AJDesCargEle - 0600117-79.2022.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 22/08/2022 às 14:00

VOTO DIVERGENTE

 

Com a vênia dos entendimentos em sentido contrário, mantenho o posicionamento que venho adotando nos julgamentos análogos ao dos autos, referido pela ilustre Relatora, Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Vice-Presidente deste Tribunal, no sentido de ser “necessário que os parlamentares demonstrem, de forma concreta e casuística, quais ações políticas eram desenvolvidas com base no programa até então seguido pelo partido pelo qual se elegeram, e que se refletiam em atos afetos à sua atuação parlamentar que, com a fusão, serão obstadas ou prejudicadas em virtude de uma nova orientação partidária” (Ação de Justificação de Desfiliação Partidária n. 0600124-71.2022.6.21.0000, julgada na sessão de 13.06.2022, de minha relatoria).

No caso dos autos, na inicial alega-se a existência de mudança substancial ou desvio reiterado do estatuto e programa partidários do DEM, em decorrência da fusão que deu origem ao partido União Brasil, mas não foi comprovada qualquer alteração significativa que justifique a desfiliação sem perda do mandato eletivo.

Considero que o simples fato da fusão não é justa causa.

As hipóteses são taxativas e previstas no artigo 22-A da Lei n. 9.096/95, e isso decorreu de ato soberano do Congresso Nacional, de modo que a interferência do Judiciário, com o maior respeito às posições divergentes, me parece, no caso, indevida.

Destacando, inicialmente, o conteúdo do dispositivo legal que se examina, é sabido que o texto e o contexto da lei são decisivos para a construção do sentido do enunciado normativo, mas, ainda que se entenda que haja espaço para interpretação da norma, tenho que a clareza da redação do caput do art. 22-A da Lei n. 9.096/95 deve ser prestigiada no caso em análise.

Extrair outra interpretação do texto desmerece a atuação discricionária do legislador e desborda do comedimento interpretativo esperado do Estado-Juiz, pois a admissão da fusão como justa causa representa uma exegese ampliativa para inserir uma hipótese não prevista expressamente em lei, indo de encontro ao sistema de que o mandato é do partido.

A interpretação ampliativa conduz à negação da vigência da lei (art. 22-A) no que tange à exigência dos requisitos ali explicitados.

Não se trata aqui de adotar o brocardo “in claris cessat interpretatio”, ou a literalidade da lei, embora em tese até cabível, mas de considerar como regra de hermenêutica o sentido teleológico da norma jurídica; se as hipóteses de desfiliação por justa causa são somente aquelas expressamente previstas na Lei dos Partidos Políticos, e lá não está contemplada a fusão e ou incorporação, não vejo como, sem abalar o sistema partidário, simplesmente considerar justa causa o que não está na norma, por ser a fusão um “fato político”.

Se fosse vontade do legislador considerar a fusão justa causa, tê-lo-ia dito. E mais, vejam que não se trata somente de mudança, ou desvio, ou discriminação política pessoal (incisos I, II do art. 22-A da Lei 9.096/95). As hipóteses vem, todas elas, acrescidas pelos adjetivos qualificativos de serem substancial e grave. É dizer: o legislador, no exercício soberano do mandato, elegeu e dispôs que as justas causas devem ser “graves”, um grau de severidade que efetivamente torne impossível o exercício do mandato pelo parlamentar na esfera da agremiação a qual ele se filiou.

Não me parece que, na nova conjectura legislativa, em que a fusão foi expressamente afastada das hipóteses de justa causa por ato do Congresso Nacional, seja possível resgatar esse fato como fundamento genérico e indistinto para a desfiliação sem perda do mandato. Ainda que de forma enviesada, a questão deve receber o tratamento de mudança substancial do programa partidário.

Entendo, portanto, que a fusão necessariamente, e em todos os casos, e para todos os filiados das agremiações objeto de fusão e ou incorporação não seja, de per si, elemento que traga uma mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário ou ainda uma grave discriminação política pessoal. Assim fosse, a fusão poderia ensejar de tal modo a debandada dos parlamentares, por razões de interesses políticos eleitorais, que o mecanismo admitido em lei, de viabilizar a concentração de dois ou mais partidos em um, no sentido de fortalecimento do sistema partidário, acarretaria o efeito inverso.

Se os órgãos diretivos do partido criado pela fusão adotam linha de atuação que vai de encontro as ideologias e exercício do mandato de determinado parlamentar, tal fato deve ser alegado e demonstrado. O mero desconforto com posição política do momento – e sabemos como são voláteis os apoios políticos partidários no País – não gera uma situação com a dimensão de gravidade exigida em lei.

Por fim, peço licença, também, para expressar uma observação que considero oportuna: nosso sistema político é partidário, de sorte que as interpretações devem ser de caráter restritivo. De acordo com jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, não se admite candidatura avulsa, ou seja, aquela sem filiação partidária ou sem escolha em convenção, pois tal circunstância violaria os comandos do art. 14, arts. 14, § 3º, inc. V, e 9º, e 11, § 14, da Lei 9.504/97 (Ac. de 23.11.2020 no AgR-TutAntAntec nº 060162868, rel. Min. Sérgio Banhos; no mesmo sentido o Ac. de 26.9.2018 no AgR-Pet nº 060088614, rel. Min. Admar Gonzaga).

Desse modo, há que se ter presente que o entendimento de que, em caso de fusão, a desfiliação pode ser realizada sem perda do mandato - porque o partido pelo qual o parlamentar foi eleito não mais existe - também pode levar à conclusão de que se está admitindo, no sistema eleitoral brasileiro, o exercício de cargo eletivo independente, por candidato que não foi escolhido em convenção partidária por agremiação com registro válido perante a Justiça Eleitoral.

Com esses fundamentos, DIVIRJO da ilustre Relatora para julgar improcedente o pedido.