REl - 0600451-29.2020.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/08/2022 às 14:00

VOTO

 

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas.

 

Da admissibilidade

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Do Mérito

Cuida-se de recurso interposto por MARCOS ANDRÉ PIAIA e ANDRE SIGNOR, chapa majoritária eleita em Barra Funda no pleito 2020, contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 83ª Zona - Sarandi, que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio, proposta pelos recorrentes em face de ROBERTO ONGARATTO (Presidente do Diretório Municipal do PDT), ALICE KLAHN MALMANN e ROGERIO GARBOZZA, candidatos aos cargos de prefeita e vice-prefeito, por entender ausente gravidade apta a qualificar a conduta, oferta gratuita de serviços com maquinário, como ilegal.

Inicialmente, assinalo que o conceito de abuso de poder é indeterminado e aberto, não sendo definido por condutas taxativas.

Destarte, os atos abusivos serão assim interpretados nas hipóteses em que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

Quanto ao tema, colaciono doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

Considera-se abuso de poder econômico o emprego do excesso de poder econômico para desequilibrar o pleito eleitoral, podendo ocorrer nos gastos acima do limite fixado, no que inclui alimentação, combustível e militância, na compra de apoio político e no direcionamento de recursos materiais relevantes para gastos vedados pela legislação, como a distribuição de brindes. De forma mais delineada, o abuso de poder econômico refere-se à utilização excessiva, antes, durante ou depois da campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando a normalidade, a isonomia e a legitimidade das eleições.

Assim, vislumbra-se o abuso de poder econômico nas situações que endossam os gastos eleitorais em demasia com escopo de influenciar a vontade do eleitorado, desvirtuando-a de sua opção inicial para que escolha candidato que disponha desses recursos.

(...)

O abuso de poder econômico ocorre sob o aspecto quantitativo, ou seja, através da exorbitância de recursos materiais que é despendido em uma campanha além dos limites estipulados legalmente. Portanto, seriam ações que fogem dos parâmetros da razoabilidade e da normalidade em razão de determinado contexto.

(VELLOSO, Carlos Mário da Silva e AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. 7. edição. Editora Saraiva, 2020, pág. 379.)

 

A quebra da normalidade e legitimidade do pleito está vinculada à gravidade das circunstâncias aptas a afetarem a lisura da disputa, sem a necessidade de ser demonstrado que a ausência da conduta abusiva levaria as eleições a resultado diverso.

E, nesse sentido, bem esclarece José Jairo Gomes:

É preciso que o de poder seja relevante, ostentando aptidão para comprometer a integridade, lisura, normalidade e legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do abuso sejam graves (LC considerado o evento 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente propiciar a alteração do resultado das eleições. Isso significa que elas devem evidenciar “gravidade suficiente para amesquinhar a principiologia reitora do processo eleitoral (legitimidade e normalidade das eleições e lisura do prélio), independentemente da diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocado. [...]. 20. O fato de as condutas supostamente abusivas ostentarem potencial para influir no resultado do pleito é relevante, mas não essencial. Há um elemento substantivo de análise que não pode ser negligenciado: o grau de comprometimento aos bens jurídicos tutelados pela norma eleitoral causado por essas ilicitudes, circunstância revelada, in concrecto, pela magnitude e pela gravidade dos atos praticados” (TSE – REspe no 139248/SP – DJe, t. 107, 2-6-2017, p. 37-40).

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação entre, de um lado, o fato imputado e, de outro, seu consectário consistente na falta de integridade, higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito. Impõe-se a presença de liame objetivo entre tais eventos.

(GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 18. edição. Grupo GEN, 2022, pág. 923.)

 

Na mesma linha, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, em iterativa jurisprudência, entende que, para a caracterização do abuso de poder, "é necessária a comprovação da gravidade dos fatos, e não sua potencialidade para alterar o resultado da eleição, isto é, deve-se levar em conta o critério qualitativo - a aptidão da conduta para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos -, e não o quantitativo, qual seja a eventual diferença de votos entre o candidato eleito para determinado cargo e os não eleitos" (REspe n. 1-14/MG, Relator: Min. Admar Gonzaga, DJe de 25.02.2019).

Por outro lado, a compra de votos tem previsão legal no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cuja redação é a seguinte:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei n. 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009)

 

Para a captação ilícita de sufrágio, é necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, em qualquer das condutas previstas no art. 41-A da Lei Eleitoral ocorridas entre a data do registro de candidatura e a eleição, bem como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor.

Nessa linha, colaciono julgado do TSE:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. PAGAMENTO EM TROCA DE VOTOS. TRANSPORTE DE ELEITORES. BOCA DE URNA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. MULTA.

(...)

MÉRITO.

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. CONFIGURAÇÃO. OFERTA DE TRABALHO REMUNERADO E TRANSPORTE GRATUITO DE ELEITORES NO DIA DA ELEIÇÃO EM TROCA DE VOTO. ANUÊNCIA DO CANDIDATO. COMPROVAÇÃO.

6. No mérito, nos termos do art. 41–A da Lei 9.504/97, "constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter–lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive".

7. Conforme jurisprudência desta Corte Superior, para se configurar a captação ilícita de sufrágio, é necessária a presença dos seguintes elementos: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; e (d) a participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito.

(...)

(RO n. 060186731, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 230, Data 14.12.2021.) (Grifei.)

 

Estabelecidas tais premissas, passo à análise do fato supostamente caracterizador dos ilícitos eleitorais objeto deste feito, adiantando que o recurso não merece provimento.

A conduta descrita na exordial versa sobre o oferecimento de vantagens ilícitas em troca de votos para a candidata ao cargo de chefia do Poder Executivo da municipalidade, Alice Klahn Malmann, do PDT, realizada pelo então Presidente do Partido, Roberto Ongaratto, configurando abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio.

As benesses ofertadas via grupo no Whatsapp consubstanciavam-se em serviços de máquina gratuitos, os quais, no entender dos autores, desequilibrariam as eleições, na medida em que doados buscando, em contrapartida, votos, ainda que seu pedido não tenha se dado de forma expressa.

Em irresignação, os candidatos eleitos aduzem não se tratar de mera “brincadeira”, termo utilizado na sentença, pois as mensagens tinham cunho eleitoreiro, quando da oferta gratuita, em período eleitoral, para um grupo com mais de 100 participantes, de serviços que, se executados pela prefeitura, seriam por esta cobrados, convertendo-se em favorecimento direto à chapa composta pelo partido presidido pelo doador.

O ato, segundo os demandantes, encontra vedação no art. 22, caput e inc. XIV, da LC n. 64/90, o qual determina a abertura de investigação judicial para apuração da conduta e tem como pena a declaração de inelegibilidade dos representados por 8 anos subsequentes à eleição em que ocorrida, além da cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado pela interferência do poder econômico, e culmina com a captação ilícita de sufrágio, disposta no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, que prevê multa de mil a cinquenta mil Ufir e, tal qual o art. 22 da Lei das Inelegibilidades, a cassação do registro ou diploma.

Os recorrentes buscam alicerçar sua tese na jurisprudência e nos testemunhos colhidos na origem, os quais, no entender deles, comprovam, indene de dúvidas, que a dádiva ofertada pelo presidente da grei tinha por fito angariar o voto dos munícipes.

Nesses casos, o entendimento sufragado pelo TSE é de que o abuso do poder econômico caracteriza-se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa, sendo imprescindível, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, que a Justiça Eleitoral, mediante provas robustas, verifique a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade.

Nesse sentido, trago à colação julgado daquela Corte:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. IMPRESTABILIDADE DA PROVA. REJEIÇÃO. DEPOIMENTO PESSOAL. MEIO DE PROVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSENTIMENTO DA PARTE. POSSIBILIDADE. LIMITES. DEMANDA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. PRINCÍPIO. ADSTRIÇÃO. ALEGAÇÃO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. ENGAJAMENTO. EMPRESÁRIO. CAMPANHA DE CANDIDATO. PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. COAÇÃO. EMPREGADOS. INICIATIVA PRIVADA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. 

1. A petição inicial não é inepta quando presentes seus elementos essenciais (partes, causa de pedir e pedido) e ausentes os vícios previstos no art. 330, § 1º, do CPC/2015, de modo a possibilitar às partes o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como o esclarecimento dos fatos no curso da instrução processual. 

2. As partes não estão obrigadas a prestar depoimento pessoal, ante a falta de previsão na LC nº 64/90 e o caráter indisponível dos interesses envolvidos, embora não estejam impedidas de fazê-lo, caso a isso se disponham (AgR–RMS n. 2641/RN, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27/9/2018; RHC n. 131/MG, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 5/8/2009; e HC nº 85.029, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 1º/4/2005). 

3. O art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 1990, exige, para a abertura de investigação judicial eleitoral, que sejam relatados fatos e indicados provas, indícios e circunstâncias, sem prejuízo de que, no curso da instrução, esteja assegurado o uso dos meios legais e moralmente legítimos para provar a verdade dos fatos, submetido ao controle e ao convencimento motivado do julgador (CPC/2015, arts. 369 a 371). 

4. O candidato supostamente beneficiado pelo abuso de poder é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de investigação judicial eleitoral, ainda que a conduta investigada não seja a ele atribuída. Precedente. 

5. O princípio jurídico processual da congruência, adstrição ou correlação estabelece que o pronunciamento judicial fica adstrito ao pedido e à causa de pedir postos na inicial da ação, pela iniciativa do autor, não competindo ao julgador modificar, suprir ou complementar o pedido da parte.

6. A ampliação dos poderes instrutórios do juiz pelo art. 23 da LC nº 64/90 e pelo CPC/2015 deve ocorrer nos limites predefinidos como pedido e causa de pedir pelo autor da ação, porquanto cabe às partes descrever os elementos essenciais à instrução do feito, e não ao magistrado, que não é autor da ação. 

7. "Uma das garantias processuais mais relevantes, integrante do justo processo jurídico, é aquela que diz respeito à ciência, pela pessoa acionada, de todos os fatos e argumentos alegados contra si pela parte promovente. Por isso se diz que a petição inicial define os polos da demanda e delimita o seu objeto, em face do qual se desenvolve a resposta à lide e se instala a atividade probatória. A instrução visa ao convencimento do Julgador, quanto à materialidade e à autoria dos atos postos na imputação (inicial da ação sancionadora), sendo a sua produção o núcleo ou o centro da solução da questão. Não se pode aceitar (nem se deve aceitar) decisão judicial condenatória sem prova concludente dos fatos imputados e da sua autoria". (AIJE nº 1943-58, Redator para o acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 12/9/2018) 

8. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não se constitui mais em fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento. 

9. O abuso do poder econômico, por sua vez, caracteriza-se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa. 

10. Não configura prática abusiva o engajamento de empresário na campanha de determinado candidato, mediante o encaminhamento de vídeo a seus funcionários, no qual se limita a convidá-los a participar de ato de campanha, sem exteriorizar ameaças ou retaliações aos que não aderirem à iniciativa. 

11. Inexistência, nesse caso, de acervo probatório seguro a demonstrar a prática de condutas concretas de manifesto constrangimento, capazes de incutir em contingente expressivo de pessoas a ideia de que o fato de determinado candidato não se eleger poderá ocasionar prejuízos a sua relação de trabalho. 

12. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes. 

13. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as questões preliminares, se julga improcedente.

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 060157558, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 60, Data 28.3.2019.) (Grifei.)

 

Em relação à captação ilícita de sufrágio, o TSE consolidou posicionamento no sentido de que a configuração da prática demanda atenção aos seguintes requisitos: “(a) capitulação expressa da conduta no tipo legal descrito no art. 41–A da Lei n. 9.504/1997; (b) realização da conduta no período eleitoral; (c) prática da conduta com o especial fim de agir, consubstanciado na vontade de obter o voto do eleitor ou de grupo determinado ou determinável de eleitores; (d) existência de conjunto probatório robusto acerca da demonstração do ilícito, considerada a severa penalidade de cassação do registro ou diploma” (RO n. 0603024-56.2018.6.07.0000/DF, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 215, Data: 26.10.2020).

No caso concreto, ante o arcabouço probatório, não se vislumbra a comprovação robusta e inequívoca da hipótese vertida no recurso, no pertinente à compra de votos, supostamente ocorrida por meio de mensagens via Whatsapp, mediante oferecimento de serviços gratuitos de maquinário, em prol da candidatura de Alice Malmann e Rogério Garbozza, candidatos pela coligação majoritária AGORA É SIM (PDT/PTB). Do que se depura não preenchidos os requisitos quanto à caracterização do especial fim de agir e a demonstração do ilícito com base em acervo probatório sólido.

O arquivo tido por chave da investigação não conduz, em momento algum, à ciência, à autorização ou ao proveito dos candidatos ao pleito majoritário, tampouco indica pedido de voto da parte de Roberto Ongaratto, citado como Chilaque, na esfera do aplicativo de conversas.

A corroborar, faz parte deste círculo o próprio recorrente, de sorte que desprovida de lógica a conjectura objeto da lide, visto que o meio escolhido, grupo no Whatsapp, de regra é composto por pessoas que se conhecem ou compartilham de algo em comum, autorizando, no mais das vezes, certas permissividades, para não usar o termo “brincadeira” citado no bojo do recurso. Note-se, inclusive, o tom impessoal, próprio dos diálogos entre amigos, usando apelidos, e a troca de informações cotidianas, por todos os participantes conhecidos, em nítida prova de convívio, justamente devido ao nível de intimidade do grupo.

Vale citar, quanto ao ponto, de forma a ratificar o entendimento exposado desde a origem, trecho do exauriente parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, verbis:

Assiste razão ao agente ministerial atuante em primeiro grau e ao Juízo a quo quanto à conclusão de que o áudio divulgado por Roberto não passou de mera brincadeira entre amigos, sobretudo pelo fato de que o adversário político dos demandados, ora autor da ação originária, fazia parte do grupo. Nas palavras do MPE, soa absolutamente irrazoável se aventar de abuso de poder econômico, a inspirar até mesmo, se fosse o caso, captação ilícita de sufrágio, quando praticado em meio tão difundido e exposto (grupo de whataspp), e que tinha em seus integrantes, inclusive, além de correligionários e simpatizantes, o próprio candidato oposto. Não bastasse isso, tem-se ainda que não restou demonstrado minimamente que os candidatos investigados de alguma forma participaram das supostas condutas ilícitas relatadas, ainda que indiretamente, sendo que, como já referido, exige-se, para a comprovação da captação ilícita de sufrágio, a comprovação da explícita anuência ou evidente omissão dos candidatos. De fato, as provas aportadas aos autos são insuficientes para comprovar a relação entre eles e as supostas cooptações de voto descritas neste processo.

 

Melhor sorte não socorre os autores quanto à jurisprudência colacionada, pois nos arestos de 12.6.2012, relator Min. Gilson Langaro Dipp, relator designado Min. Arnaldo Versiani Leite Soares (TSE - 1510-12.2010.603.0000. RO – Recurso Ordinário n. 151012 – Macapá/AP), bem como no voto proferido pelo Min. Marcelo Henrique Ribeiro de Oliveira, em 15.9.2010 (TSE- 39316-02.2009.600.0000. AgR-AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 12261 - Doutor Ulysses/PR. Acórdão de 15.9.2010. Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data: 6.10.2010, Página 61), a conclusão dos julgados, pela caracterização da compra de voto, se deu com a participação direta dos candidatos e com arrimo em acervo probatório suficiente à tipificação do ilícito, situação que passa ao largo da demanda em apreço.

Na mesma linha o acórdão de relatoria da Min. Fátima Nancy Andrighi (TSE - 8156-59.2010.613.0000. AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 815659 - Mato Verde/MG. Acórdão de 01.12.2011. Relator(a) Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 026, Data: 06.02.2012, Página 28), em que demonstrado o liame familiar e político entre os autores da conduta e os candidatos beneficiados (primos e cabos eleitorais).

Calha frisar, por fim, que, não obstante os recorrentes advoguem em prol da gravidade da conduta, a qual teria aptidão para desequilibrar o pleito e macular sua lisura, normalidade e legitimidade, e, igualmente, ferir a paridade de armas entre os players da eleição, os autores conquistaram a vitória nas urnas, com margem superior a 300 votos (1.449 contra 1.092), de forma a sustentar o raciocínio aqui esgrimido pela ausência de prejuízo ao sufrágio de 2020.

 

Do exposto, tenho que a conduta, tida por irregular, na esteira do parecer ministerial, não ostenta a gravidade pretendida pelos autores, capaz de macular a paridade de armas entre os candidatos durante o prélio eleitoral, diante da inexistência de prova cabal e segura da aventada captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico, devendo a sentença de improcedência ser mantida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhor Presidente.