REl - 0600894-31.2020.6.21.0163 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/08/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o recurso.

 

Do Mérito

Eminentes Colegas, o Juízo da 163ª Zona Eleitoral julgou como não prestadas as contas referentes às eleições municipais de 2020 de ANA CRISTINA PERES ANTIQUEIRA, candidata ao cargo de vereadora no Município de Rio Grande/RS, devido à falta de apresentação da integralidade dos extratos das contas bancárias destinadas à movimentação dos recursos da campanha eleitoral.

Em suas razões, a recorrente alega que encontrou enorme dificuldade em conseguir a documentação solicitada junto ao Banco do Brasil. Sustenta que não houve a falta de documentação, mas sim a sua não apresentação no tempo estipulado. Refere que “vivemos sob os efeitos de uma pandemia mundial que alterou substancialmente o atendimento e os prazos de fornecimento de documentos por todos os órgãos públicos e privados”.

Em parecer, a douta Procuradora Regional Eleitoral Substituta, Dra. Maria Emília Corrêa da Costa, opinou pela anulação da sentença em razão da ausência de análise pelo órgão técnico da documentação apresentada pela recorrente.

Compulsando os autos, observo que a contabilidade da candidata restou apresentada por meio dos demonstrativos de contas finais (IDs 44888498, 44888499, 44888500, 44888501, 44888502, 44888503, 44888504, 44888505, 44888506, 44888507, 44888508, 44888509, 44888510, 44888511, 44888512, 44888513, 44888514, 44888515, 44888516, 44888517, 44888517, 44888518, 44888519, 44888520, 44888521, 44888522), recibos eleitorais (IDs 44888524, 44888525, 44888526), extrato final de prestação de contas (IDs 44888527, 44888528 e 44888538) e demostrativos de receitas (IDs 44888529, 44888530, 44888531, 44888532, 44888533, 44888534).

Após o oferecimento da contabilidade, foi publicado edital pelo Cartório, decorrendo in albis o prazo para impugnação (ID 44888539).

Sobreveio “parecer técnico conclusivo” (ID 44888540) que se cingiu a apontar a ausência de extrato das contas bancárias destinadas à movimentação de recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e da conta “Outros Recursos” e a recomendar o julgamento das contas como não prestadas, no que foi seguido pelo Parecer Ministerial (ID 44888553).

Posteriormente, antes da prolação da sentença, a recorrente juntou, intempestivamente, os extratos bancários faltantes (IDs 44888555, 44888556 e 44888557).

Pois bem.

A conclusão pela não prestação de contas está assentada na ausência dos extratos bancários, então considerada fator determinante para o prejuízo aos procedimentos técnicos de exame.

Não desconheço que a ausência de documentos idôneos que demonstrem a aplicação dos recursos públicos inviabiliza o correto exame das contas. Importa destacar que, ainda que não sejam juntados quaisquer documentos pelo candidato omisso, devem ser os autos instruídos com extratos eletrônicos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, com as informações relativas ao recebimento de recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, de fonte vedada e/ou de origem não identificada e com os demais dados disponíveis, nos termos do disposto no art. 49, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No presente caso, relativamente aos extratos apresentados intempestivamente referentes à conta n. 66.675-0, do Banco do Brasil (ID 44888555), consigno que os extratos eletrônicos estão disponibilizados no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas – DivulgaCandContas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88153/210000636575/extratos) na sua forma integral, abrangendo todo o período de campanha. Sobre os extratos das contas n. 66.673-4 e n. 66.674-2, também do Banco do Brasil, observa-se que há disponibilização dos dados da conta no sistema DivulgaCandContas, com o registro de “Conta sem movimentação financeira”.

Além disso, houve a juntada de documentação pela recorrente, de modo que deveria ter sido expedido laudo técnico com o objetivo de detectar recebimento direto ou indireto de fontes vedadas; recebimento de recursos de origem não identificada; extrapolação de limite de gastos; omissão de receitas e gastos eleitorais; e não identificação de doadores originários, nas doações recebidas de outros prestadores de contas, nos exatos termos do que preceitua o art. 65 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, destaco recente julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. CANDIDATO AO CARGO DE VEREADOR. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA DE INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO. FALHA DE PROCEDIMENTO NO FEITO. NÃO REALIZADO EXAME TÉCNICO CONTÁBIL. JUNTADA DE DOCUMENTAÇÃO PELO CANDIDATO. CASSAÇÃO DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou não prestadas as contas referentes às eleições municipais de 2020 de candidato ao cargo de vereador, por ausência de apresentação de instrumento de procuração, nos termos do art. 53 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Apresentado instrumento de procuração antes de ser proferida a sentença, permitindo a análise da prestação de contas, na forma prevista no art. 74, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na esteira da jurisprudência do TSE, deve ser conhecido o referido instrumento de mandato pelo juízo de origem, embora tenha sido intempestivamente juntado, de modo a afastar a possibilidade de serem as contas julgadas não prestadas.

3. Identificada falha de procedimento no feito, porquanto não foi realizado exame técnico contábil. Ainda que não sejam juntados quaisquer documentos pelo candidato omisso, devem ser os autos instruídos com extratos eletrônicos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, com as informações relativas ao recebimento de recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, de fonte vedada e/ou de origem não identificada e com os demais dados disponíveis, nos termos do disposto no art. 49, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Ademais, na hipótese, houve juntada de documentação pelo candidato de modo que deveria ter sido expedido laudo técnico, nos termos do que preceitua o art. 65 do referido diploma normativo. Circunstância que inviabiliza a apreciação do mérito da contabilidade nesta instância, para o fim de julgar as contas aprovadas com ressalvas ou desaprovadas. Cassação da sentença. Retorno dos autos à origem para que seja adotado o rito adequado, com a expedição de parecer técnico, seguindo-se o curso do processo até a prolação de novo decisum.

4. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 060072107, ACÓRDÃO de 31/03/2022, Relatora KALIN COGO RODRIGUES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 05/04/2022 )

Ressalto que o precedente mencionado é oriundo de Rio Grande, tal qual o caso que aqui se examina.

Ainda, a fim de conferir equidade ao exame das contas dos candidatos que concorreram no mesmo município, menciono outro julgamento precedente que examinou contas julgadas não prestadas na 163ª Zona Eleitoral. Trata-se do Recurso Eleitoral n. 0600624-07.2020.6.21.0163, de Relatoria do Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, julgado em 31.3.2022, no qual foi anulada a sentença prolatada e determinado o retorno do processo ao primeiro grau para análise técnica dos documentos juntados pelo prestador, o qual recebeu a seguinte ementa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. TRANSCORRIDO IN ALBIS O PRAZO PARA SANAR A OMISSÃO. ALEGADA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO SOBRE RELATÓRIO PRELIMINAR. INEXISTÊNCIA DE CERTIFICAÇÃO DO ATO PROCESSUAL. OMISSÃO DE ANÁLISE TÉCNICA DOS DOCUMENTOS PRESENTES NOS AUTOS. ANULADA A SENTENÇA. RETORNO DO PROCESSO AO PRIMEIRO GRAU. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou não prestadas as contas de candidato, em razão do não atendimento à intimação que determinou a apresentação de documentos obrigatórios. Transcorrido in albis o prazo para sanar a omissão, incidindo o disposto no art. 49, § 5º, inc. VII, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Alegada ausência de intimação após a emissão do relatório preliminar, para apresentação de documentos. Inexistência de certificação do ato processual nos autos, capaz de assegurar que o prestador das contas tenha sido corretamente intimado para sanar as irregularidades. Juntados os extratos bancários, antes da prolação da sentença, os quais, embora a destempo, deveriam passar pela análise do mérito, o que não ocorreu.

3. Ainda que ausentes documentos idôneos que demonstrem a aplicação dos recursos públicos, o que inviabiliza o correto exame das contas, ensejando o seu julgamento como não prestadas, a teor do art. 49, caput e § 5º, da Resolução TSE 23.607/19, existe a possibilidade de nulidade, senão em virtude da inexistência de intimação sobre o relatório preliminar, por omissão na análise dos documentos presentes nos autos. Anulada a sentença. Determinado o retorno do processo ao primeiro grau para análise técnica dos documentos juntados pelo prestador.

4. Parcial provimento.

Ademais, a ausência do extrato bancário de todo o período de campanha constituiria, se fosse o caso, motivo para a sua desaprovação. Destaco que o julgamento de omissão das contas deve ficar restrito àquelas hipóteses em que a ausência de documentos sobre a movimentação financeira inviabiliza, de forma absoluta, o controle e a fiscalização pela Justiça Eleitoral, nos termos do art. 74, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 74.

[…]

§ 2º A ausência parcial dos documentos e das informações de que trata o art. 53 ou o não atendimento das diligências determinadas não enseja o julgamento das contas como não prestadas se os autos contiverem elementos mínimos que permitam a análise da prestação de contas.

Cito julgado do TSE no mesmo sentido:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. SENADOR. NÃO APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. GRAVIDADE. PREJUÍZO À CONFIABILIDADE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRECEDENTES. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA ISONOMIA. DESPROVIMENTO. 1. Conforme iterativa jurisprudência desta Corte Superior, a não apresentação do extrato bancário de todo o período de campanha eleitoral constitui motivo para a desaprovação das contas, mas não enseja, por si só, o julgamento como não prestadas. Nesse sentido: AgR–REspe nº 433–44/SE, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 3.12.2018; AgR–REspe nº 330–79/SE, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 20.11.2018. Referente ao pleito de 2018: AgR–REspe nº 0601308–85/PI, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 27.8.2019. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 060359751, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 24, Data: 04/02/2020) (Grifei.)

Assim, por entender que os extratos e as informações constantes no DivulgaCandContas fornecem os elementos mínimos para análise da contabilidade e que o parecer conclusivo elaborado nestes autos consignou que a prestação de contas não foi analisada, em afronta ao disposto no art. 74, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, deve ser reconhecido o error in procedendo para fins de anulação da sentença.

Ainda, não se pode aplicar ao presente caso a teoria da causa madura, nos termos do art. 1.013, § 3º, inc. I, do Código de Processo Civil, para que o Tribunal aprecie imediatamente as contas. O processo não está em condições para julgamento imediato, porquanto não houve o exame da movimentação financeira – a candidata recebeu recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e realizou despesas pagas com cheque - e da repercussão de eventuais irregularidades, o que impossibilita a análise do mérito e o exame do pedido de aprovação das contas com ressalvas contido no recurso.

Dessa forma, acolho a manifestação ministerial para reconhecer, de ofício, a nulidade da sentença, devendo os autos retornarem ao juízo de origem, para que nova decisão seja proferida em seu lugar, com a análise da contabilidade, considerando inclusive os dados constantes no DivulgaCandContas.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por declarar, de ofício, a nulidade da sentença, devendo os autos retornarem ao juízo de origem, para o regular processamento da prestação de contas e a fim de que seja proferida nova decisão de mérito, nos termos da fundamentação.