REl - 0600253-15.2024.6.21.0127 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/08/2025 às 16:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo.

Também, encontram-se presentes os demais requisitos ínsitos à tramitação processual.

De tal modo, conheço do recurso e passo ao exame  de seu mérito.

 

MÉRITO

Tal qual observa-se, o cerne da controvérsia reside em verificar se as condutas atribuídas aos recorridos configuram abuso de poder político e econômico, com gravidade suficiente para justificar a cassação dos mandatos e declaração de inelegibilidade.

Com efeito, a configuração do abuso de poder, seja ele político ou econômico, exige a produção de um conjunto probatório sólido e inconteste, capaz de demonstrar não apenas a ocorrência do ato, mas também a sua gravidade, ou seja, a sua aptidão para influenciar o resultado do pleito e comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, nos termos do que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

 

Dito isso, passo à análise do recurso interposto pela Coligação Unidos por Senador, destacando de forma nuclear os itens arrolados acerca das condutas acoimadas quanto aos recorridos Hugo Jonas Neske, Douglas Glauton Fitz e Mário Aldir Klein.

 

1. DA IMPLANTAÇÃO DO SERVIÇO DE VIDEOMONITORAMENTO

A recorrente sustenta que a instalação de câmeras de segurança e postes ocorreu às vésperas das eleições, por meio de processo de dispensa de licitação supostamente açodado, sem convênio com a Brigada Militar ou central de monitoramento efetiva, e que isso teria servido apenas como instrumento simbólico de propaganda institucional para enaltecer a atual gestão e seu candidato à sucessão.

Todavia, para que se demonstrasse a veracidade de tal arguição, a prova dos autos deveria confirmar, com o grau de certeza exigido para ações dessa natureza, a ocorrência de simulação de política pública com o exclusivo objetivo de influenciar o eleitorado, bem como a inexistência de qualquer respaldo legal ou técnico para a contratação do serviço.

Isso não foi detectado de forma convincente no processo.

Ao contrário. As testemunhas de acusação foram uníssonas no sentido de que as câmeras de videomonitoramento foram instaladas próximas ao pleito, mas não atribuíram caráter eleitoreiro à medida.

O depoente  Adair Lucas Zimermann disse ter havido a instalação, mas sem afirmar uso eleitoral direto; na mesma senda, Beno Martin confirmou a instalação próxima às eleições, mas sem saber se o sistema estava funcionando; e Evaldo Kalkmann declarou ter ouvido comentários positivos da população, mas não apontou qualquer vinculação com propaganda eleitoral.

Inclusive, como destacou Evaldo, o projeto teria sido inicialmente defendido pelo próprio candidato da coligação investigante, o que enfraquece o argumento de favorecimento indevido pela Administração Pública.

Por outro lado, ressaiu dos depoimentos das testemunhas de defesa que o projeto era uma política pública de segurança em desenvolvimento, cuja implementação seguiu os trâmites legais.

Destarte, o Controlador Interno do Município, sr. Odirlei Dutra, em seu depoimento, atestou a regularidade do processo de dispensa de licitação, que observou os limites da Lei n. 14.133/21, com a apresentação de três orçamentos e parecer jurídico favorável.

Ressaltou que não havia câmeras instaladas no momento da fiscalização e que nenhuma irregularidade foi constatada.

Já o depoente Márcio José Arenhardt, consultor da empresa contratada, esclareceu que as tratativas para a instalação do sistema iniciaram em fevereiro de 2024, muito antes do período crítico eleitoral, e que a demora na implementação decorreu de questões técnicas e burocráticas, como a necessidade de expansão da rede de fibra ótica e a espera por um convênio com a Brigada Militar; rechaçou qualquer antecipação irregular de instalação com fins eleitorais.

No ponto, saliento que a jurisprudência pátria corrobora o entendimento de que a continuidade de programas administrativos em ano eleitoral, por si só, não configura abuso de poder, especialmente quando não há provas de uso promocional em favor de candidaturas.

Conforme o Tribunal Superior Eleitoral, a caracterização do abuso de poder político requer a comprovação de que as obras foram utilizadas para influenciar o pleito eleitoral de forma desproporcional.

Em diversas decisões, o TSE tem reiterado que a mera execução de obras públicas, sem provas de desvio de finalidade ou promoção pessoal, não é suficiente para caracterizar abuso de poder político.

Em tal sentido, trago à colação o seguinte decisum:

 

AGRAVO. CONVERSÃO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. VICE–PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER POLÍTICO. ART. 22 DA LC 64/90. GRAVIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO.

[...]

2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o abuso de poder político se configura quando a legitimidade das eleições é comprometida por condutas de agentes públicos que, valendo–se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas mediante desvio de finalidade. 3. O reconhecimento do abuso de poder demanda, de modo cumulativo, a prática da conduta desabonadora e a “gravidade das circunstâncias que o caracterizam”, nos termos do art . 22, XVI, da LC 64/90, a ser aferida a partir de aspectos qualitativos e quantitativos do caso concreto. Precedentes. [...] 7. De acordo com a remansosa jurisprudência desta Corte, a caracterização de ilícito eleitoral exige prova robusta e inequívoca da conduta, não podendo se fundar a condenação em meras presunções acerca do encadeamento dos fatos e de sua repercussão. [...]

(TSE - REspEl: 06004194920206060048 NOVA RUSSAS - CE 060041949, Relator.: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 01/02/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 23)

 

Portanto, a ausência de provas robustas que demonstrem a intenção eleitoreira das obras é um fator determinante para afastar a configuração de abuso de poder político.

No caso em tela, não há qualquer elemento que demonstre que a instalação das câmeras foi utilizada em campanha ou que houve pedido de votos associado a essa ação.

A implementação de sistemas de segurança é uma demanda comum a diversos municípios e não pode ser considerada, por si só, uma manobra eleitoral.

Assim, afasto a alegação de abuso de poder.

 

2. DA ANISTIA DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA

A recorrente aponta a concessão de isenção de contribuição de melhoria como um benefício indevido a eleitores.

A sentença de primeiro grau foi precisa ao esclarecer que não houve anistia, pois sequer houve o lançamento do referido tributo.

A contribuição de melhoria pressupõe a valorização imobiliária decorrente de obra pública, o que não foi demonstrado nos autos. As leis municipais mencionadas, datadas de 2019 a 2021, autorizavam o Executivo a realizar obras de pavimentação e conceder isenção, atos que se inserem na discricionariedade administrativa e não configuram, por si sós, ilicitude.

A recorrente não logrou demonstrar que houve publicação, divulgação massiva ou instrumentalização política da anistia, tampouco que ela beneficiou eleitores em troca de apoio à chapa governista.

É importante lembrar que a renúncia de receita, para configurar abuso de poder político, deve ultrapassar o plano da irregularidade administrativa e assumir nítida feição eleitoreira, o que demanda prova da intencionalidade e do impacto no eleitorado – elementos ausentes no caso concreto.

A defesa, em suas contrarrazões, reforça que a recorrente não produziu qualquer prova, documental ou testemunhal, que conectasse as leis de isenção a uma prática de abuso de poder político.

Importa frisar que nenhuma testemunha de acusação foi inquirida sobre esse ponto, o que reforça o caráter frágil da alegação e a ausência de prova mínima para configurar qualquer irregularidade. 

Dessa forma, a acusação mostra-se frágil e desprovida de suporte probatório, não havendo como prosperar.

 

3. DO AUMENTO DOS GASTOS COM SAÚDE PÚBLICA

Alega-se que houve crescimento incomum de atendimentos e gastos com saúde pública – incluindo consultas, exames, fornecimento de óculos e cirurgias – justamente no período que antecedeu a eleição.

Esse tipo de conduta, ainda que inserido no campo de atuação da Administração Pública, pode configurar conduta vedada ou abuso de poder se comprovado o desvio de finalidade e o uso da estrutura pública para promover determinada candidatura.

Contudo, os elementos carreados aos autos não comprovam esse desvio com o rigor necessário.

Não houve demonstração de que tais serviços foram concentrados artificialmente no período pré-eleitoral com finalidade eleitoreira. Tampouco restou provado que os serviços tenham sido atrelados diretamente à imagem dos candidatos da situação.

As testemunhas de acusação se limitaram a observações genéricas e de “ouvir dizer”.

Adair Zimermann, por exemplo, reconheceu que não teve experiência própria com os serviços e apenas ouviu que “foi mais fácil” conseguir atendimento no último ano.

Beno Martin mencionou facilidade de acesso, mas também reconheceu que sua própria esposa foi atendida, evidenciando a impessoalidade da gestão pública.

O depoimento de Evaldo Kalkmann, ainda que tenha relatado ter conseguido renovar seus óculos em 2024, não permite concluir por qualquer favorecimento eleitoral, tampouco abuso de poder político, sendo antes reflexo de atendimento universal e contínuo das demandas reprimidas.

Noutro giro, conforme o depoimento da enfermeira Fabiana Cristina Stasiaki, a ampliação da demanda por serviços de saúde decorreu de uma conjunção de fatores:

• Demanda reprimida da pandemia de COVID-19: Muitos procedimentos eletivos foram suspensos, gerando uma fila que começou a ser atendida com mais intensidade em 2023 e 2024.

• Contratação de nova médica: A chegada de uma profissional do programa "Mais Médicos" no final de 2023, Dra. Patrícia, que adota o modelo de livre demanda, atendendo todos os pacientes que chegam ao posto, inclusive nos finais de semana, sem qualquer agendamento prévio, naturalmente provocou elevação nas estatísticas de atendimento e exames.

• Surto de Dengue: O município enfrentou cerca de 75 casos de dengue em 2024, exigindo a realização de exames diários e acompanhamento constante dos pacientes, conforme protocolos do Ministério da Saúde.

Ademais, a sentença já havia destacado que o orçamento federal da saúde teve um aumento significativo de 2023 para 2024, o que naturalmente se reflete nos municípios.

Não há provas de que os gastos excederam os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal ou de que os serviços foram prestados com qualquer tipo de discriminação ou viés eleitoral. Pelo contrário, testemunhas da própria acusação admitiram terem sido atendidas pelo sistema de saúde no período.

 

4. DO USO DO MAQUINÁRIO AGRÍCOLA E URBANO

Por fim, a recorrente alega o uso excessivo do maquinário público para fins eleitorais.

Efetivamente, a utilização de maquinário da prefeitura em propriedades particulares pode configurar abuso de poder político, especialmente em contextos eleitorais, mormente ante a expressa vedação contida no art. 73, I, da Lei n. 9.504/97, que proíbe “ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios...”

No entanto, o mero aumento nos gastos com combustível, sem a correspondente prova de sua aplicação em ações voltadas à promoção de candidaturas, não permite a ilação de que se tratava de uso eleitoreiro da estrutura estatal.

Os dados apresentados são genéricos e não identificam quais localidades foram atendidas, com que frequência e se houve critério discriminatório ou vinculação político-partidária.

As provas dos autos, incluindo os depoimentos das testemunhas de acusação, confirmam que o Município de Senador Salgado Filho possui uma extensa zona rural com estradas não pavimentadas, cuja manutenção é essencial para a economia local e a mobilidade da população.

Conforme destacado na sentença, inexistem relatos de irregularidades por parte de servidores ou eleitores beneficiados.

Por sua vez, o Chefe do Setor de Obras, Rogério Englert, esclareceu que o ano de 2024 foi marcado por eventos climáticos extremos - a enchente no mês de maio -  que danificaram severamente as estradas, tendo sido inclusive decretado Estado de Emergência (Decreto n° 42, de 14 de maio de 2024), o que justificaria o aumento da utilização das máquinas para recuperação das estradas vicinais danificadas.

Tal fato, negado de forma inverossímil por algumas testemunhas de acusação, justifica plenamente a intensificação dos trabalhos de recuperação das vias.

Além disso, a prefeitura adquiriu novas máquinas (uma motoniveladora e uma escavadeira hidráulica), o que naturalmente leva a um maior número de horas trabalhadas.

Outrossim, consoante destacado no parecer do Procurador Regional Eleitoral, "a documentação acostada pelos recorridos demonstra que, no exercício de 2023, o gasto com combustíveis foi de R$ 1.225.388,52, enquanto no ano de 2024 o valor gasto foi de R$ 1.103.901,95, evidenciando, na verdade, uma diminuição no consumo".

Ademais, quanto ao uso de máquinas em propriedades particulares, ficou demonstrado que os serviços eram prestados mediante protocolo, de forma impessoal, atendendo inclusive a familiares de adversários políticos dos recorridos, o que afasta a alegação de clientelismo.

 

DA GRAVIDADE DAS CONDUTAS

A análise conjunta das provas demonstra que as ações da administração municipal foram atos de gestão regular, sem o desvio de finalidade necessário para a caracterização do abuso de poder.

Não há nos autos qualquer prova da participação dos recorridos nos fatos narrados, nem demonstração da gravidade exigida pela legislação eleitoral.

Com efeito, para a configuração do ato abusivo no contexto eleitoral, não é considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas sim a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Isso significa que, para que um ato seja considerado abusivo, não é necessário demonstrar que ele teve a capacidade de mudar o resultado final do pleito. O foco está na gravidade do ato em si e nas circunstâncias que o cercam.

De tal modo, a avaliação da gravidade das circunstâncias envolve análise detalhada dos fatos e das evidências apresentadas, garantindo que a decisão seja baseada em dados concretos e não em suposições.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que a procedência de ações dessa natureza exige prova contundente da prática ilícita e do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado eleitoral:

 

AGRAVOS INTERNOS. RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. VICE–PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CONDUTAS VEDADAS. ART. 73 DA LEI 9.504/97. ABUSO DE PODER POLÍTICO. ART. 22 DA LC 64/90.

[...]

3. Este Tribunal reconhece que "[o] abuso de poder político configura–se quando a normalidade e a legitimidade do pleito são comprometidas por atos de agentes públicos que, valendo–se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas em manifesto desvio de finalidade" (RO–El 0603975–98/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE 10/12/2021). 4. Nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, "para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam". 5. No caso, denota–se da moldura fática do aresto regional que as condutas impugnadas – sejam isoladamente ou em seu somatório – não ostentam a imprescindível gravidade para fins de perda de diploma e inelegibilidade. 6. Embora quatro servidoras detentoras de cargo em comissão tenham publicado conteúdo de natureza eleitoreira em seus perfis pessoais na rede social facebook, a Corte a quo assentou que "não há provas nos autos de que as servidoras estivessem atuando sob o comando dos candidatos”. [...]

(TSE - REspEl: 060089607 OSASCO - SP, Relator.: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 20/04/2023, Data de Publicação: 28/04/2023)

 

Mesmo que se admitisse a existência de alguma irregularidade pontual, o que não é o caso, as condutas analisadas, seja individualmente ou em conjunto, não possuem a gravidade necessária para justificar a cassação dos mandatos dos eleitos e a declaração de inelegibilidade do ex-prefeito.

No caso em tela, a recorrente não logrou êxito em demonstrar que as ações da Administração Municipal tiveram o condão de afetar a isonomia entre os candidatos e de influenciar a livre manifestação da vontade do eleitor.

Deve-se prestigiar a soberania popular, manifestada nas urnas, em detrimento de acusações genéricas e não comprovadas.

O princípio do in dubio pro suffragio impõe que a cassação de mandatos, medida de extrema gravidade, somente ocorra diante de provas robustas e incontestes de abuso, o que não se verifica no presente caso.

Nestes autos, a Coligação recorrente não se desincumbiu do ônus de provar suas alegações.

Analisando cada uma das condutas imputadas, verifica-se que as provas são frágeis e insuficientes para caracterizar o abuso de poder, assim, não merecendo provimento o recurso.

Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Eleitoral, para manter na íntegra a sentença de improcedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral exarada pelo Juízo da 127ª Zona Eleitoral de Giruá/RS.