REl - 0601196-25.2020.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/08/2022 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em razão do recebimento de seis depósitos em espécie, efetuados em datas iguais, totalizando R$ 4.625,00, caracterizando-se como recebimento de recursos de origem não identificada, bem como devido ao excesso de autofinanciamento, no valor de R$ 25.997,77, uma vez que os candidatos aplicaram recursos próprios na quantia de R$ 46.409,00, enquanto o limite máximo era de R$ 20.411,23 para o Município de Cidreira/RS.

Em relação à primeira irregularidade, foram identificados dois depósitos em espécie no dia 22.10.2020, nos valores de R$ 100,00 e R$ 1.000,00, pelo mesmo CPF n. 001.559.650-85, doadora Janaina Maria Groff Santos, e no dia 19.11.2020 foram efetuados quatro depósitos em espécie, três na quantia de R$ 1.064,00 e um de R$ 333,00, pelo mesmo CPF n. 927.480.150-53, doador o próprio candidato a prefeito, Alexsandro Contini de Oliveira, totalizando a quantia de R$ 4.625,00.

A sentença considerou a irregularidade como recurso de origem não identificada, entretanto não determinou seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

Com referência à segunda irregularidade, para o pleito do Município de Cidreira foi fixado pelo TSE o valor de R$ 204.112,27 como limite de gastos para os cargos de prefeito e vice-prefeito, estabelecendo-se, para a chapa, a possibilidade de aplicação de 10% de recursos próprios na campanha, no total de R$ 20.411,23.

Os candidatos extrapolaram em R$ 25.997,77 o limite legal, considerada a soma dos recursos próprios doados, na proporção de R$ 21.409,00 pelo candidato a prefeito, e de R$ 25.000,00 pelo candidato a vice-prefeito, totalizando R$ 46.409,00.

Pelo raciocínio exposto na peça recursal, os candidatos defendem que o limite de aplicação de recursos próprios seria considerado isoladamente, ou seja, à razão de R$ 20.411,23 para o candidato a prefeito, e também de R$ 20.411,23 para o candidato a vice-prefeito, raciocínio que culminaria com um patamar máximo de autofinanciamento de R$ 40.822,46.

Alegam que essa é a melhor interpretação ao dispositivo legal inserido na norma eleitoral pela Lei n. 13.878/19, e que inexistem precedentes jurisprudenciais do Tribunal Superior Eleitoral.

De fato, até dezembro de 2021 não havia um normativo ou posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral expresso sobre o tema, somente em dezembro de 2021 o TSE, por meio da Resolução n. 23.665/2021, acrescentou o § 1º-A ao art. 27 da Resolução TSE n.23.607/19, a fim de conferir mais clareza ao tema.

Todavia, é entendimento doutrinário e jurisprudencial uníssono que, em matéria de financiamento de campanha, a sistemática geral é de que as regras sobre limites de gastos devem ser observadas pela chapa e pelo partido ou coligação por qual concorrem os candidatos. 

Não há limites individualizados em razão do princípio da unicidade ou indivisibilidade da chapa majoritária – previsto no art. 91 do Código Eleitoral, no § 1º do art. 3º da Lei n. 9.504/97, e arts. 77, § 1º, e 28 da Constituição Federal –, o qual restringe candidaturas isoladas para os cargos concebidos para ter natureza dúplice.

A lição doutrinária bem explica que o cargo de vice não pode ser considerado isolado do cargo de prefeito, o que corrobora a conclusão pelo acerto da sentença recorrida ao somar os recursos aplicados na campanha para fins de limite de autofinanciamento:

Em regra, o Vice tem recebido – doutrinária e jurisprudencialmente – tratamento similar ao do Chefe do Poder Executivo respectivo, porquanto é sua atribuição básica e fundamental o exercício das atribuições do titular quando configurada a situação de ausência – seja eventual ou definitiva. Corrobora tal assertiva, aliás, a adoção do princípio da unicidade de chapa, pelo qual o registro dos candidatos ao Executivo “far-se-á sempre em chapa única e indivisível” (art. 91 do CE). No entanto, não se pode olvidar uma elementar distinção: ao contrário do titular do mandato, o Vice não possui inato poder de mando – já que somente exerce as atribuições de governo constitucional e legalmente previstas quando em efetivo exercício no cargo do titular.

Com a edição da EC nº 16/97 (que instituiu a reeleição para os cargos do Poder Executivo) e em face da similitude de tratamento entre o titular ao cargo de Chefe do Poder Executivo e seu respectivo Vice, resta superado o entendimento sumular do enunciado nº 8 do TSE, que dispunha que o Vice-Prefeito é inelegível para o mesmo cargo. Consoante NERI DA SILVEIRA (p. 63), “o TSE adotou jurisprudência no sentido da íntima convicção entre os titulares do Poder Executivo e o respectivo Vice”. Com efeito, é princípio basilar do Direito Eleitoral que o candidato a Vice possui uma relação de dependência com o pretendente ao cargo máximo do Executivo respectivo. Esta regra é excepcionada em situações específicas e pontuais. Assim, v.g., a declaração de inelegibilidade do candidato ao cargo de Chefe do Poder Executivo, se fundada em motivo de cunho pessoal, não atinge a do respectivo Vice (art. 18 da LC nº 64/90). A correta compreensão da relação do Chefe do Poder Executivo e seu Vice pode ser assim delineada: existe relação de dependência no que pertine a submissão a vontade popular, já que o voto é exarado sempre na chapa; inexiste a relação de dependência quando a declaração de inelegibilidade é calcada em motivos pessoais (não, contudo, quando a inelegibilidade decorre de ato de abuso de poder, apurado em regular processo eleitoral, havendo a contaminação da respectiva chapa).

(Zilio, Rodrigo López; Direito Eleitoral. Porto Alegre: Verbo Jurídico. 3.ed, p. 241.)

Por conta da máxima da indivisibilidade da chapa, a Resolução TSE n. 23.607/19, ao dispor sobre a arrecadação, os gastos e a prestação de contas nas eleições, prevê que o candidato ao cargo de vice deve observar as limitações estabelecidas para o titular em diversas hipóteses: a) no caso de arrecadação realizada pelo vice ou pelo suplente, devem ser utilizados os recibos eleitorais do titular (§ 8º do art. 7o); b) os candidatos a vice e suplente não são obrigados a abrir conta bancária (§ 3º do art. 8o); c) o candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa (parágrafo único do art. 39); d) para a aferição dos limites de gastos com atividades de militância, serão consideradas e somadas as contratações realizadas pelo titular e as realizadas pelo vice ou suplente (art. 41, § 5o); e) a prestação de contas do titular abrangerá o vice ou o suplente (art. 45, § 3º); f) a decisão que julgar as contas abrangerá o vice ou o suplente (art. 77).

Por esses fundamentos, comungo do entendimento de que o § 1º do art. 27 Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta o art. 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97, não estabeleceu um limite de autofinanciamento individualizado para os cargos de prefeito e vice.

Sobre o tema, localizei os seguintes acórdãos do TRE da Paraíba e do Mato Grosso do Sul com o mesmo entendimento, a saber:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. RECURSOS PRÓPRIOS APLICADOS NA CAMPANHA EM VALOR ACIMA DOS 10% DO LIMITE DE GASTOS FIXADO PARA A CANDIDATURA. VALOR EXPRESSIVO. FALHA GRAVE QUE COMPROMETE A REGULARIDADE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. IRRESIGNAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ZONAL. DESPROVIMENTO.
1. A extrapolação do limite de gastos realizados com recursos próprios, previsto no art. 27, § 1º, da Res. TSE nº 23.607/2019, quando se tratar de montante relevante, é falha de natureza grave que conduz à desaprovação das contas, fazendo incidir a multa prevista no § 4º do referido dispositivo legal.
2. Desprovimento do recurso.
(TRE-PB, REl n. 060026075, ACÓRDÃO, Relator ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO, DJE 05.5.2021.)

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE. CONTAS APROVADAS NA ORIGEM. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS EM MONTANTE SUPERIOR A 10% DO LIMITE LEGAL. PRINCÍPIO DA UNICIDADE DE CHAPA. INVIABILIDADE DE TRATAMENTO INDIVIDUAL E ISOLADO AO PREFEITO OU VICE. MONTANTE QUE SE APRESENTA ELEVADO NO CONTEXTO DAS CONTAS E QUE NÃO PODE SER CONSIDERADO DE PEQUENA MONTA. NÃO INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO. CONTAS DESAPROVADAS. IMPOSIÇÃO DA PENALIDADE DE MULTA. 1.Na eleição majoritária municipal não ocorre dissociação entre o candidato a prefeito e o outro a vice-prefeito, sendo correta a insurgência contra sentença que aprovou a prestação de contas relativa ao pleito se do total é verificada a existência de excesso no emprego de recursos próprios na campanha, em afronta ao disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019. 2. A limitação à arrecadação de recursos próprios no patamar de 10% do valor estabelecido como teto para gastos de campanha no cargo foi aplicada inicialmente nas últimas eleições de 2020, mediante inovação trazida pela Lei nº 13.878/2019, que acrescentou o § 2º-A ao art. 23 da Lei nº 9.504/1997. A alteração legislativa deve ser compreendida em harmonia sistemática com o princípio da unicidade e indivisibilidade da chapa, conforme previsto no art. 91 do Código Eleitoral, sendo irrelevante naquele aspecto a candidatura majoritária ter composição plurissubjetiva ou dúplice. 3. Inviável conferir tratamento individual e isolado ao prefeito ou ao vice-prefeito de uma mesma chapa, no tocante ao registro de suas candidaturas e realização de campanhas, inclusive no que se refere aos limites legais de arrecadações e gastos. Ademais, o critério individual para aferição do limite de autofinanciamento, não se harmoniza com o sistema eleitoral majoritário e demais normas de financiamento de campanha que decorrem da unicidade da chapa. 4. Irregularidade que representa mais de 80% do limite de recursos para autofinanciamento, contexto em que a jurisprudência deste Tribunal não admite a incidência dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, mormente porque o valor da irregularidade corresponde a R$ 9.992,26. Necessidade de imposição da multa de 100% sobre a quantia excedente, pois afigura-se razoável e proporcional à falha verificada, devendo a penalidade ser destinada ao Fundo Partidário, nos termos do art. 38, inciso I, da Lei nº. 9.096/1995. 5. Provimento do recurso. Cominação da sanção de multa. composição plurissubjetiva ou dúplice.

(TRE-MS – Rel n. 060032159 Caarapó/MS 060032159, Relator: WAGNER MANSUR SAAD, Data de Julgamento: 28.9.2021, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 183.) (Grifei.)

De fato, tratando-se de chapa à eleição majoritária, portanto una e indivisível, não há como considerá-la isoladamente, devendo a análise do limite de autofinanciamento ser considerada em conjunto.

A Procuradoria Regional Eleitoral, trazendo à tona julgado desta Corte em que fui relator, manifestou-se nesse mesmo sentido:

[…]
O § 1º do art. 27 da Resolução TSE nº 23.607/2019 dispõe que “O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (art. 23, § 2º-A da Lei nº 9.504/1997)”.

Diversos dispositivos da Resolução TSE nº 23.607/2019 indicam que, para verificação da observância do limite de gastos para o autofinanciamento na candidatura majoritária, devem ser computados conjuntamente os recursos próprios doados pelo candidato titular e pelo vice:

- A prestação de contas do titular da chapa abrange a do seu vice, o qual somente pode prestar contas sozinho na inércia do titular (artigos 45, § 3º e 77, caput e parágrafo único, da Resolução TSE nº 23.607/2019). Nesse sentido, veja-se que no extrato da prestação de contas, os recursos próprios do candidato e do vice estão somados na mesma rubrica.

- O candidato a vice não é obrigado a abrir conta bancária, mas, se o fizer, os extratos deverão compor a prestação de contas do titular (art. 8º, § 3º, da Resolução TSE nº 23.607/2019).

- No tocante aos recibos eleitorais, a arrecadação realizada pelo candidato a vice utiliza os recibos eleitorais do titular (art. 7º, § 8º, da Resolução TSE nº 23.607/2019).

- O candidato a vice não pode constituir fundo de caixa (art. 39, parágrafo único, da Resolução TSE nº 23.607/2019).

- Para aferição dos limites de gastos para contratação de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua são consideradas as contratações realizadas pelo titular e pelo vice (art. 41, § 5º, da Resolução TSE nº 23.607/2019).

Veja-se que, para aferição do limite global de gastos da candidatura majoritária não se discute que são somadas as receitas do titular e do vice, tanto que este utiliza os recibos do titular. E assim é, pois, como é cediço, a chapa majoritária é una e indivisível (art. 18, § 1º, da Resolução TSE nº 23.609/2019).

Nesse sentido, não é estabelecido limite para candidatura de vice, mas apenas de, no que interessa ao caso, Prefeito. Daí que todos os valores arrecadados são somados para verificação da observância do limite global.

Não deve ser diferente em relação ao limite para o autofinanciamento, que corresponde a 10% do limite global para cada candidatura, nos termos do art. 23, § 2º-A, da Lei das Eleições:

§ 2º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer.
Não há limite global previsto para gastos de campanha no cargo de vice, sendo que o limite é estabelecido para o cargo do titular. Portanto, a norma sobre o limite do autofinanciamento, que se baseia apenas no limite para o cargo de titular, aplica-se aos candidatos da chapa majoritária conjuntamente.

Essa é a interpretação que melhor se coaduna com a finalidade da norma, que é a de assegurar maior equilíbrio financeiro entre os candidatos em disputa, em prestígio ao princípio da isonomia. Se para os candidatos à eleição proporcional entende-se que o percentual de 10% do limite legal de gastos da campanha é o adequado, não há razão para se entender que para a eleição majoritária o percentual seria de 20% (10% do titular e 10% do vice).
[…]

Nesses termos, a irresignação não comporta provimento em virtude de as irregularidades constituírem recursos de origem não identificada, que perfaz a quantia de R$ 4.625,00, e excesso de aplicação de valores próprios, na importância de R$ 25.997,77, totalizando R$ 30.622,77, que representa 44,89% do total das receitas financeiras, no montante de R$ 68.209,00, e ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico.

Outrossim, não se discute dolo ou a má-fé dos recorrentes, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência, a confiabilidade e a lisura da prestação de contas.

Com essas considerações, não é adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, pois a falha é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira.

Não houve pedido específico de redução da multa, nem foi alegada a impossibilidade ou insuficiência de recursos para o adimplemento, cuja obrigação é solidária, e não individual, pois o limite é de ambos, de modo que a penalidade de multa fixada na sentença, no percentual de 100% da quantia em excesso, encontra previsão no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e o patamar se afigura razoável, adequado e proporcional à falha verificada.

Contudo, deve ser corrigido de ofício o erro material da sentença, ao destinar o valor da multa ao Tesouro Nacional, pois a sanção por excesso do limite de autofinanciamento deve ser recolhida ao Fundo Partidário, na forma do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a sentença de desaprovação das contas e a condenação dos recorrentes ao pagamento da multa de R$ 25.997,77, retificando sua destinação, a fim de que seja recolhida ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.