CumSen - 0602094-48.2018.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 24/08/2022 às 14:00

Trago a julgamento o voto-vista relativo à impugnação ao cumprimento de sentença oferecida por LÚCIA ELISABETH COLOMBO em face da UNIÃO, nos autos da prestação de contas de campanha em que a ora impugnante foi condenada, por acórdão transitado em julgado em 04.08.2020, ao recolhimento de R$ 282.300,00 ao Tesouro Nacional.

No minucioso voto lançado na sessão de 13.06.2022, em apertada síntese, o eminente Relator, Desembargador Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, delimitou o conhecimento das razões da parte executada àquelas expressamente previstas para a espécie no rol do art. 525, § 1°, do CPC, e negou acolhimento às alegações de ausência de citação pessoal e de excesso de execução, julgando, ao final, integralmente improcedente a impugnação ofertada.

Passo a análise das questões em debate.

I – Da Delimitação da Matéria Passível de Conhecimento em Impugnação ao Cumprimento de Sentença

A impugnante sustenta que o excesso de execução sob o argumento de que “a decisão transitada em julgado incluiu erroneamente valores cujo destino nunca foi omitido, e portanto não poderiam ter sido agregados no montante que o tribunal considerou como de gastos não comprovados”, bem como em razão de que “a falta de juntada de cópias dos cheques é, em si, uma irregularidade formal” e que “muitos dos gastos que foram incluídos na soma do montante a devolver tiveram seus beneficiários indicados desde o início”.

Como se percebe, as alegações buscam revisitar as provas, fatos e valorações que fundamentaram a condenação ao recolhimento de quantias no julgamento das contas de campanha.

No ponto, o douto Relator consignou, com propriedade, que “o espectro de discussões que o executado pode suscitar é restrito ao rol taxativo disposto no art. 525, § 1°, do Código de Processo Civil”. Desse modo, as alegações que envolvam a revisão das conclusões adotadas no acórdão transitado em julgado não devem ser conhecidas.

Os processos de prestação de contas tornaram-se jurisdicionais a partir do advento da Lei n. 12.034/09. Assim, o acórdão em cumprimento, uma vez transitado em julgado, está acobertado pelo manto da coisa julgada, o que acarreta a imutabilidade da decisão e de seus efeitos, não se admitindo o manejo de qualquer recurso ou meio impugnativo a respeito do mérito então decidido.

A impugnação ao cumprimento de sentença não se presta ao manejo intempestivo de alegações e provas, consoante ratifica a lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Mitidiero e Sérgio Cruz Arenhart:

O executado pode discutir em impugnação as matérias arroladas nos incisos do art. 525, § 1º, CPC. A cognição é parcial, limitada expressamente pela legislação. (…). Qualquer defesa que poderia ter sido oferecida, contudo, na fase de conhecimento, e não o foi, não poderá mais ser apresentada, tendo em conta a eficácia preclusiva da coisa julgada. (In: Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 549)

Nessa ordem de ideias, é firme a jurisprudência no sentido de que “até mesmo as matérias de ordem pública que podiam ser deduzidas na fase de conhecimento são alcançadas pela eficácia preclusiva da coisa jugada, não cabendo mais requentá-las na fase de cumprimento de sentença” (STJ, AgInt no AREsp 1764013/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2021, DJe 25/03/2021).

Logo, acompanho o Relator em relação à delimitação do objeto do presente remédio impugnativo às questões envolvendo: a) a ausência de citação pessoal da prestadora de contas e b) o excesso de execução em razão da exigência de honorários advocatícios e multa e da ausência de celebração de acordo de parcelamento.

II – Da Alegada Ausência de Citação Pessoal

No aspecto, a impugnante defende a nulidade do título condenatório em face da ausência de sua citação, por aplicação do art. 238 do CPC aos feitos eleitorais.

Compulsando os autos, porém, verifica-se que a candidata apresentou suas contas finais de campanha, relativamente ao pleito de 2018, no prazo estabelecido no art. 29, inc. III, da Lei n. 9.504/97 (art. 52, caput, da Resolução TSE n. 23.553/17), devidamente acompanhada do instrumento de mandato constituindo advogado (ID 401133, link http://inter03.tse.jus.br/sitdoc/DownloadFile?id=7d8e90ab-62e1-4575-b90d-59990a279d0a&inline=true).

A partir disso, as intimações ocorreram nos termos do art. 101, § 2º, da Resolução TSE n. 23.553/17, ou seja, na pessoa do procurador constituído, por meio de publicação no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, sem que se observem vícios ou irregularidades nas comunicações processuais efetivadas.

Portanto, é patente a desnecessidade de qualquer novo ato de chamamento pessoal da candidata ao processo, eis que já encontrava integrada ao feito e devidamente representada desde a apresentação de suas contas finais de campanha.

Destarte, acompanho o voto do Relator quanto ao tópico, aderindo, no mais, às razões vertidas do judicioso voto lançado.

II – Do Acordo de Parcelamento e dos Consectários Exigidos pela União

Em relação ao último ponto, a impugnante defende que o cumprimento de sentença requerido pela União é excessivo na forma do art. 525, § 1º, inc. V, do CPC, “na medida em que antecipa a cobrança de um numerário que só poderia ser cobrado em parcelas que não excedessem a 5% da renda mensal demonstrada” e, além disso, “leva ao acréscimo de verbas (multa e honorários advocatícios) que não seriam devidas caso o art. 11, § 8º, III, lei eleitoral houvesse sido cumprido”.

Dispõe o referido artigo:

Art. 11. (...).

§ 8º. (...).

III - o parcelamento das multas eleitorais é direito dos cidadãos e das pessoas jurídicas e pode ser feito em até sessenta meses, salvo quando o valor da parcela ultrapassar 5% (cinco por cento) da renda mensal, no caso de cidadão, ou 2% (dois por cento) do faturamento, no caso de pessoa jurídica, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultrapassem os referidos limites;  (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

Trata-se de opção legislativa de clareza solar que, em meu ponto de vista, não viola o texto constitucional para que possamos deixar de aplicá-lo.

Já adianto que, a meu ver, a norma é válida e tem plena eficácia, devendo ser respeitada nas cobranças administrativas, seja na fase realizada perante a Justiça Eleitoral, seja na fase realizada perante a União Federal, bem como é também aplicável durante o próprio processo de execução.

É lei que visa facilitar o pagamento de débitos dessa natureza, sem onerar excessivamente o devedor. Minha decisão, entretanto, respeitará posicionamentos consolidados, seja no TSE, seja nessa Corte.

Dito isso, lembro que o respeitável voto do Relator julgou improcedente a alegação, registrando que “os termos de parcelamento propostos pela impugnante é que se mostraram irrazoáveis, dado que resultaria em 331 meses de recolhimento, pagamento que se estenderia mais de 27 anos”, fundamento também adotado na decisão da Presidência deste Tribunal Regional que apreciou e indeferiu a pretensão ao parcelamento, cuja reanálise encontra-se obstada pela preclusão.

Desse modo, concluiu o Relator que “resta à parte devedora realizar unicamente negociação com a parte exequente – a UNIÃO, que estabelecerá os parâmetros de acordo conforme outras regras de regência – no caso, o Decreto n. 10.201/20 e a Portaria n. 01/21, da Procuradoria-Geral da União”.

Aqui está, portanto, o principal ponto da divergência. Entendo, respeitosamente, que a UNIÃO, ao cobrar multas de natureza eleitoral, também se submete às regras do inc. IV ao § 8º do art. 11 da Lei n. 9.504/97, que, como se viu, expressamente garante o parcelamento das multas eleitorais aos cidadãos pelo prazo de até 60 meses, podendo estender-se por prazo superior se a parcela ultrapassar o limite de 5% do repasse mensal do devedor.

Ressalta-se que está consolidada a jurisprudência deste Tribunal Regional e do TSE no sentido de que o art. 11, § 8º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97 conferiu aos candidatos e partidos políticos o direito subjetivo de parcelar não apenas as multas em sentido estrito, mas, inclusive, as demais determinações que impliquem devolução ou recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (TSE, ED-PC n. 243-81, Acórdão, Relator: Min. Admar Gonzaga, julgado em 7.8.2018, e PC n. 24296, Acórdão, Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJE de 02.10.2018).

Diante disso, a existência de regramento próprio na Lei n. 9.504/97, que estabelece o direito ao parcelamento de débitos e multas imputados aos cidadãos e aos partidos políticos, com definição de critérios específicos de concessão, prevalece em relação às regras conflitantes constantes nos arts. 10 e 13 da Lei n. 10.522/02, no Decreto n. 10.201/20 e na Portaria n. 01/21, da Procuradoria-Geral da União, por incidência do princípio da especialidade da instância eleitoral bem como pelo próprio princípio da legalidade, tão caro em matérias que podem ensejar expropriação estatal.

Dessarte, não prospera a alegação da Advocacia-Geral da União concernente à impossibilidade jurídica de realização de acordo com o pagamento do débito em mais de 60 prestações mensais.

Com efeito, o art. 11, § 8°, inc. IV, da Lei n. 9.504/97 não dispõe sobre qualquer cisão entre a fase administrativa de cumprimento e os parcelamentos concedidos na fase judicial da execução para fins de sua aplicabilidade, bem como não prescreve, de modo absoluto, o limite de até sessenta meses para a concessão.

Ao contrário, o dispositivo permite que, se o valor da parcela ultrapassar o limite de 5% da renda mensal do devedor, poderá o parcelamento estender-se por prazo superior.

Nesse ponto, por sua vez, cabe lembrar a necessidade de observar diretrizes e posicionamentos fixados pelo Colendo TSE quanto à possibilidade de a autoridade competente aferir a razoabilidade do parcelamento.

Nessa medida, no paradigmático voto proferido no âmbito do TSE, por ocasião do julgamento da PCA n. 29288, publicada em 06.04.2022, o ilustre Relator, Ministro Luís Roberto Barroso, fixou os parâmetros a serem observados para a concessão do parcelamento de débitos eleitorais, conforme transcrevo:

II – Critérios e limites para o parcelamento da obrigação de restituição ao Erário

3. Conforme bem destacado na decisão impugnada, com a entrada em vigor da Lei n°13.488/2017, foi conferido aos partidos políticos “o direito subjetivo de parcelar seus débitos e multas de natureza eleitoral e não eleitoral com esta Justiça especializada” (PC n° 1300-71/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 15.03.2018. A Lei da Eleições assim prevê:

“Art. 11, § 8º Para fins de expedição da certidão de que trata o § 7o, considerar-se-ão quites aqueles que:

IV - o parcelamento de multas eleitorais e de outras multas e débitos de natureza não eleitoral imputados pelo poder público é garantido também aos partidos políticos em até sessenta meses, salvo se o valor da parcela ultrapassar o limite de 2% (dois por cento) do repasse mensal do Fundo Partidário, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultrapassem o referido limite. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)”.

4. Sobre a matéria, o plenário desta Corte Superior já decidiu que “a prerrogativa de parcelamento não significa, em absoluto, um direito automático às mais brandas condições, cabendo aos tribunais o encargo de defini-las com base em um juízo de proporcionalidade, tendo em mira a gravidade das circunstâncias que ensejaram a punição, a finalidade de prevenção geral afeta às normas do direito eleitoral sancionador e o escopo educacional da jurisdição” (ED-PC nº 1300-71/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 15.03.2018).

5. Assim, a norma de regência fornece dois parâmetros para auxiliar a concessão de parcelamento dos recolhimentos que forem impostos aos partidos políticos: (i) em regra, o máximo de parcelas será de 60 (sessenta) vezes; e (ii) excepcionalmente, quando o valor da parcela ultrapassar 2% do repasse mensal do Fundo Partidário, o parcelamento poderá exceder 60 (sessenta) meses. Note-se que não há obrigatoriedade, para o magistrado, de conceder sempre o parcelamento em 60 (sessenta) meses, tampouco de limitar as parcelas ao equivalente a 2% da cota mensal do Fundo Partidário. Trata-se, apenas, de uma baliza de proporcionalidade.

No mesmo trilhar, a título ilustrativo, cito esclarecedor julgado do Tribunal Regional de Minas Gerais que julgou razoável, em concreto, o parcelamento em 180 prestações mensais, tanto como forma de não onerar em demasia o cidadão quanto para assegurar o efetivo adimplemento da dívida:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA. REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PEDIDO DE PARCELAMENTO. DEFERIDO EM 60 PARCELAS. O art. 11, § 8º, inciso III, da Lei 9.504/1997, com a redação da Lei 13.488/2017, concedeu às pessoas jurídicas o direito ao parcelamento das multas eleitorais, sendo um direito também dos cidadãos. Este direito encontra um limite temporal podendo, em regra, ser dividido em 60 meses e um limite material correspondente a até 2% do faturamento da empresa. Pela leitura do dispositivo legal, caso o valor da parcela ultrapasse o percentual de 2% do faturamento da empresa, o prazo poderá ser estendido por período superior. Contudo, cuida-se de uma faculdade concedida ao poder público de forma a assegurar o adimplemento do crédito que lhe é devido. Razoável, no presente caso, fixar o parcelamento em 180 parcelas.  PROVIMENTO. DEFERIMENTO DO PARCELAMENTO DA MULTA PELO PRAZO MÁXIMO DE 180 MESES. (Recurso Eleitoral nº 060081175, Acórdão, Relator(a) Des. Cláudia Aparecida Coimbra Alves-, Publicação:  DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 17/12/2019)

No caso sob exame, a aferição da parâmetros mínimos de razoabilidade quanto ao tempo de parcelamento já restaram estabelecidos na decisão monocrática do eminente Desembargador Eleitoral André Luiz PlanellaVillarinho, que, embora considerando excessivo o prazo de 331 meses, ressalvou: “ficando facultada ao credor nova solicitação, no patamar máximo de 120 vezes” (ID 10547583).

Ressalta-se que, na presente análise, não se cogita em revisitação dos pontos decididos no pronunciamento em questão, o qual, como bem apontou o douto Relator, está precluso.

Ao contrário, entendo que a solução da controvérsia, no caso em tela, perpassa pela aplicação do art. 11, § 8º, da Lei n. 9.504/97, inclusive na fase de acordo extrajudicial com a AGU, bem como pelos critérios de razoabilidade já sopesados para a hipótese na decisão da então Presidência deste Tribunal Regional, que definiu a possibilidade de parcelamento por 120 meses. Decisão que, reitera-se, resta preclusa.

Inclusive, a renda mensal de uma pessoa, parâmetro utilizado pela norma legal para fixar o valor mensal do pagamento, pode ser alterada ao longo do tempo, para mais ou para menos, implicando a revisão, mediante análise judicial, dos critérios inicialmente fixados.

No caso dos autos, caso tivesse sido aceita a proposta inicialmente realizada, os pagamentos já estariam sendo realizados há 18 meses, em valores mensais de cerca de R$ 1250,00 ou R$ 750,00, a depender da utilização da renda bruta ou líquida da devedora (IDs 9411383, 9411433 e 9411483), totalizando uma recuperação de crédito entre R$ 13.500,00 e R$ 22.500,00.

Portanto, a União teria recuperado parte do débito e haveria economia em diversos setores da atividade estatal, com a suspensão das ações executivas.

Em caso de suspensão do pagamento pelo devedor, a qualquer tempo, a execução retomaria seu curso, já sem as preocupações de discussão da impugnação, pois o parcelamento exige a confissão do débito e sua interrupção permite a pronta retomada do processo expropriatório.

E isso poderia acontecer nos primeiros ou nos últimos anos, sendo relevante lembrar que a devedora, durante esse período, receberia uma certidão positiva com efeitos de negativa perante a Receita Federal, bem como teria uma certidão indicando a execução, ainda que suspensa, nos cadastros da Justiça Eleitoral, o que daria publicidade ao seu débito.

Portanto, a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não deve deixar de considerar também os benefícios de um parcelamento que, embora demorado em alguns casos, serve para recuperar recursos em favor da União e reduzir o número de ações executivas em andamento.

Diante disso, considero que a celebração do acordo somente foi obstada por exigência ilegal trazida pela própria parte credora, que definiu o limite máximo de parcelas, de maneira intransponível, em 60 meses, em franca oposição ao direito da devedora assegurado na Lei das Eleições, após juízo de razoabilidade da autoridade máxima da Justiça Eleitoral Gaúcha.

Logo, ainda pendente o possível acordo extrajudicial, nas condições mínimas legalmente garantidas à parte executada, não há a caracterização de inadimplência, impondo-se o afastamento da cobrança de multa e honorários vindicada pela União, em excesso de execução.

Ainda, buscando dar efetividade ao princípio pela busca consensual da solução dos conflitos, sem descurar do arcabouço legal incidente à espécie e da decisão exarada pela Presidência desta Corte, concluo por determinar que a AGU apresente nova proposta e parcelamento, respeitados os 120 meses já garantidos pela autoridade eleitoral, baseada no valor atualizado do débito, mas sem a incidência de multa, honorários advocatícios ou quaisquer outros encargos por inadimplemento.

 

Com essas considerações, divirjo do Relator e VOTO para julgar parcialmente procedente a impugnação, reconhecendo o excesso de execução, nos termos da fundamentação, e determinando à AGU a apresentação de nova proposta de parcelamento, observando os parâmetros do art. 11, § 8º, da Lei n. 9.504/97 e os critérios de razoabilidade expostos na decisão de ID 10547583, com base no valor atualizado da dívida e acompanhado da respectiva memória de cálculo, sem a incidência de multa e honorários advocatícios ou quaisquer outros encargos por inadimplemento.