RecCrimEleit - 0000080-14.2016.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo.

O prazo para interposição do recurso sob exame é de 10 (dez) dias, conforme o art. 362 do Código Eleitoral, e, nos termos do art. 798, § 5º, do CPP, a contagem de tal interregno há de ser realizada a partir da última intimação da sentença condenatória, seja ela do réu ou do defensor, conforme a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal e externada na Súmula n. 710: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”.

No caso, o réu foi intimado em 14.11.2019, e o recurso foi interposto em 19.11.2019, conforme certificado no ID 44875982, fl. 550 v. e 552 dos autos físicos em PDF.

Tempestivo, o recurso deve ser conhecido.

2. Prescrição

Destaco que não há prescrição a ser reconhecida. Tanto o lapso temporal entre o recebimento da denúncia (28.04.2016, ID 44875764) e a publicação da sentença condenatória (12.11.2019, ID 44875982), marco fixado pelo recebimento da sentença em cartório, quanto entre esta última e a presente data é inferior a quatro anos, prazo prescricional previsto pelo art. 109, inc. V, do Código Penal, quando a pena aplicada for igual a um ano ou, sendo superior, não exceda a dois, observando, no ponto, que as penas privativas de liberdade aplicadas ao recorrente, quais sejam, (a) de um ano e (b) de um ano e seis meses, ambas de reclusão, estão sujeitas ao mesmo prazo prescricional.

Logo, permanece hígida a pretensão punitiva estatal.

3. Do declínio de competência

Observo que ação foi proposta neste Tribunal em razão de que o acusado LEANDRO BORGES EVALDT ocupava, à época do ajuizamento, o cargo de prefeito do Município de Morrinhos do Sul.

Destaco que, naquela ocasião, o e. Supremo Tribunal Federal não havia ainda adotado o posicionamento atualmente predominante, pois somente no mês de maio de 2018, a partir da análise da Questão de Ordem na Ação Penal n. 937, é que aquela Corte máxima reduziu o alcance do foro por prerrogativa de função, passando a aplicar a competência diferenciada em razão do cargo de maneira bem mais estrita, vale dizer, apenas àqueles crimes cometidos durante o exercício do cargo e diretamente relacionados às funções desempenhadas.

A denúncia foi recebida em 28.04.2016 e, iniciada a instrução, sobreveio o final do segundo mandato consecutivo do recorrente e o declínio de competência para o Juízo da 85ª Zona Eleitoral, em 9.03.2017, o qual prosseguiu com a instrução e julgamento do feito (ID 44875881).

4. Mérito

A denúncia foi formulada a partir de fatos apurados no Inquérito Policial n. 0683/12 e imputou aos acusados LEANDRO BORGES EVALDT e PEDRO EVALDT FERNANDES as condutas tipificadas no art. 289 do Código Eleitoral e no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Lei n. 4.737/65

Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena – reclusão até 5 anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

 

Lei n. 8.069/90

Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

 

Houve a prolação de sentença condenatória relativamente aos dois acusados, e PEDRO EVALDT FERNANDES não apresentou recurso. 

Em relação ao único recorrente, LEANDRO BORGES EVALDT, a sentença procedeu à  emendatio libelli, ao fundamento de que “a conduta atribuída ao acusado não se trata do crime eleitoral descrito no artigo 289 do Código Eleitoral, porquanto a conduta do acusado Leandro foi de induzir o acusado Pedro e sua filha Juliana a transferir o título e se inscrever na Comarca de Morrinhos do Sul, através de fraude”, e readequou a tipificação delitiva para o art. 290 do Código Eleitoral:

Indução à inscrição fraudulenta de eleitor

art. 290 Induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivo deste Código.

Pena - Reclusão até 2 anos e pagamento de 15 a 30 dias-multa.

No ponto, vale um esclarecimento de cunho técnico, ainda que não venha a modificar a situação jurídica do recorrente, conforme poderá ser verificado. Explico. 

Identifico que o Tribunal Superior Eleitoral possui precedente que entendo paradigmático ao caso posto, no sentido de que, havendo auxílio material à conduta delitiva, que é o caso dos autos, a prática se enquadra no art. 289 do Código Eleitoral, como aduzido pelo Ministério Público Eleitoral na petição inicial:

RECURSO ESPECIAL. INSCRIÇÃO FRAUDULENTA DE ELEITOR (CE, art. 289). CRIME DE MÃO PRÓPRIA. PARTICIPAÇÃO POSSÍVEL ATRAVÉS DE CUMPLICIDADE. 1. O crime do artigo 289 do Código Eleitoral é qualificado como crime de mão própria, na medida em que somente pode ser praticado pelo eleitor. Assim sendo, não admite a coautoria, mas é possível a participação. Precedente do TSE. 2. A indução à prática da inscrição fraudulenta perfectibiliza o tipo do artigo 290 do Código Eleitoral. Se, porém, há prestação de auxílio material à conduta delitiva, está caracterizada a participação no delito do artigo 289 do Código Eleitoral. 3. Recurso especial desprovido. (Recurso Especial Eleitoral nº 571991, Acórdão, Relator(a) Min. Maria Thereza de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 58, Data 25/03/2015, Página 37)

Ou seja, a emendatio libelli realizada não está alinhada aos parâmetros de tipificação realizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, pois os fatos narrados, conforme a Corte Superior, estariam melhor caracterizados pela redação do art. 289 do CE.

Entretanto, julgo que alterar a tipificação neste momento processual redundaria em prejuízo jurídico ao recorrente, pois o reenquadramento operado em sentença o beneficia, na medida em que resulta em sensível redução da pena máxima, de 5 (cinco) para 2 (dois) anos, e, demais disso, não houve a interposição do recurso pelo Ministério Público de origem. Ainda que seja possível o reenquadramento típico em grau recursal prejudicial ao réu, como assentado pela jurisprudência pátria, entendo que a modificação exigiria manifestação recursal acusatória, inexistente no caso concreto, repito.

Nesse norte, mantenho a ementatio libelli realizada pelo juízo de origem, portanto, para tratar os fatos e o quadro probatório sob a lente do art. 290 do Código Eleitoral.

Passo à análise dos fatos propriamente ditos.

4.1. Da indução à inscrição fraudulenta

Destaco que o bem jurídico protegido na tipificação do crime previsto no art. 290 do CE é a higidez do cadastro eleitoral, violada por transferência fraudulenta de eleitores, instigada geralmente por interessados em favorecer determinadas candidaturas. A fraude consiste na declaração falsa de domicílio eleitoral.

Na doutrina, o delito é tratado com acuidade por Suzana de Camargo Gomes, que estabelece dois elementos fundamentais para a ocorrência (Crimes Eleitorais: Editora RT, 4ª Edição, 2010, p. 100):

[…] Portanto, dois elementos devem estar presentes para que se dê a consumação do crime, sendo o primeiro expresso no induzimento à inscrição, e o segundo consistente na violação das normas eleitorais. De sorte que o mero auxílio prestado com o fim de que venha a pessoa a alistar-se não caracteriza o delito em questão, posto que inexistente, neste caso, a ofensa à lei eleitoral. Ao contrário, há o cumprimento da norma.

Ao fato, descrito conforme a denúncia:

[…] No dia 30 de abril de 2012, PEDRO EVALDT FERNANDES transferiu fraudulentamente, o seu título de eleitor para o município de Morrinhos do Sul, comprovando seu domicílio eleitoral mediante apresentação de conta de água ideologicamente falsa. Em período anterior ou próximo a data acima descrita (30 de abril de 2012) LEANDRO BORGES EVALDT prestou atos de auxílio intelectual e material para que PEDRO EVALD FERNANDES transferisse fraudulentamente seu título de eleitor mara Morrinhos do Sul. LEANDRO BORGES EVALDT cometeu os seguintes atos de participação na conduta de PEDRO EVALD FERNANDES: (1) Auxílio intelectual (instigação): LEANDRO BORGES EVALDT na condição de prefeito, à época dos fatos, instigou PEDRO EVALD FERNANDES a proceder a transferência do título de eleitor deste para o município de Morrinhos do Sul; (2) Auxílio material: LEANDRO BORGES EVALDT entregou em mãos de PEDRO EVALD FERNANDES conta de água, com informações ideologicamente falsas, para que este comprovasse, de forma fraudulenta, o domicílio eleitoral em Morrinhos do Sul; a referida conta de água descrevia como titular e residente na Rua João Francisco Becker, 47, centro, Morrinhos do Sul, PEDRO EVALDT FERNANDES, quando o verdadeiro titular era o próprio LEANDRO BORGES EVALDT.

Trago desde já a informação, a qual tenho incontroversa em vista do conteúdo dos depoimentos gravados, de que o codenunciado PEDRO EVALDT FERNANDES mantinha vínculo familiar no município para o qual transferiu a sua inscrição eleitoral - seu pai era ali residente; e, com efeito, refiro o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral apontando que “o conceito de domicílio eleitoral pode ser demonstrado não só pela residência no local com ânimo definitivo, mas também pela constituição de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares.” (RO 0602388-25, rel. Min. Luís Roberto Barroso, PSESS em 4.10.2018).

Contudo, o cerne do tipo penal sob análise reside na ocorrência ou não de instigação, de parte de LEANDRO, para a realização da transferência do título eleitoral de PEDRO para aquele município. Em juízo, os fatos foram negados pelo recorrente LEANDRO, nessas palavras, conforme a sentença:

Que conhece Pedro por causa das festas em Morrinhos do Sul. Que não ofereceu nada para Pedro mudar o domicílio eleitoral. Que fatos narrados na denúncia não são verdadeiros. Que já foi absolvido de outros fatos semelhantes que foi acusado. Que a disputa das eleições na comunidade é muito grande. Que acredita ser uma denúncia falsa. Que pode ser alguém agindo de má-fé. Que a localidade é bem dividida nas eleições. Que nunca prometeu emprego ou vantagem para transferência de título eleitoral. Que nunca teve inimizade com Pedro. Que acredita que Juliana seja filha de Pedro, mas nunca nem a viu (ID 44875985).

No concernente à alegação de que já foi absolvido de “outros fatos semelhantes que foi acusado”, o recorrente refere-se a feitos que envolveram a mesma prática (indução à inscrição fraudulenta e corrupção de menores) no curso do ano eleitoral de 2008, a exemplo do RC 124-38.2013.6.21.0000, relatoria do Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa, no qual ocorreu a prescrição em relação a alguns fatos e insuficiência de prova quanto a outras práticas dos delitos previstos nos art. 299 do CE e art. 244-B do ECA, e do RC 274-87.2011.6.21.0000, relatoria do Des. Federal João Batista Pinto Silveira, no qual a sentença reconheceu a prescrição dos fatos capitulados no art. 290 do CE  atribuídos a LEANDRO.

Porém, adianto que, no presente caso, o conjunto probatório apresenta elementos suficientes para a construção de um juízo condenatório, estampando a indução de LEANDRO BORGES EVALDT para que PEDRO EVALDT FERNANDES transferisse seu título de eleitor para município onde LEANDRO desempenha atividades políticas, inclusive tendo ocupado o cargo de prefeito por dois mandatos. Ademais, é facilitada a conclusão de que a inscrição ocorreu mediante a utilização de documento falso fornecido por LEANDRO, exatamente em razão da prova encartada aos autos.

Senão, vejamos.

Entendo a materialidade concretizada (1) pela fatura de serviço de água e esgoto de imóvel situado no Município de Morrinhos do Sul, em nome de PEDRO EVALDT FERNANDES (ID 44876062, fl. 06); (2) nome de PEDRO EVALDT FERNANDES no relatório de requerimentos de alistamento eleitoral deferidos coletivamente (ID 44876061); (3) diligência policial junto ao Departamento DEMAM concernente à conta de água em nome de PEDRO EVALDT FERNANDES, trazida aos autos como Informação n. 2875/2014-DELINST/DRCOR/SR/DPF/RS (ID 44875747); (4) declarações prestadas por PEDRO EVALDT FERNANDES em sede de inquérito policial; (5) depoimentos judiciais de Ronaldo Borges de Matos e Juliana Santos Fernandes; e (6) interrogatório judicial de PEDRO EVALDT FERNANDES.

Em resumo, e para que fique claro: à exceção do interrogatório do recorrente, todos os documentos e depoimentos, tanto aqueles colhidos na esfera policial quanto os realizados em seara judicial, incluído o interrogatório de Pedro, estampam a ocorrência do delito.

PEDRO EVALDT FERNANDES, codenunciado não recorrente, ratifica em juízo o seu depoimento realizado perante a autoridade policial:

Que a conta da água foi fornecida por Leandro na época. Que Leandro lhe garantiu que não teria problemas. Que não foi com fins lucrativos. Que seu pai mora em Morrinhos do Sul, mas não tinha comprovante de residência, por isso não usou o endereço de seu pai. Que seu pai sempre foi bem atendido em Morrinhos quando precisou, por isso quis dar uma ajuda para Leandro. Que sua filha usou a mesma conta de água para transferir o título. Que Leandro lhe garantiu que não era nada ilegal. Que a conta da água que Leandro lhe forneceu estava em seu nome. Que Leandro pegou seus dados e transferiu uma conta de água para seu nome. Que não sabe dizer se isso ocorreu com outros eleitores. Que Leandro era um bom prefeito.

E, no concernente à aludida conta de água, sublinho as elucidativas informações obtidas por meio de diligências policiais junto ao DEMAM, órgão responsável pelas leituras e impressões das contas de água do município, reportadas em relatório (ID44875731), do qual transcrevo excerto:

A equipe policial, no dia 24 de junho do corrente ano compareceu no município de Morrinhos do Sul. Nas novas diligências constatamos que o DEMAM fica localizado no prédio da prefeitura daquele município, cito a rua Antônio Jose Carlos 01, centro, Morrinhos do Sul. Contatamos com o senhor RONALDO BORGES DE MATOS, que é funcionário público daquele município desde 1993. que o DEMAM foi criado em 1998 e desde aquela época trabalha naquele setor. (…) Ronaldo informou que no DEMAM especificamente trabalham somente ele e o senhor VALDEMAR MARTINS EVALDT, também funcionário público concursado desde 2003, quando iniciou as atividades no DEMAM. Que Ronaldo faz o serviço interno e Valdemar faz o serviço externo (leitura de hidrômetros).

Ronaldo Borges de Matos respondeu às seguintes perguntas:

1 – Quem era o responsável pela emissão das contas de água durante os primeiros 3 meses de 2012? Ronaldo respondeu que o responsável ‘indireto’ pelo DEMAN é ele mesmo desde 1998, quando o setor foi criado.

2 – O encarregado de imprimir diretamente nas residências a conta de água é VALDEMAR MARTINS EVALDT desde quando começou a exercer suas atividades no DEMAM.

3 – Se Ronaldo sabe sobre os fatos em tela respondeu que sabe por conversas de ‘corredor’ sobre o ocorrido.

4 – Sobre a vinculação do DEMAM com o prefeito LEANDRO BORGES EVALDT, Ronaldo respondeu que Leandro Borges Evaldt é o prefeito de Morrinhos do Sul, e que é chefe direto da administração daquele município. Que dentre as secretarias do município, está a SECRETARIA MUNICIPAL DE OBRAS, VIAÇÃO E TRANSPORTES, no qual a DEMAM é vinculada. Que a maioria das secretarias ficam no mesmo prédio da prefeitura.

(…)

6. O prefeito, apesar de estar no mesmo prédio da DEMAM, não mantém contato direto com Ronaldo. Se for necessário alguma ordem ou diretriz, este é feito através da Secretaria de Administração ou com o Secretário da secretaria Municipal de Obras, Viação e Transportes.

7 – Em relação ao pagamento em dúplice das contas de água da folha 44 do apenso12, Ronaldo pesquisou no banco de dados e informou que a conta foi paga no dia 30 de janeiro de 2012, e que o sistema depois de uma vez quitado o pagamento, não aceita que seja pago novamente. Que na data do pagamento a conta de água do endereço Rua João Francisco Becker casa 47, centro, Morrinhos do Sul, estava em nome de Leandro Borges Evaldt. Que o nome do responsável pela conta de água, Leandro Borges Evaldt foi trocado em 03 de abril de 2014, pois sabe que a casa foi alugada.

8 – No momento do usuário pagar a conta de água, esta é feita na tesouraria da prefeitura. Quem estão autorizados a receber os pagamentos em favor da Prefeitura, inclusive as contas de água, são MARCOS TULIO DA SILVA BECKER e LUCIANA SELAU MAGNUS MARTINI.

Em relação às assinaturas da folha 44 do apenso constatamos que a conta de água na parte superior da página a assinatura é desconhecida. Observamos que esta conta é uma 2ª via pelo tamanho e o “layout”, pois a 1ª via que sai do equipamento usado na hora do registro na rua é de tamanho menor.

Na conta de água da parte inferior da página 44, a assinatura no carimbo de ‘PAGO’ é de Marcos Tulio da Silva Becker.

Na conta de água da da página 121, a assinatura no carimbo de ‘PAGO’ é de Marcos Tulio da Silva Becker.

Em contato feito desta equipe policial com o Sr. MARCOS TULIO DA SILVA BECKER, tesoureiro da prefeitura de Morrinhos do Sul, foi-lhe apresentados os seguintes quesitos:

1 – Que exerce suas funções na tesouraria da prefeitura de Morrinhos do Sul desde 1993.

2 – Que não tem nenhum vínculo partidário naquele município.

3- Que o pagamento das contas de água é feita pelos usuários na tesouraria dentro da prefeitura de Morrinhos do Sul. Salvo uns 4 ou 5 casos em que os proprietários moram longe eu pagamento é depositado na conta-corrente da prefeitura daquele município.

4 – No caso de ser extraviada a 1ª via da conta de água, pode ser impresso uma 2ª via na tesouraria. Esta 2ª via é emitida pelo tesoureiro. E devido à necessidade de arrecadação financeira, não é feito nenhum tipo de conferência em relação ao usuário cadastrado na conta e a pessoa que está pagando

5 – Que a conta paga no DEMAM é lançada no sistema, que não aceita o pagamento em dúplice.

6 – Marcos afirma não ter feito troca de domicílio no cadastro da conta de água no endereço da rua João Francisco Becker n. 47 daquele município, onde na referida conta na folha 44 do apenso consta o nome de PEDRO EVALDT FERNANDES”.

(Grifei.)

 

Ainda, Ronaldo Borges de Matos, servidor do DEMAM referido na informação policial e vizinho de LEANDRO, em juízo, asseverou que o endereço constante da conta de água era da residência de LEANDRO, estando situada na mesma rua em que ele, Ronaldo, residiu desde o seu nascimento, bem demonstrando a circunstância de que o recorrente atribuíra a PEDRO uma declaração de residência não correspondente à realidade.

Tenho como inconteste a utilização de documento falsificado e, em resumo, houve a transferência de inscrição eleitoral do Município de Canoas, onde PEDRO residia, para o Município de Morrinhos do Sul, conforme os documentos emitidos pela Zona Eleitoral. A operação foi realizada sob a indução, instigação do recorrente LEANDRO, primo de PEDRO e prefeito à época dos fatos.

Sublinho que a tese defensiva amparada na negativa de fatos descola da realidade ao se encontrar distante dos demais elementos de prova, sendo impositiva a manutenção da sentença, que reconheceu a prática, pelo recorrente, de induzir alguém, PEDRO, a inscrever-se eleitor com infração da lei eleitoral.

4.2. Da corrupção de menor com a indução à prática de infração penal

Aponto que o tipo penal descrito no art. 244-B da Lei n. 8.069/91 (ECA) expõe no seu preceito primário o induzimento, no caso, de pessoa menor de 18 anos, à prática de infração penal, gênero do qual o crime eleitoral é espécie, da mesma forma que o art. 290 do Código Eleitoral.

A denúncia relata o fato nesses termos:

No dia 30 de abril de 2012, JULIANA SANTOS FERNANDES, menor de 18 anos na época dos fatos (nascida em 23/08/1994), inscreveu-se como eleitora no município de Morrinhos do Sul, fraudulentamente, comprovando seu domicílio eleitoral mediante apresentação de conta de água ideologicamente falsa. Em período anterior e próximo a dta acima descrita LEANDRO BORGES EVALDT e PEDRO EVALDT FERNANDES prestaram auxílio intelectual e material para que JULIANA SANTOS FERNANDES fosse inscrita fraudulentamente como eleitora no município de Morrinhos do Sul. LEANDRO BORGES EVALDT e PEDRO EVALDT FERNANDES cometeram os seguintes atos de participação na conduta JULIANA SANTOS FERNANDES:

(1) Auxílio material: LEANDRO BORGES EVALDT entregou em mãos de PEDRO EVALD FERNANDES conta de água, com informações ideologicamente falsas, para que este comprovasse, de forma fraudulenta, a sua transferência de título de eleitor e na inscrição de JULIANA SANTOS FERNANDES o domicílio eleitoral em Morrinhos do Sul; a referida conta de água descrevia como titular e residente na Rua João Francisco Becker, 47, centro, Morrinhos do Sul, PEDRO EVALDT FERNANDES, quando o verdadeiro titular era o próprio LEANDRO BORGES EVALDT.

(2) Auxílio intelectual (instigação): PEDRO EVALD FERNANDES, na condição de pai de JULIANA SANTOS FERNANDES, instigou esta a inscrever-se fraudulentamente eleitora no município de Morrinhos do Sul;

(…)

LEANDRO BORGES EVALDT e PEDRO EVALDT FERNANDES facilitaram a corrupção de JULIANA SANTOS FERNANDES, por meio de auxílio material e intelectual ao ato de inscrição fraudulenta cometido por ela, no dia 30/04/2012.

Igualmente, adianto que o conjunto probatório apresenta elementos suficientes para a construção de um juízo condenatório.

A autoria e materialidade estão concretizadas (1) pela fatura de serviço de água e esgoto de imóvel situado no Município de Morrinhos do Sul, em nome de PEDRO EVALDT FERNANDES (ID 44876062, fl. 06); (2) pelo requerimento de alistamento eleitoral subscrito por Juliana Santos Fernandes (ID 44876062), deferido conforme relatório de requerimentos de alistamento eleitoral (ID 44876061); (3) pela diligência policial junto ao Departamento DEMAM, concernente à conta de água em nome de PEDRO EVALDT FERNANDES, trazida aos autos como Informação n. 2875/2014-DELINST/DRCOR/SR/DPF/RS (ID 44875747); (4) por declarações prestadas por Pedro Evaldt Fernandes em sede de inquérito policial; (5) pelo interrogatório judicial de PEDRO EVALDT FERNANDES (ID 44875945); e (6) depoimento judicial de Juliana Santos Fernandes (ID 44875893).

Destaco excerto do depoimento de PEDRO EVALDT FERNANDES, pai de Juliana, prestado em sede policial e reafirmado em Juízo: “Que sua filha usou a mesma conta de água para transferir o título. Que LEANDRO lhe garantiu que não era nada ilegal. Que a conta da água que LEANDRO lhe forneceu estava em seu nome.”

Em resumo, houve a inscrição fraudulenta de Juliana Santos Fernandes como eleitora no Município de Morrinhos do Sul, conforme os documentos emitidos pela Zona Eleitoral. A operação foi realizada sob a indução e instigação de seu pai PEDRO, influenciado por LEANDRO, que também providenciou auxílio material. Ademais, como já referido, é inconteste a utilização de documento falsificado, conta de água referente a imóvel de LEANDRO na qual se fez constar o nome de PEDRO EVALDT FERNANDES no lugar do nome de LEANDRO BORGES EVALDT, entregue por este a PEDRO que, por sua vez, repassou à Juliana.

Por fim, e no concernente à alegação do recorrente no sentido de que PEDRO e sua filha teriam deixado de prestar compromisso para prejudicar o apelante, indico que PEDRO não prestou compromisso por ser corréu no processo, e Juliana não o fez em razão de ser filha do acusado, bem como que é indiferente o fato de que a investigação tenha se iniciado por notícias de adversários políticos, sobretudo em um quadro de excelente instrução processual, com inquérito policial de trabalho zeloso. O juízo de origem atentou para toda a prova produzida, quer inquisitorial, quer judicial.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.