial dos bens do executado, bloqueando-se valores depositados em contas correntes de sua titularidade, porquanto quantia inferior a 40 (quarenta) salários mínimos.5. A impenhorabilidade prevista no art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil se reveste de natureza absoluta, constituindo, assim, matéria de ordem pública que pode ser analisada de ofício pelo órgão julgador em qualquer fase do processo executivo, justamente para atender à diretriz fixada no art. 8º do mesmo diploma processual, de que as decisões judicias atendam às finalidades sociais do processo e às exigências do bem comum - previsão também contida no art. 5º da LINDB -,concretizando o acesso a uma ordem jurídica justa, que resguarde a dignidade da pessoa humana, e observe a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. O caráter alimentar dos valores até 40 (quarenta salários mínimos) é presumido, o que, por consequência, autoriza o órgão julgador a reconhecer, de ofício, a sua impenhorabilidade, independentemente da sua comprovação pelo executado, assim como a ordenar a sua liberação ou desbloqueio automático, dispensando-se a intimação da parte adversa (STJ, REsp n. 1880586/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, DJ de 28.8.2020). 6. Provimento negado.

(Prestação de Contas n. 060237164, Acórdão, Des. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, Julgamento: 10.12.2020; Publicação: PJE) (Grifei.)

 

Nessa linha, julgo que os elementos probatórios carreados aos autos são suficientes para que se conclua que as quantias bloqueadas representam pequeno saldo para cobertura de gastos não provisionados, bem como que o devedor não acumula outras reservas financeiras, estando ausentes indicativos de abuso, fraude ou má-fé.

Em observância ao disposto no art. 833, incs. IV e X, do CPC, impõe-se o provimento do agravo de instrumento, confirmando-se a antecipação de tutela recursal deferida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do agravo de instrumento, para confirmar a antecipação de tutela recursal deferida e determinar o desbloqueio integral dos valores constritos.