REl - 0600311-81.2020.6.21.0022 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/09/2022 às 16:00

VOTO

O recurso é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto pela Coligação UNIDOS POR UM DOIS LAJEADOS MELHOR contra sentença que julgou improcedente a AIJE em desfavor de TIAGO GRANDO, FABIANA GIACOMIN e EDSON MACAGNAN.

Segundo defende a recorrente, no Município de Dois Lajeados, com o propósito de favorecer a candidatura dos recorridos, teriam sido praticados três fatos caracterizadores de abuso dos poderes econômico e político e conduta vedada a agentes públicos.

Passo à análise.

 

I - Do Abuso do Poder Político em Evento de Recolhimento de Lixo às Margens de Rodovia Estadual

A recorrente sustenta que, no dia 4 de julho de 2020, EDSON MACAGNAN, servidor público, ocupante do cargo de Tesoureiro do Município de Dois Lajeados, do qual se encontrava licenciado para concorrer a mandato eletivo, organizou um movimento de recolhimento de lixo às margens da Rodovia ERS 129, publicado no Facebook, em 22 de junho de 2020, com os seguintes dizeres:

Pessoal, estou organizando a coleta de lixo jogado as margens da rodovia RS129, precisamos de voluntários para essa tarefa, já temos apoio da Polícia Rodoviária Estadual e da Brigada Militar de Dois Lageados que farão a sinalização da rodovia, também temos apoio do Município de Dois Lageados que providenciará o transporte do lixo coletado, será no próximo dia 04/07 apartir das 13:00 horas, voluntários chamar no whatsapp 54 9 99924044.

 

Afirma a Coligação recorrente que o evento teve indisfarçável cunho político, configurando abuso de poder político, em face de o Município de Dois Lajeados não ter providenciado somente o recolhimento do material, mas também ter disponibilizado transporte em ônibus pertencente ao ente estatal para as pessoas que participaram do ato, inclusive com a presença do prefeito, candidato à reeleição.

E conclui que, “ao incorrer em vedação do inciso I do art. 73 da Lei 9.504/1997, os Srs. Tiago Grando (conduta típica) e Edson Macagnan (beneficiário direto da conduta vedada) devem ser penalizados nos termos dos §§ 4.º e 5.º do mesmo artigo”.

Na sentença, o ilustre Magistrado a quo entendeu não haver ilicitude no ato, assim fundamentando sua decisão:

Com efeito, no que atine a prática de conduta vedada e abuso de poder político em razão de evento organizado pelo representado Edson Macagnan, verifico que a situação telada não ocorreu exclusivamente no ano respectivo ano eleitoral, já tendo sido realizada prática semelhante em anos anteriores, inclusive com engajamento da comunidade. Pontuo que a participação do município em eventos desta natureza, de forma regular e quando não evidenciado o caráter eleitoreiro, não afronta a norma eleitoral. In casu, não é possível presumir o contrário, sobretudo porque o evento atacado ocorreu em momento anterior ao pleito eleitoral, como bem pontuou o MPE, antes mesmo do lançamento das candidaturas dos representados.

 

Pois bem.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral, em iterativa jurisprudência, entende que, para a caracterização do abuso de poder, "é necessária a comprovação da gravidade dos fatos, e não sua potencialidade para alterar o resultado da eleição, isto é, deve-se levar em conta o critério qualitativo - a aptidão da conduta para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos -, e não o quantitativo, qual seja a eventual diferença de votos entre o candidato eleito para determinado cargo e os não eleitos" (REspe n. 1-14/MG, Rel. Ministro Admar Gonzaga, DJe de 25.2.2019).

Na espécie, cumpre destacar que evento similar, de coleta de lixo às margens da mesma estrada estadual, ocorrera anteriormente, consoante chamamento público levado a efeito em 30 de maio de 2017, via rede social Facebook, URL: https://www.facebook.com/doislajeados/photos/a.744104155745789/800849863404551 (ID 44886456, fl. 4), ocasião em que a Prefeitura, com apoio da ASEPP (Associação de Estudantes do Pequeno Paraíso), da Brigada Militar e da EGR, realizou o “Mutirão da Limpeza”.

Denota-se, portanto, tratar-se de realização promovida pela Prefeitura, em que o recorrido EDSON é servidor público, sendo aberta ao público em geral.

Examinando a prova carreada ao feito, adstrita às postagens realizadas pelo recorrido EDSON MACAGNAN em sua página pessoal no Facebook, não se observa qualquer conotação eleitoral no episódio, no qual, pelo que se depreende das imagens, compareceu reduzido número de pessoas.

Ademais, sequer é apontado que os recorridos tenham realizado manifestações ou pronunciamentos explícitos de cunho eleitoral, ou que tenham desempenhado participações que excederam ao que razoavelmente se espera em eventos da espécie.

No ponto, adoto a percuciente análise contida no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Quanto ao primeiro ponto apresentado pela coligação, de eventual abuso de poder político na organização de evento de recolhimento de lixo às margens da Rodovia ERS 129, há de se concordar com o argumento utilizado pelo Ministério Público Eleitoral, em parecer, no sentido de que tal iniciativa não foi inaugurada no ano de 2020, já que havia sido realizada com estrutura semelhante no ano de 2017, oportunidade em contou com a participação da Associação de Estudantes do Pequeno Paraíso, da Brigada Militar e da EGR. Naquela oportunidade o município teria disponibilizado caminhões para o transporte do lixo recolhido, situação que se assemelha a participação do município no transporte de voluntários. Outro aspecto importante ressaltado pelo Ministério Público Eleitoral é o fato de que o evento noticiado foi realizado antes mesmo do lançamento das candidaturas dos representados.

 

Assim, não há que se falar em abuso de poder político, para o qual se requer prova robusta de utilização indevida de bens públicos ou servidores em proveito de determinada candidatura, de maneira a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições e gerar desequilíbrio na disputa.

Acerca do ponto, já assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral que “abuso de poder político, para fins eleitorais, configura-se no momento em que a normalidade e a legitimidade das eleições são comprometidas por condutas de agentes públicos que, valendo-se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas, em manifesto desvio de finalidade" (RCED 661/SE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJE de 16.2.2011), o que não restou demonstrado no presente feito.

Outrossim, em face de não estar evidenciado que o ato foi permeado de caráter eleitoral, a disponibilização pela municipalidade de ônibus aos participantes, viabilizando seu deslocamento até o local da atividade, não caracteriza ofensa ao art. 73, inc. I, da Lei n. 9.54/97, que assim dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

 

A conduta vedada no dispositivo pressupõe a cessão ou utilização de bem público em benefício de candidato, partido político ou coligação, o que não restou demonstrado na espécie.

Nessa linha, destaco o seguinte julgado do TSE:

ELEIÇÕES SUPLEMENTARES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. GOVERNADOR E VICE–GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA E ABUSO DO PODER POLÍTICO. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. APURAÇÃO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. COMPRA DE APOIO POLÍTICO POR MEIO DE EMENDAS PARLAMENTARES E CONVÊNIOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO ILÍCITO. UTILIZAÇÃO DE BENS PÚBLICOS MÓVEIS E IMÓVEIS NA CAMPANHA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PROVAS. USO PROMOCIONAL DE SERVIÇOS DE CARÁTER SOCIAL. CONDUTA VEDADA CARACTERIZADA. MULTA. APLICAÇÃO. RAZOABILIDADE. ABUSO DE PODER. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. BENEFÍCIO ELEITORAL NÃO PROVADO. PROVIMENTO PARCIAL.

(...)

7. Da utilização de bens públicos móveis e imóveis na campanha eleitoral dos recorridos

7.1. Para a comprovação da conduta prevista no art. 73, I, da Lei nº 9.504/97, exige-se o uso efetivo, real, de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração pública em benefício de determinada candidatura e em detrimento das demais.

7.2. Na hipótese, os elementos probatórios não demonstram, de forma cabal, que as reuniões promovidas na sede do governo do estado tiveram motivação de cunho eleitoreiro e que os veículos à disposição da administração pública foram efetivamente utilizados em atos de campanha.

7.3. Delineado esse quadro, não há como afastar a conclusão do acórdão regional quanto à ausência de configuração da alegada conduta ilícita, haja vista a inexistência de provas robustas de que houve a efetiva utilização do aparato estatal em benefício da campanha eleitoral dos recorridos nas eleições suplementares de 2018.

8. Do uso promocional de serviços de caráter social custeados pelo poder público em benefício das candidaturas de Mauro Carlesse e Wanderlei Barbosa Castro

8.1. O Parquet narra que consta dos autos um vídeo gravado no Município de Couto Magalhães/TO em que a presidente da Agência Tocantinense de Saneamento (ATS), Roberta Castro, ora recorrida, aparece acompanhada de lideranças políticas locais e de servidores do órgão devidamente uniformizados, "inaugurando" um poço artesiano perfurado pelo estado.

8.2. Conforme assentado no próprio acórdão recorrido, nos termos do entendimento firmado nesta Corte, "a infração esculpida no inciso IV do art. 73 da Lei nº 9.504/97, requesta que se faça promoção eleitoral durante a distribuição de bens e serviços custeados ou subvencionados pelo Poder Público" (Rp nº 848–90, de minha relatoria, DJe de 11.10.2014).

8.3. No caso, como se observa do teor da mensagem veiculada no mencionado vídeo, a presidente da ATS, no momento da inauguração do poço artesiano que teria sido perfurado com recursos estatais, faz claro uso promocional do evento em favor do candidato Mauro Carlesse.

8.4. Não há dúvida de que a presidente da ATS praticou a conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97, razão pela qual, observado o princípio da proporcionalidade, deve ser aplicada a cada um dos recorridos – Roberta Castro, Mauro Carlesse e Wanderlei Barbosa Castro – a sanção pecuniária prevista no art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/97, no valor mínimo de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos).

8.5. Na linha da jurisprudência desta Corte, "o regime de responsabilidade delineado no microssistema jurídico das condutas vedadas atinge tanto os responsáveis quanto os beneficiários (art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei nº 9.504/97)" (AgR–REspe nº 0000609–49/MS, de minha relatoria, DJe de 6.6.2020).

8.6. Conquanto caracterizada a conduta vedada estabelecida no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97, deve ser mantida a conclusão do TRE/TO quanto à ausência de gravidade. Com efeito, uma gravação de obra realizada em um pequeno município do Estado do Tocantins, acompanhada da promessa de realizações de mais obras públicas de mesmo porte, não tem gravidade suficiente para afetar a igualdade de oportunidade entre os candidatos a governador do Estado nas eleições suplementares de 2018.

9. Recurso ordinário parcialmente provido para, reconhecida a prática da conduta vedada prevista no art. 73, IV b, da Lei das Eleições, condenar a responsável pelo ilícito, Roberta Castro, e os beneficiários, Mauro Carlesse e Wanderlei Barbosa Castro, à pena de multa no valor individual de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos).

(RO n. 060038425, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 95, Data 26.5.2021.) (Grifei.)

 

Cumpre gizar que não procede a tese trazida no apelo, em que equipara à inauguração de obra prevista no art. 77 da Lei n. 9.504/97, pois o TSE já consolidou o entendimento que “nas condutas vedadas previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleições imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (REspe n. 626-30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 4.2.2016).

A compreensão de inauguração de obra pública possui contornos próprios e específicos, diferenciando-se da atividade em comento, em que não se verifica registro de evento, solenidade, discursos ou cerimônias típicas de inaugurações de obras recém finalizadas pela administração.

Portanto, em relação ao ponto, a sentença não merece reforma.

 

II - Do Abuso dos Poderes Político e Econômico por Distribuição de Brita

A recorrente alega que, apesar de Dois Lajeados não ter ampliado sua área nem suas estradas, houve incremento de 75% no gasto com compra de brita entre os anos de 2017 e 2020 (nove meses considerados).

Relata na exordial que o município possui programa de acesso à brita para melhoria das vias de comunicação das propriedades rurais. Entretanto, o aumento, como se verifica das planilhas da empresa fornecedora do produto, desborda da razoabilidade, aduzindo que houve colocação em propriedades particulares, beneficiando a candidatura de TIAGO GRANDO e FABIANA GIACOMIN.

Na sentença, o Juízo Eleitoral, com acerto, compreendeu não ter havido abuso de poder (ID 44886493):

Quanto ao aumento dos valores gastos com brita adquirida pelo Município para a melhoria dos acessos as propriedades rurais de Dois Lajeados, tenho igualmente que a situação telada não se amolda ao apontado abuso de poder político, ao menos por duas razões: em primeiro lugar, a necessidade da implementação de melhorias nas vias rurais pelo ente municipal revela-se não uma mera faculdade deste, mais sim uma obrigação, de modo que tão somente a compra e utilização de brita não significa puramente nada além do cumprimento de uma atividade inerente a administração.

É certo, no entanto, que a realização desta atividade deve ocorrer nos limites das necessidades do município e dentro das demais regras que regem a atuação administrativa do ente. Em outras palavras, o atendimento do dever estatal em comento deve corresponder a uma necessidade pública, jamais há outra finalidade específica, quiça eleitoral. No caso, e justamente aqui a segunda razão pela qual entendo não estar configurado a aludido abuso de poder político e econômico, vislumbra-se que o município vem realizando a atividade de melhoria das vias rurais ao menos desde 2017, sendo que, durante este período, não se pode verificar um aumento expressivo nos gastos realizados pelo município com a aquisição de brita.

 

Em realidade, consoante levantamento realizado pela recorrente em suas alegações finais (ID 44886490), que foi reproduzido no parecer do Ministério Público Eleitoral na instância de origem (ID 44886492) e no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45015409), as despesas contratadas pela Prefeitura com a aquisição de brita, ao longo dos anos de 2017 a 2020, não apresentam variação exorbitante, máxime no comparativo entre os anos de 2019 e 2020. Os cálculos indicam que, em 2017, o valor total despendido foi de R$ 218.391,57; em 2018, R$ 226.826,74; em 2019, R$ 313.437,65; e em 2020, até 23.10.2020, R$ 346.910,58.

Além disso, há que se frisar que o preço da tonelada da brita sofreu majoração no período em tela, passando de R$ 32,80, em 2017 (ID 44886461), para R$ 33,80, em 2019 (ID 44886464), e finalmente R$ 34,80, em 2020 (ID 44886466).

Não bastasse isso, a Lei Municipal n. 1.147, de 13.4.2007, com as alterações implementadas pela Lei Municipal n. 1.367, de 07.02.2011 (ID 44886460), visando beneficiar pequenos estabelecimentos rurais de Dois Lajeados, dispõe, em seu art. 3º, inc. II, al. “b”, que podem ser doados até 20 m³ de brita ao munícipe, de acordo com o projeto de terraplenagem, escavo, destocagem, limpeza de terreno, transporte e abertura de vias de acesso, in verbis:

Art. 3º São estabelecidos os seguintes Programas e Projetos, cuja execução será de responsabilidade da Secretaria Municipal da Agricultura e Meio Ambiente:

(…).

II - PROGRAMA DE MECANIZAÇÃO AGRÍCOLA:

(…).

b) Projetos de Terraplenagem, Escavos, Destocagem, Limpeza de Terreno, Transporte e Abertura de Vias de Acesso - Incentivos:

1 - isenção de serviços de horas-máquina para abertura de acesso à propriedade, inclusive com colocação de tubos, ensaibrar e britar, entendendo-se por acesso única e exclusivamente aquele que liga à residência dos munícipes, pocilgas, aviários, estábulos e similares;

2 - destocagem, limpeza de terreno e outros serviços dentro das lavouras, com subsídio de 50% (cinquenta por cento) nos serviços de trator de esteira, escavadeira hidráulica, carregadeira e retroescavadeira, com limite de 10 (dez) horas por produtor ao ano, sendo estes serviços terceirizados.

3 - doação de até vinte metros cúbicos (20m³) de brita de acordo com Projeto e transporte gratuito do restante;

5 - isenção de até 20 (vinte) horas máquina para serviços de escavos e terraplenagem de aviários, pocilgas, estábulos e similares e incentivos de oitenta por cento (80%) nas horas máquina trabalhadas que superem as 20 (vinte) horas, sempre observando as condições técnicas do Parque Rodoviário Municipal.

Parágrafo único. Todo o Munícipe que contratar serviços particulares de horas-máquina para realização de terraplanagem, não realizadas pelo Município, por questões técnicas do parque rodoviário, para residências, aviários, pocilgas, estábulos e similares, terão isenção dos serviços de transporte de caminhão e serviços de complementação que serão realizados pelo equipamento rodoviário municipal.

 

Portanto, vê-se que a doação de brita, seu transporte à propriedade rural do munícipe e a abertura de acesso estão previstos na legislação municipal, de sorte que o incentivo oferecido pelo ente público à população que preencha os requisitos decorre da lei, não sendo mera benesse dos administradores à testa do Poder Executivo local.

Ademais, ausente indicações cabais de gasto anormal ou extraordinário em ano eleitoral, não há como embasar a caracterização de abuso de poder ou conduta vedada nas eleições.

Assim, não havendo evidência de que a distribuição de brita desbordou dos parâmetros legais e se deu em proveito das candidaturas de TIAGO GRANDO e FABIANA GIACOMIN, afigura-se descabida a alegação de abuso dos poderes político e econômico.

 

III - Do Abuso dos Poderes Político e Econômico pelo Uso Promocional de Distribuição Gratuita de Bens e Serviços

O terceiro fato relacionado consiste na publicação no Facebook, em 30.9.2020, de vídeo com propaganda dos postulantes à reeleição TIAGO GRANDO e FABIANA GIACOMIN (https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=3130852293690599&id=100002975776092), em que foi veiculada a seguinte afirmação (00:00:46 a 00:01:05):

Em nosso próximo mandato, iremos manter a política de terraplanagem gratuita para a construção de moradias, ampliações ou novos empreendimentos agrícolas. Além disso, iremos manter e ampliar a renovação e manutenção constante da patrulha agrícola, para que as máquinas possam estar a disposição do agricultor.

 

Na inicial, os demandantes defendem que a mensagem é contrária aos ditames da Lei Municipal n. 1.147/07, modificada pela Lei 1.367/11, suscitando a seguinte tese:

Sendo assim, a mensagem do candidato de que vai manter a política de terraplanagem gratuita para a construção de moradias, ampliações ou novas construções de empreendimentos agrícolas:

 

a) Configura abuso do poder político ao fazer propaganda eleitoral usando de serviços gratuitos à população pagos ou subvencionados pelo Poder Público (art. 73, IV, da Lei 9.504/1997); ou

 

b) Se trata de informação falsa, pois a gratuidade absoluta propagada, em tese, não encontra amparo em Lei (art. 323 do Código Eleitoral); ou

 

c) Se trata de evidente renúncia ilícita de receita, o que caracteriza abuso do poder político (art. 73, § 10, da Lei 9.504/1997).

 

E conclui que “os representados Tiago Grando e Fabiana Giacomin devem ser penalizados nos termos dos §§ 4.º e 5.º do artigo 73 da Lei 9.504/1997, e/ou indiciados por crime eleitoral do art. 323 do CE”.

A sentença assim enfrentou a questão:

Por fim, quanto a prática de conduta vedada pela representada Fabiana Giacomin, em razão do uso promocional de distribuição gratuita de serviços públicos (terraplanagem), por meio de manifestação na rede social Facebook em 30/09/2020, tenho, igualmente, que a aludida situação não importa em afronta a norma eleitoral, mas mero exercício de propaganda eleitoral admitida.

No ponto, peço vênia para transcrever o trecho do D. Parecer emitido do Ministério Público:

 

“Consoante se extrai dos autos, o autor aponta a seguinte declaração como ato abusivo:

 

(…).

 

Tal afirmação se trata de evidente promessa de campanha de proceder a manutenção e ampliação de programa prestado pelo município, Não há como considerar que uma promessa de candidato de promover, em caso de reeleição, a manutenção e ampliação de políticas existentes no Município, como característica de abuso de poder político, com potencialidade de gerar desequilíbrio no pleito.

 

E, adiante nesse estudo, não se logrou êxito em elucidar, que tal declaração trate-se de promessa de distribuição dos serviços já ofertados pelo Município, previsto na legislação municipal, em troca de votos.”

 

Irresignada com a sentença, a recorrente afirma que “nenhuma menção ao fato de que à época da campanha, estava em vigor no município a Lei Municipal n. 1.147/2007, que determinava a cobrança desses serviços. Ou seja, não se trata de mera promessa eleitoral, mas sim de manipulação de informação, desconectada da legalidade vigente, para alcançar resultado eleitoral”.

Quanto a esse ponto, igualmente, as razões recursais não prosperam.

Segundo a Coligação UNIDOS POR UM DOIS LAJEADOS MELHOR, a publicação da mensagem configurou crime, abuso de poder político ou conduta vedada.

Ora, a divulgação de promessa genérica, em meio lícito e dentro do período de campanha, ainda que envolvendo iniciativa governamental passível de discussões sobre sua viabilidade ou legalidade, não caracteriza conduta enganosa ou abusiva.

De pronto, impende anotar que a AIJE não se presta a analisar a ocorrência de crime, que requer ação penal própria, de sorte que descabe pronunciamento a tal respeito no presente feito.

Noutro giro, o fato não se amolda à conduta vedada pelo art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, porquanto não houve, no âmbito da administração pública, uso promocional em favor de candidato de distribuição gratuita de bens e serviços custeados pelo poder público, conforme reclama o texto expresso da norma:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…).

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

 

In casu, ocorreu tão somente promessa de campanha, veiculada em rede social na página do candidato TIAGO GRANDO, de manutenção para a próxima gestão de programa já implementado no município, não caracterizando a conduta proscrita.

Nesse sentido está a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO. CONDUTA VEDADA. USO PROMOCIONAL DE PROGRAMA SOCIAL. AUTORIZAÇÃO LEGAL E EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA NO EXERCÍCIO ANTERIOR. INEXISTÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. DIVULGAÇÃO DE AÇÕES DO GOVERNO. POSSIBILIDADE. CANDIDATO À REELEIÇÃO. CONCEPÇÃO DE GRATUIDADE DO BENEFÍCIO. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO ELEITORAL MOVIDA PELA COLIGAÇÃO ADVERSÁRIA. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO INTERNO. 

1. O TRE/MT julgou parcialmente procedente representação por conduta vedada, por considerar que o chefe do Poder Executivo estadual, candidato à reeleição no pleito de 2018, fez uso promocional do programa Pró-Família, destinado a ações de transferência de renda, por meio de publicação em rede social, em contrariedade ao disposto no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/1997. 

2. A decisão agravada deu provimento ao recurso especial para julgar improcedente a representação e desconstituir a multa aplicada, ante a inexistência de contemporaneidade entre a efetiva entrega de benesse custeada pelo Poder Público e a suposta promoção pessoal, bem como por entender que a mera divulgação de ações de governo implementadas no decorrer da gestão constituem ato típico de propaganda eleitoral de candidatos à reeleição.  

3. Esta Corte Superior entende que, para a configuração da conduta prevista no art. 73, IV, da Lei das Eleições, faz-se mister que a distribuição de bens e serviços sociais custeados ou subvencionados pelo Poder Público ocorra durante o suposto ato promocional. Precedente: REspe nº 42232–85/RN, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 8.9.2015, DJe de 21.10.2015.  

4. No caso, extrai-se do acórdão que o vídeo e a imagem a que faz menção o Tribunal regional apenas retratam a condição social de uma cidadã que, no passado, foi beneficiária do programa Pró-Família. 

5. Não há que se confundir o momento da entrega do benefício social com a data da postagem das mídias que retratam a vida de uma pessoa que já é beneficiária do programa social.  

6. A divulgação de programa social em curso durante o período eleitoral cuja execução se iniciou em exercício anterior não se subsome à conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/1997, sendo lícito ato de publicidade das ações do governo. 

7. Na hipótese, a lei que instituiu o programa estatal enumera uma série de requisitos necessários para a concessão – e manutenção – do benefício, o que denota a existência de contrapartida por parte dos beneficiários, circunstância que, na linha da jurisprudência desta Corte Superior, afasta a incidência da conduta vedada descrita no inciso IV do art. 73 da Lei nº 9.504/1997. Precedente: REspe nº 349–94/RS, rel. Min. Luciana Lóssio, julgado em 20.5.2014, DJe de 25.6.2014.  

8. A jurisprudência do TSE não restringe a concepção da gratuidade prevista no art. 73, IV, da Lei das Eleições, apenas ao aspecto financeiro da contrapartida, sendo certo que as disposições que tipificam as condutas vedadas devem ser interpretadas restritivamente, por serem de legalidade estrita.  

9. Negado provimento ao agravo interno.

(REspE n. 060039853, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE, Tomo 122, Data 22.6.2020.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, IV, DA LEI Nº 9.504/97. DIVULGAÇÃO EM REDE SOCIAL DE AÇÕES DE GOVERNO. IMPROCEDENTE. SÚMULA 30. DESPROVIMENTO. 

1. O Agravante não apresentou argumentos capazes de conduzir à reforma da decisão agravada. 

2. Não configurada a prática da conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei das Eleições, a qual exige que a ação social realizada pela administração seja concomitante com o ato de divulgação promocional. Precedente. Aplicação da Súmula 30 do TSE. 

3. Agravo Regimental desprovido.

(AgR-AREspE n. 060007108, Acórdão, Relator Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE, Tomo 142, Data 03.8.2021.) (Grifei.)

 

Da mesma maneira, a conduta não pode ser qualificada como aquela tipificada no art. 73, § 10, da Lei das Eleições, que assim preceitua:

Art. 73. (…).

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

 

Ora, o fornecimento de serviços de terraplenagem pela Prefeitura de Dois Lajeados a proprietários de imóveis rurais possuía previsão em lei municipal e caráter de continuidade, inexistindo notícia de falta de execução orçamentária no exercício anterior, o que impede a incidência da vedação contida na regra em comento.

Ademais, a impugnação foi dirigida à divulgação da mensagem, e não propriamente sobre a execução da política pública, que é exatamente o que cuida o § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Por fim, é de se destacar que, consistindo o ato em propaganda eleitoral, efetuado dentro dos limites admitidos pela legislação de regência, se revela despropositada a alegação de abuso de poder político.

 

Conclusão

Desse modo, não se verificando provas robustas e cabais da ocorrência de abuso de poder econômico ou político, tampouco prática de conduta vedada a agentes públicos, impõe-se a manutenção da sentença que julgou improcedente a AIJE ajuizada contra TIAGO GRANDO, FABIANA GIACOMIN e EDSON MACAGNAN.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.