AJDesCargEle - 0600029-41.2022.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 06/09/2022 às 14:00

Divergência

Des. eleitoral caetano cuervo lo pumo

Inicialmente, registro que estou de pleno acordo com o voto do eminente Relator em relação à rejeição da matéria preliminar.

No mérito, ouso divergir do respeitável entendimento exposto, porquanto entendo que as razões trazidas na petição inicial estão comprovadas e dão guarida à pretensão de desfiliação partidária sem perda do mandato.

Não ignoro casos semelhantes julgados por este Tribunal, a exemplo da AJDesCargEle n. 0600127-26.2022.6.21.0000, da sessão de 05.09.2022, em que a douta maioria acolheu o mesmo posicionamento ora lançado pelo Relator.

Contudo, mantenho meu entendimento sobre a melhor solução ao caso concreto, considerando, ainda, o disposto no art. 940, § 3º, do CPC, pelo qual “o voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento”, e retomo as razões deduzidas naquele julgamento.

 

Da Carta de Anuência

Na hipótese em tela, o demandante apresentou uma carta de anuência, concedida pela então Presidente do Diretório Nacional da agremiação, Graciela Nienov, em 18.01.2022 (ID 44939256), ou seja, ainda durante o legítimo exercício do cargo, não havendo elementos concretos pelos quais se possa supor em eventual falsidade ou manipulação do documento.

Importante destacar que a senhora Graciela assina o documento não em nome próprio, mas em nome do Diretório Nacional do partido, órgão máximo da entidade. Nesse sentido, apresentado o documento constitutivo do direito do Representante (a carta de anuência em nome do diretório nacional, com firma da Presidente Nacional do partido), o ônus da prova de eventual fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito se transfere ao Representado:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

 

Da mesma forma, ao representado caberia comprovar eventual falsidade documental, tanto por ser aquele que alega, bem como por ser documento produzido pela própria agremiação.

Art. 429. Incumbe o ônus da prova quando:

I - se tratar de falsidade de documento ou de preenchimento abusivo, à parte que a arguir;

II - se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o documento.

 

No documento, a representante máxima do partido político, textualmente, consigna a posição de não utilizar as prerrogativas da Resolução TSE n. 22.610/07 e a anuência com a desfiliação, nos termos do art. 1º da EC n. 111/2021, “manifesta posição de não utilizar as prerrogativas da Resolução n. 22.610, do TSE c/c art. 26 da Lei 9.096/95, que trata da fidelidade partidária e consigna anuência a sua desfiliação, nos termos do expresso Art. 1o, da Emenda Constitucional 111, de 28 de setembro de 2021, que acrescentou o § 6o, ao art. 17, da Constituição Federal, não postulando perante a Justiça Eleitoral quanto à desfiliação do Vereador de Viamão/RS, WILLIAM RODRIGUES PEREIRA”.

O art. 17, § 6º, da CF prevê a possibilidade de anuência do partido como hipótese de justa causa para desfiliação, sem perda do mandato, consoante previsão incluída por meio da citada EC n. 111/2021, de 28.09.2021, publicada no dia seguinte, data em que entrou em vigor, in verbis:

Art. 17. §6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão.

 

Independentemente de cláusula expressa no Estatuto Partidário, a jurisprudência tem assentado a legitimidade do presidente do órgão partidário, diante da inerente condição de representante da agremiação, para, em nome do partido, subscrever carta de anuência com o desligamento de seus filiados.

Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. CARTA DE ANUÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO DO ADVOGADO DO PARTIDO POLÍTICO. POSTERIOR RATIFICAÇÃO DA ANUÊNCIA PELO PRESIDENTE DA AGREMIAÇÃO. VALIDADE. PROVIMENTO.

1. Validade da carta de anuência obtida pelo recorrente por meio do advogado do partido do qual se desfiliou (PSD). Inexistência, na hipótese, de conduta praticada pelo PSD voltada a impugnar a validade da referida carta de anuência lavrada pelo procurador da agremiação.

2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a concordância da agremiação partidária com o desligamento do filiado é apta a permitir a desfiliação sem prejuízo do mandato eletivo. (Pet nº 0601117-75, rel. Min. Rosa Weber, DJe de 17.4.2018).

3. Recurso especial provido para julgar improcedente a Ação de Perda de Mandato Eletivo (AIME) por infidelidade partidária, prejudicado o agravo regimental interposto pelo Ministério Público Eleitoral."

(TSE - Recurso Especial Eleitoral nº 060015033, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Relator designado Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 224, Data 04/11/2020) Grifei.

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR. JUSTA CAUSA. CONCORDÂNCIA DO PARTIDO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE.SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal de origem julgou improcedente o pedido formulado em ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária, reconhecendo a justa causa para a desfiliação do vereador, em razão da apresentação de carta de anuência do presidente da Comissão Provisória estadual do partido.2. Nas razões do agravo, reitera-se o argumento de que a Res.-TSE 22.610 não estabelece como justa causa para a desfiliação partidária a apresentação de carta de anuência do partido, razão pela qual não poderia tal instrumento ser utilizado para afastar os efeitos da norma com relação à infidelidade partidária.

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

2. Para os mandatos alusivos ao pleito de 2016, o Tribunal reafirmou sua jurisprudência no sentido de que, autorizada a desfiliação pelo próprio partido político,

não há falar em infidelidade partidária a ensejar a perda de cargo eletivo, ressalvando-se a futura reflexão mais verticalizada da matéria em mandatos alusivos a pleitos posteriores. Precedentes: AgR-AI 0600180-68 e AgR-AI 0600166-84, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgados em 4.6.2019 e em 5.9.2019, respectivamente; e AgR-AI 0600157-25, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 19.9.2019.

3.O Tribunal Regional Eleitoral consignou que a carta de anuência assinada pelo Presidente do órgão estadual do partido e juntada aos autos pelo recorrido é prova hábil e suficiente a justificar desfiliação partidária por justa causa. 5. Para modificar a conclusão do Tribunal a quo, que reconheceu que a carta de renúncia foi devidamente assinada pelo presidente do partido, seria necessário reexaminar as provas dos autos, providência vedada a teor do verbete sumular 24 do TSE.

CONCLUSÃO

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - Agravo de Instrumento nº 060014341, Acórdão, Relator Min. Sérgio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 234, Data 05/12/2019) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. IMPROCEDÊNCIA. CARTA DE ANUÊNCIA DO PARTIDO POLÍTICO. INSTRUMENTO APTO A DEMONSTRAR A JUSTA CAUSA. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que "a concordância da agremiação partidária com o desligamento do filiado é apta a permitir a desfiliação sem prejuízo do mandato eletivo" (AgR-Pet nº 0601117-75/PE, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 17.4.2018).

2. A decisão regional, na qual se assentou que "consta da carta assinada por Luiz Fábio Cherem, como Presidente do PSD em Lavras, e Vice-Presidente do PSD de Minas Gerais, em 3 de abril de 2018: Diante do pedido de desfiliação partidária do Sr. João Paulo Felizardo, protocolado perante o Diretório Municipal do PSD de Lavras nesta data, e ainda, tendo em vista notável existência de discordâncias políticas, partidárias e pessoais intransponíveis, na condição de Presidente do Diretório Municipal do PSD de Lavras e de Vice Presidente do PSD de Minas Gerais, declaro que o Partido Social Democrático autoriza a sua desfiliação a partir desta data. (ID 19474)"(ID nº 10336288), está em harmonia com a orientação adotada no âmbito desta Corte, o que atrai a Súmula nº 30/TSE, óbice igualmente"[...] aplicável aos recursos manejados por afronta a lei"(AgR-AI nº 82-18/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 11.10.2018).

3. Reitera-se que, embora esta Corte, no julgamento do AgR-AI nº 000180-68/MG, já tenha sinalizado a necessidade de se revisitar futuramente o tema examinado, a solução adotada, por segurança jurídica, observa o entendimento posto nos precedentes relativos a mandatos conquistados em 2016.

4. Agravo regimental desprovido."

(TSE - Agravo de Instrumento nº 060016684, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 205, Data 22/10/2019) Grifei.

 

Destaco, ainda, que, em recente decisão, o eminente Ministro Edson Fachin, no âmbito do TSE, proferiu decisão monocrática em que reconheceu a possibilidade de desfiliação por justa causa por conta de concordância do partido, em manifestação subscrita por seu Presidente Nacional, inclusive como tutela de urgência antecipada, conforme transcrevo:

[…].

 

18. No caso em análise, a ação se encontra instruída com via digitalizada da carta de anuência, datada de 22.12.2021, assinada pelo presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, em que a agremiação consigna sua anuência quanto à desfiliação do Deputado Federal Cristiano Dutra Vale, aduzindo que não postulará, perante a Justiça Eleitoral, o mandato de Deputado Federal obtido pelo parlamentar. Ademais, o documento é posterior à vigência da EC nº 111/2021 e demonstra a intenção do partido de permitir que o eleito se desfilie dos seus quadros.

 

19. Há, portanto, elementos para concluir, em cognição sumária, que a pretensão do autor está amparada no § 6º do art. 17 da Constituição.

 

(TSE - AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA n.º 0600770-03.2021.6.00.0000. Relator: Ministro Edson Fachin, Decisão Monocrática. Data da decisão: 18/01/2022)

 

Com efeito, o Presidente do órgão de direção partidária nacional é o dirigente máximo da agremiação e responsável pela sua representação e administração, não havendo exigência estatutária expressa no sentido de que a anuência somente possa ser adotada pela integralidade da Comissão Executiva.

Além disso, não se pode anular ações tomadas pela presidência partidária, durante a legítima vigência de seu mandato, sob a simples presunção de que não corresponderam aos efetivos interesses do partido político ou, ainda, de determinado grupo político sucessor à testa partidária, com ideário contraposto ao anterior.

Anoto, em acréscimo, que eventual disposição estatutária não poderia se tolher ou limitar tal prerrogativa, de modo a mitigar o preceito ou se sobrepor ao que estabelece a própria Constituição Federal, que expressamente autoriza a desfiliação nas hipóteses de justa causa e de anuência do partido político.

Com essas considerações, entendo plenamente cabível, na hipótese, o julgamento de procedência da demanda com base na carta de anuência apresentada.

 

Do Desvio Reiterado do Programa Partidário

Conforme bem observou o Relator, são de longa data e notórias os escândalos e sensacionalismos envolvendo Roberto Jefferson, que já havia sido preso em 2014, por decisão do Supremo Tribunal Federal, também tendo sido denunciado, em 27.8.2018, por organização criminosa e corrupção no Ministério do Trabalho.

Outros fatos que demonstram a guinada ideológica da agremiação, sob a regência de Roberto Jefferson, constam bem arrolados no voto do ilustre Des. Eleitoral Gerson Fischmann:

A matéria do G1 divulgada em 09.10.2018 anuncia: “Partido de Roberto Jefferson, PTB anuncia apoio a Jair Bolsonaro. Anúncio foi feito na tarde desta terça. Segundo o partido, projeto de Bolsonaro visa um país 'eficiente e competitivo'. Além disso, PTB diz que candidato trabalhará pela 'pacificação' do Brasil” (https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/09/partido-de-roberto-jefferson-ptb-anuncia-apoio-a-jair-bolsonaro.ghtml).

 

(…).

 

Em notícia de 20.4.2020, o Jornal Metrópolis divulgou a manchete “Bolsonaristas justificam aliança com mensaleiro Roberto Jefferson”, afirmando “para militantes do presidente, apenas alguém que conhece as entranhas da corrupção política, como o presidente do PTB, pode desmascará-las” (https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaristas-justificam-alianca-com-mensaleiro-roberto-jefferson).

 

Em 21.4.2020, o Jornal Correio Braziliense publicou matéria intitulada “'Para derrubar Bolsonaro, só se for a bala'', afirma Roberto Jefferson” (https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/04/21/interna_politica,846756/para-derrubar-bolsonaro-so-se-for-a-bala-afirma-roberto-jefferson.shtml).

 

O Jornal Nexo, em manchete publicada em 13.5.2020, informa: “A trajetória de Roberto Jefferson, o novo aliado de Bolsonaro” (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/05/13/A-trajet%C3%B3ria-de-Roberto-Jefferson-o-novo-aliado-de-Bolsonaro).

 

Em 31.5.2020, o site UOL publicou notícia “Ato contra STF e pró-intervenção tem Bolsonaro com criança e uso de cavalo”, narrando que “a ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, foi outra a participar das manifestações. Jefferson é o mais novo aliado de Bolsonaro, após movimento do Palácio do Planalto para se aproximar do bloco de partidos do Centrão, do qual o PTB faz parte, na tentativa de construir uma base aliada ao presidente da República” (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/31/protestos-brasilia-31-de-maio.htm).

 

Em notícia de 30.9.2020, o site Congresso em Foco divulgou a matéria “Exclusivo: os 12 partidos que formam a base fiel do governo na Câmara”, narrando que dos 24 partidos com representação na Câmara dos Deputados, 12 são aliados fiéis de Jair Bolsonaro, e que “Estão neste grupo: PSL, Patriota, DEM, PSC, Novo, PSDB, MDB, PP, Republicanos, PL, PSD e PTB” (https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/exclusivo-os-12-partidos-que-formam-a-base-fiel-do-governo-na-camara/).

 

Ocorre que, muito além de um trilhar ideológico ao atual Governo Federal, Roberto Jefferson passou a promover reiterados e sistemáticos pronunciamentos contra a democracia, bem como ataques agressivos ao STF e aos seus Ministros, culminando com a sua prisão, em 13.08.2021, nos autos do Inquérito 4781/STF; por incitação a atos violentos e ameaçadores da democracia e do livre exercício dos Poderes.

Portanto, no caso em tela, não pelas questões referentes a apoio político ao Governo Bolsonaro, nem tampouco sobre eventuais problemas de filiados com a justiça, mas especialmente em virtude de fatos reiterados de afronta ao regime democrático, praticados pela agremiação, é que entendo presente a justa causa alegada.

Tais fatos não representam meras ações individuais e pessoais de um filiado, mas foram acolhidas, fomentadas e integradas ao funcionamento partidário. Tanto assim que, após essas ações, Roberto Jefferson foi erigido à condição de Presidente de Honra do PTB (https://ptb.org.br/por-que-o-presidente-de-honra-do-ptb-roberto-jefferson-ainda-esta-preso/).

E mais. Roberto Jefferson foi escolhido em convenção partidária nacional para uma candidatura manifestamente temerária, tendo em vista suas notórias condenações criminais que lhe retiram de modo intransponível a elegibilidade.

A iniciativa resultou em tamanha afronta ao sistema democrático que, no TSE, o Ministro Carlos Horbach, em decisão de 19.08.2022, nos autos do Registro de Candidatura correspondente, deferiu o pedido de tutela provisória formulado pela PGR para obstar o uso indevido do espaço de TV e rádio, bem como a utilização de recursos públicos em campanha:

(…).

 

Trata-se de impugnação, com pedido de tutela de urgência, formalizada pelo Ministério Público Eleitoral, por meio da qual requer: (i) no mérito, o indeferimento do Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) de Roberto Jefferson Monteiro Francisco ao cargo de presidente da República, apresentado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – Nacional em 12.8.2022; e (ii) cautelarmente, dada a tese de inelegibilidade manifesta, a suspensão do acesso, para fins de campanha, a recursos públicos advindos dos Fundos Especial de Financiamento de Campanha e Partidário.

 

(…).

 

Posteriormente, na fase de execução penal (EP n. 23/DF), o atual relator do feito, Ministro Luís Roberto Barroso, em decisão monocrática proferida em 22.3.2016 e publicada no DJe de 29.3.2016, declarou extinta a punibilidade do candidato ora impugnado, então apenado, com base no art. 107, II, parte final, do Código Penal, nos termos do Decreto n. 8.615/2015 (indulto presidencial).

 

(…).

 

Sendo esse o quadro, sustenta incidir sobre o candidato impugnado a causa de inelegibilidade do art. 1º, I, e, 1 e 6, da Lei Complementar n. 64/90, que se projeta pelo lapso temporal de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena. Salienta, nesse sentido, o que se contém no Enunciado n. 61 da Súmula do TSE: “o prazo concernente à hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da LC nº 64/90 projeta-se por oito anos após o cumprimento da pena, seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa”.

 

(…).

 

Daí por que conclui, no campo da plausibilidade do direito, ser patente a incidência da causa de inelegibilidade em questão, tornando inevitável o indeferimento do registro, razão pela qual “não se deve admitir a candidatura como sub judice, na forma do art. 16-A da Lei n. 9.504/97” (ID n. 157938235, fl. 4).

 

(…).

 

Requer, assim, o deferimento da tutela acautelatória para obstar que o candidato impugnado tenha acesso e utilize os recursos públicos de campanha (Fundo Especial de Financiamento de Campanha e/ou Fundo Partidário). Ao final, pede a integral procedência da impugnação para o fim de indeferir o presente registro de candidatura, uma vez cumprido o rito processual.

 

(…).

 

Logo, diante do igualmente pacificado entendimento jurisprudencial de que apenas os efeitos primários da condenação são extintos, tem-se que razão jurídica assiste, em princípio, ao Ministério Público Eleitoral, porquanto a causa de inelegibilidade em comento (art. 1º, I, e, 1 e 6, da LC n. 64/90) subsistirá até 24.12.2023, alcançando a eleição do corrente ano a qualquer cargo eletivo. Aliada à verificação da probabilidade do direito, conforme fundamentação acima expendida, entendo que, no caso, há também o perigo de dano em relação à liberação de verbas de natureza pública para subsidiar candidatura que, de pronto, revela-se inquinada de uma muito provável inelegibilidade.

 

Ante o exposto, defiro a tutela de urgência, tal como requerida, para determinar sejam, desde logo, obstados, para fins de utilização na campanha eleitoral do ora impugnado, os repasses de recursos públicos, sejam oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e/ou do Fundo Partidário, até ulterior deliberação quanto ao mérito deste requerimento de registro de candidatura, devendo o partido pelo qual lançada a candidatura em apreço (PTB – Nacional) adotar as medidas necessárias ao cumprimento da presente decisão. (…).

 

(TSE. RRC 0600761-07.2022.6.00.0000. Decisão Monocrática de 19.08.2022. Min. Carlos Horbach)

 

A candidatura de Roberto Jeferson é fato novo, ocorrido após o ingresso da presente ação, mas, entendo eu, comprova as alegações feitas pelo Representante e indica a conivência do partido com seus atos. Esse contexto, ao meu entender, revela um nítido quadro de mudança substancial e desvio reiterado do programa partidário, uma vez que a agremiação tem, de forma sistemática e institucional, sufragado a incitação a atos antidemocráticos realizados por seu representante honorífico. Chamo especial atenção ao discurso público e notório realizado pelo senhor Roberto Jeferson em 2021, (https://www.youtube.com/watch?v=uXA8rLyxm70):

“Ouçam o rufar dos tambores. Garantidores da lei e da ordem. O começo da democracia. A garantia. O braço forte. Tá dizendo o que? Se não houver voto impresso e contagem pública de votos, não haverá eleição ano que vem. Barroso pode até zangar, bater o pezinho... Né, Barroso? Mas se não tiver voto impresso e contagem pública, não terá eleição ano que vem. Ouça o rufar dos tambores. Fraude... chega! Nós não vamos mais permitir. A eleição será limpa. Nós não vamos permitir que a esquerda, cavalgando na corcunda do Tribunal Superior Eleitoral defraude a eleição. Povo do Brasil, ouça o rufar dos tambores. O que diz o garantidor da lei e da ordem? Democracia, voto impresso, contagem pública. Barroso, eu duvido, duvideodó, que você vai enfrentar essa posição. Duvideodó, Barroso. Não adianta chilique, porque será assim”.

 

Ninguém pode ser obrigado a permanecer em partido que não apenas tem se mostrado conivente com tal discurso, como eleva à condição de seu Presidente de Honra e de seu candidato à Presidente da República justamente aquele que proferiu tais palavras.

Se um ou alguns atos isolados não são suficientes para caracterizar o desvio reiterado do programa e a grave ameaça à democracia, isso pode mudar, à medida que os atos seguem ocorrendo e sua gravidade, como se viu, vai aumentando.

Em resumo: as graves palavras proferidas em ameaça ao resultado do processo eleitoral combinada com a escolha de Roberto Jeferson em convenção tornam as agressões ao estatuto reiteradas e substancialmente graves a justificar a mudança de partido.

Assim, a mudança substancial e o desvio reiterado do programa não estampado por uma ofensa institucional ao princípio democrático, ou seja, praticado pelo próprio partido político, e não isoladamente por um de seus membros.

Basta um breve olhar sobre o Estatuto e Programa do demandado para constatar que a defesa da democracia e da Constituição Federal se inserem em diversos pontos de suas diretrizes e princípios.

Não se pode olvidar que os partidos políticos devem resguardar o regime democrático e o pluripartidarismo por expressa previsão do art. 17, caput, da CF/88. Desse modo, as práticas havidas pela agremiação demandada não só violam a própria ordem normativa interna, como também vilipendiam a Constituição Federal.

Neste cenário, nos termos do ar. 22-A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95, verificada a existência de justa causa para a desfiliação partidária, imperativo o acolhimento da pretensão deduzida.

 

ANTE O EXPOSTO, divergindo do voto do Relator, JULGO PROCEDENTE a presente ação, a fim de declarar a existência de justa causa para a desfiliação de WILLIAM RODRIGUES PEREIRA do PTB, sem a perda do cargo eletivo, com fundamento no art. 17, § 6º, da CF e no art. 22-A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95.