PetCiv - 0600045-62.2022.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/09/2022 às 14:00

VOTO

A decisão recorrida indeferiu o pedido de dispensa de convocação para a função de 1º mesário nas eleições de 2022, no Município de Cachoeira do Sul/RS, sob o fundamento de que o exercício do cargo em comissão de assessor parlamentar não se enquadra na hipótese de impedimento estabelecida no art. 90, inc. III, da Resolução do TSE n. 23.669/21, que regulamenta o § 1º do art. 120 do Código Eleitoral e se refere a “funcionárias ou funcionários no desempenho de cargos de confiança do Poder Executivo”:

Art. 9º Não poderão ser nomeados(as) para compor as mesas receptoras nem para atuar no apoio logístico (Código Eleitoral, art. 120, § 1º, incs. I a IV ; e Lei n. 9.504/97, art. 63, § 2º) :

I - candidatas ou candidatos e respectivos(as) parentes, ainda que por afinidade, até o segundo grau inclusive, e o cônjuge;

II - integrantes de diretórios de partido político ou federação de partidos que exerçam função executiva;

III - autoridades e agentes policiais, bem como funcionárias ou funcionários no desempenho de cargos de confiança do Poder Executivo;

IV - pertencentes ao serviço eleitoral; e

V - eleitoras ou eleitores menores de 18 (dezoito) anos.

 

As razões recursais buscam a aplicação do impedimento em questão a detentor de função de confiança do Poder Legislativo, tendo sido juntada aos autos a comprovação do exercício do cargo em comissão de assessor no gabinete da Deputada Estadual Zilá Breitenbach, na Assembleia Legislativa Gaúcha, por meio do Ato de Designação para o exercício da função gratificada (ID 45025671).

Além disso, o eleitor Ramires Tiago Lauxen defende não ser recomendável a sua nomeação como mesário no Município de Cachoeira do Sul, uma vez que, nas eleições municipais de 2020, concorreu como candidato ao cargo de vereador, tendo obtido 272, o que demonstraria sua influência política no eleitorado.

Para fundamentar sua tese, o recorrente afirma que ao responder consulta sobre o tema, o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina manifestou-se no sentido de que o rol de impedimentos para atuar como mesário não é taxativo, sendo meramente exemplificativo, conforme ementa a seguir transcrita:

CONSULTA - ART. 120, § 1º, INC. III, DO CÓDIGO ELEITORAL - NORMA QUE VEDA AOS OCUPANTES DE CARGOS DE CONFIANÇA DO EXECUTIVO A NOMEAÇÃO PARA PRESIDENTE E MESÁRIO DE MESA RECEPTORA DE VOTOS. PRIMEIRO QUESTIONAMENTO: CONCEITO DO TERMO “ CAR G O S D E CONFIANÇA” - RESPOSTA DE FÁCIL ACESSO NA LEI, NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA – NÃO CONHECIMENTO. SEGUNDO QUESTIONAMENTO: ABRANGÊNCIA DO TERMO “CARGOS DE CONFIANÇA” AOS CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES COMISSIONADAS EXERCIDAS POR SERVIDOR EFETIVO - IMPEDIMENTO LEGAL QUE NÃO SE APLICA A TODOS OS CARGOS DE CONFIANÇA, MAS SOMENTE ÀQUELES QUE, ANALISANDO-SE O CASO CONCRETO, CONSTATE-SE QUE PERTENCEM AO “ALTO ESCALÃO” - QUESTIONAMENTO A QUE SE RESPONDE NEGATIVAMENTE. TERCEIRO QUESTIONAMENTO: EXTENSÃO DA VEDAÇÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA, COMO AS AUTARQUIAS - ENTIDADES DOTADAS DE PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – APLICAÇÃO DA VEDAÇÃO LEGAL - QUESTIONAMENTO A QUE SE RESPONDE AFIRMATIVAMENTE.


(…)


b) A expressão cargos de confiança abrange os cargos em comissão e as
funções comissionadas exercidas por servidor efetivo?


Conforme bem anotado pela Procuradoria Regional Eleitoral, a intenção do legislador, ao estabelecer normas a respeito dos atos preparatórios da eleição, elencando eleitores que não podem atuar como mesários, nos termos do art. 120, § 1º, do Código Eleitoral, era proteger o pleito e a lisura do processo de votação.


No entanto, as hipóteses de impedimento previstas no § 1º do art. 120 do Código Eleitoral não são taxativas, tratando-se, na verdade, de rol meramente exemplificativo e que deve ser interpretado e aplicado de acordo com o caso concreto.


(…)

(Acórdão n. 32.827/2017, CONSULTA N. 0600062-23.2017.6.24.0000 - Florianópolis - SANTA CATARINA - RELATOR: Juiz WILSON PEREIRA JUNIOR, p. 5.) (Grifei.)

 

Cita, ainda, a lição doutrinária de Joel José Cândido no sentido de que os servidores comissionados do Poder Legislativo podem ser considerados impedidos para compor a mesa da seção eleitoral, excluindo-se da proibição aqueles que exercem pouca influência, pertencentes ao “quarto ou quinto escalão da administração”. Vejamos:

Em relação à parte final do inc. III, do § 1º, do art. 120 (cargos de confiança do Executivo), a lei, sem motivo, deixou de enumerar os cargos de confiança do Legislativo, como se nesse Poder, composto fundamentalmente por políticos, não pudessem haver nomeações a cargos ditados por exclusivo apadrinhamento e influência política, com possível reflexos nos trabalhos eleitorais. Por isso – e prova maior do que essa de que o elenco não é exaustivo não se poderia exigir – não se de convocar pessoas que exerçam cargo de confiança nesses Poderes, não incidindo a proibição, obviamente, a todo e qualquer cargo em comissão. Não há necessidade de se estender a proibição a cargos, mesmo de confiança, com influência inexpressiva no quarto ou quinto escalão da administração.


(CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro, 14ª ed., revista, atualizada e ampliada. Bauru, SP: EDIPRO, 2010. pp. 175 e 176.) (Grifei.)

 

A Procuradoria Regional Eleitoral reporta-se à doutrina em questão referindo que o entendimento não se aplica ao recorrente, pois o impedimento não incidiria quanto aos cargos de confiança de quarto ou quinto escalão.

O caso dos autos reclama o sopesamento da regra disposta no art. 365 do Código Eleitoral, segundo o qual o serviço eleitoral prefere a qualquer outro, sendo obrigação cívica de todo o eleitor, e o procedimento afeto ao pedido de dispensa dos trabalhos eleitorais.

Conforme o disposto no art. 11, § 2º, da Resolução TSE n. 23.669/21, os convocados para trabalhar nas eleições podem apresentar recusa justificada para a dispensa, “cabendo à juíza ou ao juiz eleitoral apreciar livremente os motivos apresentados, ressalvada a hipótese de fato superveniente que venha a impedir seu trabalho (Código Eleitoral, art. 120, § 4º)”.

Da leitura da regulamentação realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral, verifica-se que o deferimento ou o indeferimento do pedido de recusa é ato discricionário do magistrado eleitoral, que demanda juízo de valor após a apresentação de justificativa plausível para a dispensa.

Esse é o entendimento jurisprudencial sobre o tema:

ELEIÇÕES 2018 - RECURSO ELEITORAL - MESÁRIO - CONVOCAÇÃO - PEDIDO DE DISPENSA - INDEFERIMENTO PELO JUÍZO ELEITORAL - MOTIVO JUSTIFICÁVEL - EXCESSIVA ONEROSIDADE NO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO - RECURSO PROVIDO.

1. Em que pese o serviço eleitoral seja de caráter obrigatório, é cediça a jurisprudência no sentido de que havendo motivo justificável, que demonstre que o cumprimento da obrigação é excessivamente oneroso para o eleitor, pode haver dispensa.

2. Pedido de dispensa fundado na dificuldade de deslocamento no dia do pleito.

3. Recurso provido.

(TRE-PR - RE: 7133 ARAPONGAS - PR, Relator: LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Data de Julgamento: 24.10.2018, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Data: 06.11.2018.)

 

Recurso Eleitoral. Pedido de dispensa do munus de mesário. Indeferimento. Eleições 2008. Alegação de ser o único Defensor Público do município. Comprovada. Rol de vedações do art. 120 do Código Eleitoral não pode ser interpretado taxativamente. A ausência do recorrente de seu cargo compromete a defesa individual dos direitos fundamentais do eleitor hipossuficiente. Existência de outros eleitores, na municipalidade, que podem ser nomeados para exercer a função de mesário no lugar do recorrente. Recurso a que se dá provimento.

(TRE-MG - RE: 3464 MG, Relator: GUTEMBERG DA MOTA E SILVA, Data de Julgamento: 30.9.2008, Data de Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico - TREMG, Data: 30.10.2008.)

 

Portanto, entendo que se deve buscar a mens legis do texto legal ao estabelecer as causas de impedimento para a composição das mesas receptoras de votos, devendo o pedido de dispensa ser analisado caso a caso, de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Na situação dos autos, analisando-se a teleologia da norma inserta no inc. III do § 1º do art. 120 do Código Eleitoral, o legislador, em que pese tenha se omitido relativamente aos servidores do Poder Legislativo, buscou evitar a influência política de funcionárias ou funcionários de confiança do Poder Executivo, com possível reflexos nas atividades de mesário, situação que também se verifica quanto aos funcionários do parlamento.

Ademais, a alegação de que o impedimento não seria aplicável a assessor parlamentar de quarto ou quinto escalão deve ser examinada em conjunto com as demais especificidades dos autos, pois ao consultar o sistema de Divulgação de Candidaturas verifica-se que, de fato, o recorrente concorreu como vereador no último pleito de 2020.

Deve-se ter presente que o Município de Cachoeira do Sul possui, atualmente, 66.949 eleitores, não havendo nos autos qualquer manifestação por parte da zona eleitoral de que há dificuldade em encontrar mesários, inclusive substitutos, ou a essencialidade de ser exatamente esse cidadão a compor a mesa receptora de votos.

Sabido que hoje o exercício de assessoria parlamentar tem grande relevância ante o volume de projetos, comissões, atendimentos que, diuturnamente, aportam aos gabinetes parlamentares; no caso, trata-se de assessoria à deputada estadual com assento na Assembleia Legislativa e a eleição geral que se avizinha contempla disputa também a cargos na mesma Assembleia; ademais, vê-se que o recorrente tem atuação política no município, já tendo concorrido a cargo eletivo. Não parece razoável, portanto, que se mantenha a convocação; sendo possível assegurar ao máximo a lisura do pleito, a paridade de armas e, no dia da eleição, a absoluta normalidade do evento, o juízo de conveniência aponta para o acolhimento do recurso.

Com esses fundamentos, considero que diante das peculiaridades deste caso concreto, por questão de bom senso (princípio da razoabilidade), a justificativa pode ser deferida.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para reformar a decisão recorrida, e deferir o pedido de dispensa de RAMIRES TIAGO LAUXEN para comparecer à convocação de trabalho como 1º mesário nas eleições gerais de 2022.