CumSen - 0602094-48.2018.6.21.0000 - Acompanho a divergência - Sessão: 24/08/2022 às 14:00

DECLARAÇÃO DE VOTO

DESEMBARGADORA ELEITORAL VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK

 

Eminentes Colegas.

Trago a julgamento o voto-vista relativo ao julgamento da impugnação de LÚCIA ELISABETH COLOMBO ao cumprimento de sentença proposto pela UNIÃO.

Retomo, em apertada síntese, que o Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, em seu culto voto, afastou a tese de necessidade de citação, a alegação de excesso de execução e fixou que, uma vez encerrado o prazo para o parcelamento junto à Justiça Eleitoral, resta à devedora realizar unicamente negociação com a parte exequente – a UNIÃO, que estabelecerá os parâmetros da avença.

O Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo divergiu do voto do Relator tão somente em relação à questão do prazo de parcelamento da dívida, sob o fundamento de que a UNIÃO, ao cobrar multas de natureza eleitoral, também se submete às regras do inc. IV do § 8º do art. 11 da Lei n. 9.504/97, que expressamente garante o parcelamento das multas eleitorais aos cidadãos pelo prazo de até 60 meses, podendo estender-se por prazo superior se a parcela ultrapassar o limite de 5% do repasse mensal do devedor.

Pois bem, estou aderindo ao posicionamento divergente no sentido de que o regramento contido na Lei n. 9.504/97, em especial no ponto em que permite parcelamento de dívidas por prazo superior a sessenta meses quando o valor da parcela ultrapassar 5% (cinco por cento) da renda mensal, no caso de cidadão, ou 2% (dois por cento) do faturamento, no caso de pessoa jurídica, a fim de que as parcelas não ultrapassem os referidos percentuais (art. 11, § 8°, inc. III, da Lei das Eleições).

Para além dos fundamentos já declinados pelo Des. Lo Pumo, apurei que o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais vem consolidando o entendimento no sentido de que o prazo máximo do parcelamento de multas eleitorais deve ser limitado à 240 prestações, número máximo de parcelas na legislação tributária previsto para entidades desportivas, nos termos da Lei n. 11.345/06 (vide Recurso Eleitoral n. 060008703, Acórdão, Relator(a) Des. Luiz Carlos Rezende e Santos, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 20.07.2021; Recurso Eleitoral n. 060031660, Acórdão, Relator(a) Des. Guilherme Mendonca Doehler, Publicação: DJE - DJE, Tomo 212, Data 17.11.2021.).

Também localizei precedente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo estipulando parcelamento em 134 meses, verbis:

RECURSO ELEITORAL. EXECUÇÃO FISCAL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE PAGAMENTO DA MULTA POR DIVULGAÇÃO DE PESQUISA IRREGULAR EM PARCELAS MENSAIS DE R$ 400,00 E DETERMINOU O PARCELAMENTO EM SESSENTA VEZES. COMPROVAÇÃO DE RENDA INSUFICIENTE PARA QUITAR O DÉBITO NA FORMA DEFERIDA PELO JUÍZO ELEITORAL. ART. 11, § 8º, INC. III, DA LEI DAS ELEIÇÕES. AMPLIAÇÃO, PELO LEGISLADOR, DO NÚMERO MÁXIMO DE PARCELAS, PARA REDUZIR O PERCENTUAL DE COMPROMETIMENTO DA RENDA MENSAL DO DEVEDOR PARA, NO MÁXIMO, 5%, INDEPENDENTEMENTE DO NÚMERO DE PARCELAS OU DE ANOS NECESSÁRIOS AO CUMPRIMENTO DA SANÇÃO. RECURSO PROVIDO PARA DETERMINAR O PARCELAMENTO DA MULTA EM 134 VEZES.

(RECURSO ELEITORAL nº 060036907, Acórdão, Relator(a) Des. Paulo Sergio Brant De Carvalho Galizia, Publicação: DJE - DJE, Tomo 239, Data 16.12.2021.)

 

Como se verifica, esses Tribunais Regionais Eleitorais admitem que o parcelamento previsto na Lei das Eleições se estenda por prazo superior a 60 meses.

Adentrando mais no ponto relativo ao regulamento do parcelamento de dívidas, verifico que a Lei n. 13.988, de 14.4.2020, que “estabelece os requisitos e as condições para que a União, as suas autarquias e fundações, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária” (art. 1º), menciona a possibilidade de concessão de prazo de até 145 (cento e quarenta e cinco) meses quando se tratar o devedor de pessoa natural (art. 11, § 3º).

Na mesma linha, a Lei n. 14.375, de 21.6.2022, para os casos de transação na cobrança de créditos do Fies, dá a entender que pode ser concedido prazo de parcelamento dos créditos até 150 (cento e cinquenta) meses, sendo vedada por prazo superior, exceto se houver cobrança por meio de consignação à renda do devedor (art. 5º, § 2º, inc. II).

Cumpre lembrar também que a legislação tributária, em alguns casos, sequer previa prazos máximos para quitação de dívidas, como foi o caso do REFIS 2000, instituído pela Lei n. 9.964/00 (STJ, REsp n. 1.242.772/SC, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 10.12.2013, DJe de 18.02.2014.).

A menção dessa legislação tem a finalidade de indicar algumas situações em que a legislação brasileira admite a realização de parcelamentos com prazo superior a 60 meses, de forma a demonstrar que a permissão instituída pela interpretação literal do art. 11, § 8°, incs. III e IV, da Lei das Eleições, não é algo excepcional no ordenamento.

Feitas essas observações, é de se afastar a tese de que não se possa conceder parcelamento por prazo superior a 60 (sessenta) meses.

Tais considerações, no entanto, têm apenas por finalidade enriquecer o debate, uma vez que o prazo de 120 meses sugerido na decisão da Presidência da Corte constante no ID 10547583 parece bastante razoável para o caso dos autos.

Por fim, manifesto a compreensão de que o parcelamento deva observar critérios de razoabilidade e as peculiaridades do caso concreto, cabendo tanto a verificação da renda mensal quanto do patrimônio do devedor.

Mesmo não sendo necessariamente a hipótese que se examina, mas para fins de fixação de tese, cabe mencionar caso enfrentado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiânia em que o Tribunal Superior Eleitoral afirmou que a regra do art. 11, § 8º, inc. III, da Lei n. 9.504/97 não possui caráter absoluto. Naquela ocasião, foi examinada situação em que cidadão fora condenado ao pagamento de multa de R$ 1.505.456,05, a qual, considerando a renda mensal, somente seria quitada em 604 anos. Havia ali uma disparidade entre o patrimônio e a renda, o que autorizava que a fixação do prazo de parcelamento de 60 meses fosse a providência mais adequada, a despeito de desconsiderar o comprometimento do limite da renda mensal auferida pelo devedor.

Vejamos:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. MULTA. PARCELAMENTO. ART. 11, § 8º, INC. III, DA LEI  N. 9.504/97. DECLARAÇÃO ANUAL DE IMPOSTO DE RENDA. PATRIMÔNIO. CAPACIDADE. PAGAMENTO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, manteve–se aresto unânime do TRE/GO, que, em cumprimento de sentença nos autos de representação por doação acima do limite legal nas Eleições 2014, deferiu o parcelamento da multa em 60 meses, prazo que, no entender do agravante (pessoa física), é insatisfatório.

2. De acordo com o art. 11, § 8º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, "o parcelamento das multas eleitorais é direito dos cidadãos e das pessoas jurídicas e pode ser feito em até sessenta meses, salvo quando o valor da parcela ultrapassar 5% (cinco por cento) da renda mensal, no caso de cidadão, ou 2% (dois por cento) do faturamento, no caso de pessoa jurídica, hipótese em que poderá estender–se por prazo superior [...]".

3. A regra do art. 11, § 8º, inc. III, da Lei n. 9.504/97 não possui caráter absoluto. Cabe ao magistrado, ao definir os limites do parcelamento, fixar prazo e valor mensal que, a um só tempo, não onerem excessivamente a pessoa física ou jurídica e, por outro lado, não retirem o efetivo caráter sancionatório da multa. Precedente.

4. A hipótese dos autos – em que o agravante fora condenado ao pagamento de multa de R$ 1.505.456,05 – é peculiar em virtude da disparidade entre seu patrimônio, superior a 22 milhões de reais, e sua renda mensal, de R$ 4.150,05.

5. Correto o TRE/GO ao deferir o parcelamento conforme a regra do limite de 60 meses, pois, a prevalecer a tese do agravante de que seria necessário observar o teto de 5% de sua renda, "o valor mensal da parcela seria de R$ 207,50 e [...] somente poderia ser quitado em 604 (seiscentos e quatro) anos".

6. Acolher a irresignação do agravante implicaria parcela mensal que corresponderia a irrisórios 0,00094% de seu patrimônio e, ao mesmo tempo, dilataria o adimplemento da multa por seis séculos, o que, a toda evidência, não apenas não se reveste de nenhuma razoabilidade como também representa afronta aos ditames da boa–fé.

7. Descabe conhecer do pleito de que a multa seja recolhida no prazo de 300 meses, porquanto o tema não foi debatido pelo TRE/GO, estando ausente o requisito do prequestionamento, o que atrai o óbice da Súmula 72/TSE. Trata–se, ademais, de inadmissível inovação recursal nesta seara.

8. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 1414, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 101, Data 04.6.2021, Página 0) (grifei)

 

Assim, ao se definir os limites do parcelamento, devem ser verificadas as peculiaridades do caso concreto, cabendo tanto a verificação da renda mensal quanto do patrimônio do devedor, de forma a fixar prazo e valor mensal que, a um só tempo, não onerem excessivamente a pessoa física ou jurídica e, por outro lado, não retirem o efetivo caráter sancionatório da multa.

Portanto, com a vênia do eminente Relator, estou acompanhando a divergência parcial no sentido de determinar que a AGU apresente nova proposta e parcelamento, respeitados os 120 meses já garantidos pela autoridade eleitoral, baseada no valor atualizado do débito, mas sem a incidência de multa, honorários advocatícios ou quaisquer outros encargos por inadimplemento.

É como voto, Senhor Presidente.