PCE - 0600426-71.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/08/2022 às 14:00

VOTO

Cuida-se de prestação de contas do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores - PT relativas ao pleito de 2020.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal, examinando a contabilidade de campanha, apurou que a receita total do órgão partidário foi de R$ 10.131.297,89, dos quais R$ 37.910,11 são provenientes do Fundo Partidário e R$ 10.093.387,78 advêm do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Após a consideração dos esclarecimentos e documentos complementares apresentados pela agremiação, o órgão técnico, em conclusão, apontou a persistência tão somente de falhas relacionadas à destinação de recursos para o fomento de candidaturas de pessoas negras, assim relatada no parecer de exame (ID 44876763):

3.1 DA COTA DE GÊNERO E RACIAL – FUNDO PARTIDÁRIO

A aplicação de recursos do Fundo Partidário em campanha eleitoral deverá observar os repasses destinados às cotas de gênero, conforme art. 19, §§ 3º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e Ação Direta de Inconstitucionalidade STF n. 5617; bem como às cotas de raça/cor, de acordo com a decisão constante da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 738/DF.

Nesse contexto, em atendimento à regulamentação, os repasses de Fundo Partidário na esfera estadual deverão cumprir a proporcionalidade mínima de (i) 30% dos gastos totais de campanha para as candidaturas femininas, observado, dentro deste grupo, o percentual de candidaturas de mulheres negras (pretas e pardas); e (ii) candidaturas de homens negros (pretos e pardos) em relação ao total de candidaturas masculinas da legenda.

Isso posto, verificou-se que o Partido dos Trabalhadores, nas Eleições de 2020, contou com total de 2.813 candidatos no Estado do Rio Grande do Sul, dos quais 992 são candidatas mulheres (35,26%), dentre elas 180 autodeclaradas pretas e/ou pardas (18,15%). Quanto ao gênero masculino, identificados 1.821 candidatos (64,74%), dentre os quais 269 autodeclarados pretos e pardos (14,77%).

Restou observado o percentual referente à cota de gênero na esfera estadual, visto que a totalidade dos recursos de Fundo Partidário aplicado na campanha foi destinada às candidatas mulheres da legenda, R$ 37.910,11. O prestador apresentou relatório com o nome de cada candidata (pasta Avulso do SPCE-Cadastro), onde registradas as propagandas confeccionadas com a dimensão e as quantias gastas para cada uma delas. Usada a conta de Fundo Partidário (c/c 235288) para os pagamentos. As notas fiscais foram consultadas através do Fiscaliza JE, visto que o prestador deixou de adicioná-las ao SPCE-Cadastro.

Entretanto, a agremiação não destinou Fundo Partidário na proporção exata dos registros de candidatos masculinos autodeclarados negros na esfera estadual, conforme tabela abaixo, contrariando a decisão na Medida Cautelar proferida na ADPF nº 738/DF:

O percentual mínimo de 30% é exigido apenas na cota de gênero. Para a cota racial, a repartição é calculada na exata proporção das candidaturas registradas pela legenda de mulheres negras e de homens negros. No caso, 18,15% para as candidatas negras e 14,77% para os candidatos negros. O partido aplicou R$ 10.870,63 para as candidatas negras, ultrapassando, inclusive a quantia mínima de R$ 6.880,68. No entanto, não demonstrou aplicação de recursos do Fundo Partidário para os candidatos masculinos negros.

Cabe ao prestador esclarecer o motivo de não ter realizado a distribuição de Fundo Partidário para os candidatos autodeclarados negros da legenda.

 

Em razões finais, o partido político sustenta que cumpriu integralmente os repasses de cotas de gênero e raça, inclusive em relação às candidaturas negras masculinas, produzindo tabela em que discrimina os alegados beneficiados com a transferência de recursos do FEFC para a ação afirmativa (ID 44995292, fls. 7-8).

Ocorre que não houve a apresentação de elementos capazes de sanear os apontamentos envolvendo a utilização dos recursos do Fundo Partidário, pois a manifestação do órgão partidário abordou especificamente as verbas do FEFC, em relação às quais a unidade técnica não verificou qualquer inconsistência.

Por outro lado, o exame técnico, debruçando-se sobre os recursos do Fundo Partidário, no montante R$ 37.910,11, apontou que foram integralmente destinados às candidaturas femininas, informando ter sido superado, dentro desse grupo, o percentual mínimo alusivo às mulheres negras, porém, nenhum valor foi alocado em benefício de candidaturas de homens negros, o que contraria a decisão na Medida Cautelar proferida na ADPF n. 738/DF.

Na aludida ação constitucional, distribuída ao Ministro Ricardo Lewandowski, foi proferida decisão deferindo medida cautelar, em 10.9.2020, publicada no dia imediatamente seguinte, ad referendum do Plenário do STF, para “determinar a imediata aplicação dos incentivos às candidaturas de pessoas negras, nos exatos termos da resposta do TSE à Consulta 600306-47, ainda nas eleições de 2020”.

Em 24.9.2020, foi exarado despacho pelo relator, complementando a decisão anterior para estabelecer a forma de apuração das quantias a serem destinadas às candidaturas na proporção de raça e gênero, in verbis:

(...).

Assim, considerando o teor das informações supra, sobretudo a notícia de que os partidos políticos, reunidos com o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, na tarde do dia 23.9.2020, expressaram “a necessidade de orientação acerca da maneira adequada de cumprimento imediato da decisão” (cautelar), e considerando, ainda, a competência do Tribunal Superior Eleitoral de organizar, realizar e acompanhar a realização das eleições, bem como de proceder à fiscalização da correta aplicação dos recursos destinados aos candidatos, entendo conveniente complementar a medida liminar por mim deferida nestes autos, com vistas a conferir maior segurança a todos os envolvidos no pleito deste ano e dar plena efetividade ao decidido na Consulta 600306-47.

Isso posto, esclareço que a cautelar anteriormente concedida deverá ser cumprida com a adoção das seguintes as diretrizes, sem prejuízo de oportuna regulamentação do tema por parte do TSE:

1. O volume de recursos destinados a candidaturas de pessoas negras deve ser calculado a partir do percentual dessas candidaturas dentro de cada gênero, e não de forma global. Isto é, primeiramente, deve-se distribuir as candidaturas em dois grupos - homens e mulheres. Na sequência, deve-se estabelecer o percentual de candidaturas de mulheres negras em relação ao total de candidaturas femininas, bem como o percentual de candidaturas de homens negros em relação ao total de candidaturas masculinas. Do total de recursos destinados a cada gênero é que se separará a fatia mínima de recursos a ser destinada a pessoas negras desse gênero;

2. Ademais, deve-se observar as particularidades do regime do FEFC e do Fundo Partidário, ajustando-se as regras já aplicadas para cálculo e fiscalização de recursos destinados às mulheres;

3. A aplicação de recursos do FEFC em candidaturas femininas é calculada e fiscalizada em âmbito nacional. Assim, o cálculo do montante mínimo do FEFC a ser aplicado pelo partido, em todo o país em candidaturas de mulheres negras e homens negros será realizado a partir da aferição do percentual de mulheres negras, dento do total de candidaturas femininas, e de homens negros, dentro do total de candidaturas masculinas. A fiscalização da aplicação dos percentuais mínimos será realizada, apenas, no exame das prestações de contas do diretório nacional, pelo TSE;

4. A aplicação de recursos do Fundo Partidário em candidaturas femininas é calculada e fiscalizada em cada esfera partidária. Portanto, havendo aplicação de recursos do Fundo Partidário em campanhas, o órgão partidário doador, de qualquer esfera, deverá destinar os recursos proporcionalmente ao efetivo percentual (i) de candidaturas femininas, observado, dentro deste grupo, o volume mínimo a ser aplicado a candidaturas de mulheres negras; e (ii) de candidaturas de homens negros. Nesse caso, a proporcionalidade será aferida com base nas candidaturas apresentadas no âmbito territorial do órgão partidário doador. A fiscalização da aplicação do percentual mínimo será realizada no exame das prestações de contas de campanha de cada órgão partidário que tenha feito a doação.

Cumpra-se. Publique-se. Intime-se.

Grifei.

 

Na sequência, o Plenário do STF, em sessão virtual de 25.9.2020 a 02.10.2020, referendou, por maioria, a liminar concedida, para determinar a imediata aplicação dos incentivos às candidaturas de pessoas negras, nos exatos termos da resposta do TSE à Consulta n. 600306-47, ainda nas eleições de 2020, cujo exame do mérito, ulteriormente, findou por ser julgado prejudicado pelo exaurimento do objeto, em decorrência do cumprimento da medida cautelar deferida.

Dado esse breve escorço histórico da matéria, tem-se por exigível, já para as eleições de 2020, a distribuição proporcional de verbas públicas às candidaturas de pessoas negras.

A controvérsia, portanto, limita-se à ausência de aplicação das verbas do Fundo Partidário às candidaturas de pessoas do sexo masculino e negras, que a SAI entendeu constituir falha, não fosse a promulgação da EC n. 117, nos seguintes termos:

Embora constatada a manutenção da irregularidade quanto ao repasse de recursos de Fundo Partidário destinado às cotas de gênero e às de raça, conforme apontado no exame de contas (ID 44876763), cumpre destacar a promulgação da Emenda Constitucional n. 117, de 5 de abril de 2022 (EC n. 117/22), que no art. 3º determina que não haverá sanções aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não cumpriram com os repasses mínimos nas eleições anteriores à promulgação dessa Emenda Constitucional.

 

Cumpre assinalar, entretanto, que a EC n. 117, de 05.4.2022, ao vedar, em seu art. 3º, a aplicação de sanção de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, a partido político que, em eleições ocorridas anteriormente à sua promulgação, tenha deixado de preencher a quota mínima de recursos ou de destinar os valores mínimos em razão de sexo e raça, não impede a Justiça Eleitoral de, por ocasião do julgamento das contas eleitorais, reconhecer tal irregularidade no julgamento das contas, aprovando com ressalvas ou desaprovando a contabilidade.

Nesse sentido, colaciono precedentes do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e deste Regional:

ELEIÇÕES 2018. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. MERO INCONFORMISMO. PRETENSÃO DE REJULGAMENTO DA CAUSA. INADMISSIBILIDADE. REJEIÇÃO. PEDIDO. APLICAÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 117. DEFERIMENTO.

(...).

5. Nos termos do art. 3º da EC 117: "Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional", razão pela qual se impõe, na espécie, o afastamento da sanção de suspensão das quotas do Fundo Partidário, bem como a determinação de devolução ao Tesouro Nacional dos recursos não aplicados nas candidaturas femininas.

6. O âmbito de aplicação do novo dispositivo constitucional cinge-se a excluir as sanções decorrentes do descumprimento da aplicação mínima de recursos dos Fundos Partidário e Eleitoral nas candidaturas femininas nas eleições, sem afastar o reconhecimento da própria irregularidade.

7. Embora mantida a desaprovação das contas com base nas duas irregularidades – não observância do percentual destinado à quota de gênero e omissão no registro de doações estimáveis em dinheiro –, a aplicação do art. 3º da EC 117 à espécie, com o afastamento de toda e qualquer sanção decorrente da irregularidade relativa à não observância do percentual destinado à quota de gênero, impõe a redução para um mês da suspensão das quotas do Fundo Partidário.

Embargos de declaração parcialmente acolhidos para reduzir a sanção de suspensão das quotas do Fundo Partidário para um mês e excluir a determinação de devolução ao Tesouro Nacional do valor que deixou de ser aplicado nas candidaturas femininas.

(TSE - ED-AgR-REspEl n. 060521626, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 110, Data 14.6.2022.) Grifei.

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÃO 2020. DIRETÓRIO MUNICIPAL DE PARTIDO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. AUSÊNCIA DE DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO PARA CANDIDATURAS FEMININAS. COTA DE GÊNERO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 117. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. DIMINUIÇÃO DO PERÍODO DE SUSPENSÃO DE RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO PARCIAL.

(...).

3. Ausência de destinação do percentual mínimo de recursos do Fundo Partidário para candidaturas femininas. Cota de gênero. Aplicação do disposto nos arts. 2º e 3º da Emenda Constitucional n. 117. Em recente julgamento, o TSE interpretou o alcance das novas normas consignando que, com a constitucionalização, “a gravidade da falha se tornou ainda mais evidente”, e que as regras “alcançam somente as sanções porventura aplicáveis aos partidos que tenham descumprido o percentual mínimo de aplicação na ação afirmativa” (Prestação de Contas n. 060176555, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 06.5.2022.). Ainda, que a EC n. 117 não incide sobre a fase em que o Juízo Eleitoral analisa as glosas identificadas nas contas para concluir pela sua aprovação com ou sem ressalvas, ou desaprovação, nem excluiu a possibilidade desta Justiça Eleitoral aferir a regularidade do uso das verbas públicas.

4. Em face da EC n. 117 e do alinhamento ao que foi decidido pelo TSE, as quantias irregulares somadas representam aproximadamente 20,04% de toda a arrecadação, sendo proporcional e adequado o redimensionamento da sanção de perda do direito ao recebimento de quotas do Fundo Partidário para 02 meses, bem como a redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional. Mantida a desaprovação das contas.

5. Provimento parcial.

(TRE-RS, REl n. 0600269-08.2020.6.21.0127, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, j. 16.5.2022, DJE 20.5.2022.) Grifei.

 

Vale dizer, o descumprimento das ações afirmativas em questão, relativamente a pleitos anteriores à promulgação da EC n. 117, permanece com a possibilidade de ensejar a aposição de ressalvas ou a desaprovação das contas partidárias, inviabilizando, unicamente, a imposição de sanções ou da condenação à devolução de valores.

Do Julgamento das Contas

Em face de tais considerações e da natureza da falha, que envolve descumprimento relevante de ação afirmativa em prol da representatividade política da população negra, entendo, diferentemente da conclusão da unidade técnica, ser inviável a conclusão pela aprovação integral das contas.

Assim, a quantia glosada perfaz R$ 5.599,31, que representa 0,05 % das receitas arrecadadas (R$ 10.131.297,89), sendo apta a atrair a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, como meio de atenuar sua gravidade sobre o conjunto dos registros contábeis, possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Diante da aprovação com ressalvas e das previsões constantes na EC n. 117, inaplicáveis quaisquer penalidades adicionais de suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário ou devolução de valores ao órgão partidário.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por aprovar com ressalvas as contas de campanha do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), relativas às eleições de 2020.