MSCiv - 0600702-34.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/08/2022 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, registro a viabilidade da impetração do mandado de segurança em face das decisões proferidas no âmbito do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, as quais não ostentam caráter jurisdicional, mas eminentemente administrativo.

O entendimento está consolidado no art. 54, § 3º, da Resolução TSE n. 23.608/19, que estabelece o mandado de segurança como a via cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia, in verbis:

Art. 54. A competência para o processamento e julgamento das representações previstas no Capítulo II não exclui o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral e as enquetes, que será exercido pelas juízas ou pelos juízes eleitorais, por integrantes dos tribunais eleitorais e pelas juízas ou pelos juízes auxiliares designados.

§ 1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral é restrito às providências necessárias para inibir ou fazer cessar práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas e das matérias jornalísticas ou de caráter meramente informativo a serem exibidos na televisão, na rádio, na internet e na imprensa escrita.

§ 2º No exercício do poder de polícia, é vedado à magistrada ou ao magistrado aplicar sanções pecuniárias, instaurar de ofício a representação por propaganda irregular ou adotar medidas coercitivas tipicamente jurisdicionais, como a imposição de astreintes (Súmula nº 18/TSE).

§ 3º O mandado de segurança é a via jurisdicional cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia.

(Grifei.)

Na hipótese, a partir de notícia de irregularidade em propaganda eleitoral oferecida pelo Diretório Estadual do PT, autuada sob o NIP n. 0600043-29.2022.6.21.0031, a Juíza Eleitoral da 031ª Zona, no exercício do poder de polícia, determinou a remoção do outdoor instalado na BR 470, Km 270, em frente ao pórtico de São José do Sul, em decisão assim lavrada (ID 45023449, fls. 19-21):

(...).

Nesse diapasão, impõe-se reconhecer como irregular o uso de outdoor com mensagem de apoio a pré-candidato, indicando sua aceitação, quiçá de natureza eleitoral, perante o conjunto de eleitores de um município mediante palavras destacadas pelo candidato e de forte apelo e valor junto ao eleitorado, ou seja, "Deus", "Pátria" e "Família". Trata-se de modalidade de propaganda vedada tanto no período eleitoral quanto no pré-eleitoral.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido do diretório estadual Partido dos Trabalhadores - PT para:

a) Determinar a retirada do outdoor localizado na BR 470, Km 270, em frente ao pórtico de São José do Sul, no prazo de 48 horas. Ante a inexistência de órgão municipal constituído em São José do Sul, a notificação para retirada deverá ser dirigida ao diretório estadual do Partido Liberal - PL, considerando que, na forma do artigo 241 do Código Eleitoral, toda propaganda eleitoral "é realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-se-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos", devendo, no mesmo prazo de 48 horas, a grei partidária juntar aos presentes autos comprovação do cumprimento da medida.

(...).

Posteriormente, o Juízo Eleitoral indeferiu pedido de reconsideração da ordem deduzido pelo Diretório Estadual do PL (ID 45023449, fls. 32-43), confirmando a determinação para que o órgão partidário promovesse a remoção de outdoor considerado propaganda eleitoral ilícita, no prazo de 2 (dois) dias, nos seguintes termos (ID 45023449, fls. 47-53):

(...).

Por fim, a determinação de retirada da propaganda eleitoral deve ser dirigida ao diretório estadual do partido ante a ausência de órgão municipal constituído em São José do Sul, bem como pela previsão inserida no artigo 241 do Código Eleitoral, que regulamenta que toda propaganda eleitoral é realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-se-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos.

Ante o exposto, mantenho a decisão anteriormente proferida, determinando:

a) ao Cartório a retificação da autuação, incluindo o diretório estadual do Partido Liberal – PL, na autuação do presente feito como terceiro interessado;

b) a notificação do diretório estadual do Partido Liberal - PL para que, no prazo de 2 (dois) dias, providencie a retirada do outdoor localizado na BR 470, Km 270, em frente ao pórtico de São José do Sul, comprovando nestes autos, no mesmo prazo, o cumprimento da medida;

c) a ciência do Juízo deprecado acerca da desnecessidade de cumprimento da precatória expedida, considerando o devido peticionamento nos presentes autos.

(...).

Como se percebe, embora o impetrante tenha referido a aplicação de multa diária de R$ 1.000,00 por descumprimento, não houve imposição de astreintes ou qualquer outra medida cominatória nas decisões impugnadas.

Em uma primeira ordem de argumentos, o órgão partidário nega qualquer participação na contratação do serviço de outdoor e afirma desconhecer detalhes do negócio, o que lhe impediria de cumprir a decisão que ordenou a remoção, tornando-a inexequível.

Entendo que assiste razão ao impetrante.

Em relação à responsabilidade pelo cumprimento da ordem de retirada do artefato publicitário, não há nos autos originários qualquer elemento concreto que relacione a instalação do outdoor com o Diretório Estadual do PL.

Depreende-se da própria decisão impugnada que a responsabilidade pela instalação do artefato é ignorada, pois determinação dirigida ao órgão partidário teve por base o art. 241 do Código Eleitoral, pelo qual “toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos”.

O dispositivo legal, porém, tem incidência nas representações eleitorais por propaganda irregular, conferindo legitimidade passiva à agremiação pela qual concorre o candidato autor ou beneficiário do ilícito, como pressuposto para a sua responsabilização pela satisfação de eventual sanção pecuniária.

Sobre o ponto, assim registra a doutrina de Carlos Mário da Silva Velloso e Walber de Moura Agra:

Como foi mencionada a responsabilidade pelo pagamento das multas decorrentes da propaganda irregular é solidária entre os partidos e seus candidatos, todavia, havendo provas que ela foi produzida sem o conhecimento do(s) beneficiário(s), a responsabilidade se direciona para os executores da publicidade. (VELLOSO, C. M. D. S.; AGRA, W. D. M. Elementos de Direito Eleitoral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. E-book, p. 471)

De seu turno, em sede de poder de polícia, cujos expedientes têm natureza administrativa e se restringem às providências necessárias para inibir práticas ilegais (art. 41, § 2º, da Lei n. 9.504/97), a ordem de remoção dos aparelhos publicitários considerados irregulares deve direcionar-se exclusivamente ao efetivo responsável pela conduta, especialmente se afixado em propriedade privada, pois é este que deterá imediatas condições para o cumprimento da ordem.

Assim, caberia ao denunciante ou ao próprio Juízo investido no poder de polícia promover diligências prévias para elucidar a identidade do realizador do outdoor, de seu contratante, da empresa exploradora do serviço ou do proprietário do terreno utilizado, a fim de dar efetividade à decisão, não sendo cabível a atribuição de tal ônus à agremiação alheia ao fato, ainda que vinculada ao suposto candidato beneficiado.

Cabe ressaltar, outrossim, o entendimento jurisprudencial no sentido de que o desrespeito da ordem exarada pelo Juiz Eleitoral em poder de polícia pode caracterizar o tipo penal de desobediência eleitoral, nos termos do art. 347 do Código Eleitoral, a exigir redobradas cautelas em relação ao direcionamento da determinação à pessoa que tenha possibilidade concreta de pronto cumprimento das providências necessárias.

Na mesma linha, colho o entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral:

De fato, na ausência de indicativos de que o impetrante, de alguma forma, forneceu meios ou participou da instalação do citado outdoor, não há como lhe atribuir a responsabilidade de retirar o artefato. Há responsáveis diretos pela propaganda, como a empresa que administra o outdoor, o proprietário do terreno onde ele está situado, o contratante da propaganda, que podem ser identificados pelo exercício do poder de polícia a cargo do Poder Judiciário Eleitoral, o qual abrange as providências necessárias para inibir ou fazer cessar práticas ilegais, consoante prevê o art. 6º, §2º, da Res. TSE nº 23.610/2019.

Assim, entendo estar evidenciado o direito líquido e certo do impetrante em não ser compelido ao cumprimento da ordem sobre aparato instalado por terceiros, em propriedade também alheia, ante a ausência de elementos dos quais se depreenda a participação do órgão partidário na realização direta da publicidade.

Por sequência, em argumentação subsidiária, o impetrante defende que o artefato não configura propaganda eleitoral irregular, pois não constatado viés eleitoral ou qualquer relação com as eleições de 2022, tendo sido, provavelmente, custeado por atores da comunidade local em demonstração de apoio às políticas do atual Presidente da República.

Ocorre que, uma vez reconhecida a ausência de comprovação da participação da grei partidária na instalação da publicidade, está prejudicada a apreciação da legalidade ou não da peça.

Inclusive, ante os estreitos limites da via mandamental, cujo objeto é a defesa de direito líquido e certo próprio do impetrante, entendo inviável o enfrentamento da regularidade ou irregularidade do outdoor, em vista da ilegitimidade do autor para a defesa da liberdade de manifestação e expressão de terceiros.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela concessão da segurança, confirmando a liminar deferida, para cassar a decisão que determinou ao impetrante a remoção do outdoor.

A retirada do outdoor deverá ser analisada pelo juízo de origem, podendo determinar que seja feita pelo proprietário da área, pelo  responsável pela peça ou, ainda determinar ao Poder Público que o faça, seja por meio da prefeitura municipal, do DAER, do DNIT, de mesmo por força policial acompanhada por oficial de justiça, ficando a critério do juiz de origem definir a forma que melhor der eficácia e efetividade à sua decisão de retirada do artefato, que segue mantida pela Corte.