RCand - 0600991-64.2022.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 06/09/2022 às 14:00

VOTO DIVERGENTE

DES. ELEITORAL CAETANO CUERVO LO PUMO

 

Inicialmente, reconheço que a jurisprudência do Colendo TSE está pacificada em conformidade com o voto do Exmo. Desembargador Relator. Entretanto, com a devida vênia, possuo, de longa data, posição em sentido contrária, marcada, inclusive, por artigo publicado na revista desse TRE/RS, em parceria com Santos1, do qual extraio, de forma muito resumida, os fundamentos de meu voto e que se encontra disponível em: https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/7309.

No conflito entre a segurança jurídica de seguir o posicionamento do Colendo TSE e manter-me coerente com meu posicionamento particular, fruto de reflexão acadêmica publicizada em artigos e palestras, entendo em dar prevalência àquele que melhor garante à efetividade dos direitos fundamentais.

Dito isso, lembro que a regra geral para o registro de candidatura é a de que qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo, respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e inelegibilidade (Código Eleitoral, art. 3º).

As regras de elegibilidade e inelegibilidade são, portanto, os limitadores do direito fundamental de participação política passiva.

A elegibilidade representa o atendimento do cidadão a determinadas condições estabelecidas pelo Estado e estão previstas taxativamente na Constituição Federal, sendo que a lei ordinária apenas regulamentará as formas de sua aplicação:

Art. 14, § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de: (...)

 

Sobre o assunto, Veloso e Agra referem que:

A Carta Magna elencou alguns requisitos que precisam ser atendidos para permitir que o cidadão possa exercer um mandato político (art. 14, par. 3º). Esses requisitos são taxativos, não podendo mandamento infraconstitucional acrescer outros, em virtude de sua discriminação encontrar arrimo na Constituição Federal, agasalhado pela força normativa da supralegalidade. Como os direitos políticos são prerrogativas essenciais à cidadania, deixar sua regulamentação ao talante de mandamentos infraconstitucionais serviria para reduzir a amplitude desse direito, quando sua finalidade é justamente o contrário, ampliar com a maior intensidade possível a inserção da população nas decisões do sistema democrático2.

 

Zilio, por sua vez, trata dos limites dessa regulamentação:

Embora previstas na Carta Fundamental, resta possível ao legislador ordinário melhor definir os contornos desses requisitos legais, sem, contudo, trazer restrições indevidas. Assim, não é cabível ao legislador ordinário criar condição de elegibilidade, além das existentes na Constituição Federal, conquanto possível traçar, de forma mais minudente, os limites concretos daqueles requisitos legais3.

 

E o que verificamos, por exemplo, na regulamentação feita ao tempo de filiação partidária e domicílio eleitoral.

Tal regulamentação não pode, entretanto, traçar novos requisitos como reconhecido por Adriano Soares da Costa, para quem a lei deverá “ser inspirada no sistema eleitoral constitucional e com o escopo de facilitar o pleno exercício da obtenção do direito de ser votado”4.

No mesmo sentido, a lição de Pontes de Miranda, que lembra que a Lei Complementar não emenda a Constituição, apenas complementa, de modo nenhuma pode alterar a Constituição, e há de ter o conteúdo que a própria constituição prevê5; raciocínio também aplicado à norma regulamentar prevista no art. 14, § 3º.

Ainda que o TSE venha consolidando o entendimento de que a certidão de quitação eleitoral se constituiria em uma condição infraconstitucional de elegibilidade6; o que se percebe, no caso concreto, utilizando conceito de Jose Jairo Gomes, “são fatores negativos cuja presença obstrui ou subtrai a capacidade eleitoral passiva do nacional, tornando-o inapto para receber votos e, pois, exercer mandato representativo”7, ou seja, uma típica circunstância de inelegibilidade, cuja limitação somente poderia se dar por lei complementar nos termos do art. 14,§ 9º da Constituição Federal.

Nesse sentido, a posição de Rodrigo Cyrineu tratando justamente da não apresentação de contas eleitorais:

A não apresentação impede a diplomação (Lei 9.504/1997, artigo 29, parágafo 2º), tornando inócuo o registro e, ainda, impede, segundo a disciplina legal, a quitação eleitoral do candidato (Lei 9.504/1997, artigo 11, parágrafo 7º), sem a qual não poderá pleitear nova candidatura, de modo que se está, indubitavelmente, a se tratar de uma inelegibilidade.

 

Todavia, como se sabe, apenas a Constituição Federal ou lei complementar específica poderão dispor sobre causas de inelegibilidade (CF, artigo 14, parágrafo 9º), de modo que a exigência de apresentação das contas como requisito para a quitação eleitoral prevista na Lei 9.504/1997, de status meramente ordinário, é chapadamente inconstitucional, daí o porquê de se falar de um caso de inelegibilidade mal resolvido8.

 

Ao também criticar restrições ordinárias à capacidade eleitoral passiva, referiu Rodolfo Viana Pereira que tal ideia:

(...) significa inaugurar a hipótese de a minoria parlamentar, sem anteparo constitucional, criar empecilhos, via lei ordinária, ao exercício dos direitos políticos. A reserva constitucional em matéria de elegibilidade e de inelegibilidade (neste caso também com a autorização de regulação via lei complementar) faz parte da arquitetura protetiva da democracia, aí incluída a cláusula da anualidade prevista no artigo 16 da Carta Maior e a taxatividade das hipóteses de cassação de direitos políticos, insculpidos no artigo 15 do mesmo diploma9.

 

Ainda em conformidade com o ensinamento do professor Rodolfo Viana Pereira, “sob a ótica do Direito Constitucional, bastaria ao interessado preencher as condições de elegibilidade e não incidir nas causas de inelegibilidade para exercer, na plenitude, seu direito fundamental ao sufrágio passivo”10, de modo que a efetivação do direito exigiria apenas um processo formal de registro da candidatura.

Concluo com reflexão de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em seus Comentários à Constituição Federal de 1967, já com as alterações da Emenda Constitucional n.º 01, de 1969, quando afirmou que:

Até a Emenda Constitucional n.º 14, de 03 de junho de 1965, à Constituição Federal de 1946, somente o próprio texto constitucional estabelecia inelegibilidades. A matéria, pois, era considerada de tal relevância que apenas o legislador constituinte podia regular11.

 

De qualquer modo, o que não se admite, seja sob o fundamento de se tratar de condição de elegibilidade, seja pelo fundamento de se tratar de causa de inelegibilidade, é criar novas restrições ao direito fundamental de participação política por meio de legislação ordinária, motivo pelo qual, em controle difuso, reconheço a inconstitucionalidade do conceito de certidão de quitação eleitoral previsto no artigo 11, § 7º, da Lei 9.504/97, e, sucessivamente, a inconstitucionalidade de sua exigência para fins de obtenção de registro de candidatura, conforme estabelecido no artigo 11, § 1º, VI da Lei 9.594/97.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo DEFERIMENTO do pedido de registro de candidatura de HAMILTON DOS SANTOS ALVES.

 

 

 

1LO PUMO, Caetano Cuervo e SANTOS, Everson Alves dos, O direito fundamental de ser candidato e suas limitações por lei ordinária. Revista do TRE/RS, ano 25, n. 48, jan./jun. 2020.

2 VELOSO, Carlos Mario, AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. 5ª edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2016. p. 80.

3 ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 7ª edição. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2018, p. 186.

4 COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. Lumen Iures: Rio de Janeiro, 2009. p. 33/34.

5 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda Constitucional n. 1 de 1969. TOMO III, 1973. Rio de Janeiro: Borsoi, p. 154.

6 A aferição da plenitude do exercício dos direitos políticos, notadamente, como condição de elegibilidade, demanda do cidadão o cumprimento integral das obrigações políticos-eleitorais preconizadas nos diplomas normativos, consolidando-se na certidão de quitação eleitoral. (Recurso Especial Eleitoral nº 12113, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 02/06/2017)

7 GOMES, ibidem, p. 193.

8 CYRINEU, Rodrigo. Prestação de Contas de Campanha: um caso de inelegibilidade mal resolvido. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2016-jun-22/rodrigo-cyrineu-inelegibilidade-mal-resolvido. Acesso em 20 de janeiro de 2017

9 PEREIRA, ibidem.

10 PEREIRA, Rodolfo Viana. Condições de registrabilidade e condições implícitas de elegibilidade: esses obscuros objetos de desejo. In SANTANO, Ana Claudia e SALGADO, Eneida Desiree. Direito Eleitoral debates ibero-americanos. Editora Ithala. Curitiba, 2014.

11 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira: Emenda Constitucional n.º 1, de 17 de outubro de 1969. 2ª Edição, v3, 1977, p. 61.