REl - 0600284-81.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/08/2022 às 14:00

VOTO 

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

1. Preliminar. Nulidade da sentença. Ausência de intimação pessoal.

A parte recorrente alega a nulidade da sentença diante da ausência de intimação pessoal, ao argumento de que os poderes conferidos ao advogado não guardariam relação com a prestação de contas.

Verifico, contudo, que a cadeia de fatos não ampara as alegações recursais.

Indico que,  em 28.10.2020, o prestador foi intimado para que juntasse aos autos o instrumento de procuração de advogado, nos termos do 48, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 48. As prestações de contas parciais encaminhadas à Justiça Eleitoral serão autuadas automaticamente no Processo Judicial Eletrônico (PJe) quando do envio pelo SPCE.

§ 1º Uma vez recebido pela prestadora ou pelo prestador de contas, no SPCE, o número do processo judicial eletrônico autuado, a prestadora ou o prestador de contas deve providenciar a juntada do instrumento de procuração da advogada ou do advogado diretamente no PJE.

A seguir, em 30.10.2020, a procuração foi juntada aos autos e, como bem apontado no parecer ministerial, o documento de outorga (ID 44934039) abrange poderes para realizar todos os atos que se fizerem necessários (…) perante qualquer juízo, instância ou tribunal (…).

Nesse norte, resta claro que a procuração não fora outorgada exclusivamente para o registro de candidatura, mas para atuação irrestrita em processos eleitorais, contendo os poderes necessários para sua representação também nos autos da prestação de contas.

Afasto a preliminar.

2. Preliminar. Modo de análise de prestação de contas simplificada. 

No tópico, o recorrente alega que a legislação de regência prevê análise informatizada de prestações de contas entregues em formato simplificado, e indica que o apontamento da irregularidade surgira a partir de verificação realizada por servidor da Justiça Eleitoral.

O inusitado argumento não possui razão, antecipo.

Inicialmente, friso que a apresentação e a análise da prestação de contas de forma simplificada não retira da Justiça Eleitoral a prerrogativa constitucional de verificar a regularidade e a aplicação dos recursos (muitos deles públicos) utilizados na campanha eleitoral, conforme também o bem-lançado no parecer ministerial, em trecho que expressamente adoto como razões de decidir:

(…) o art. 63 da Resolução TSE nº 23.607/2019, ao estabelecer que o sistema simplificado de prestação de contas se caracteriza pela análise informatizada e simplificada da prestação de contas, com o intuito de imprimir celeridade aos processos menos complexos, não proíbe a ampla análise da Justiça Eleitoral acerca da regularidade das contas. E nem poderia fazê-lo, sob pena de subverter a própria razão da existência do procedimento de contas como garantia de controle da igualdade de chances entre os candidatos e de preservação da normalidade e legitimidade das eleições.

Ademais, constato que a partir das informações prestadas pelo então candidato foram encontrados três recibos de abastecimentos de combustível sem correspondente indicação de veículo e, obviamente, conforme o rito prescrito pela Resolução TSE n. 23.607/19, no seu § 3º do art. 64, foi concedida oportunidade para a apresentação de esclarecimentos:

Art. 64. A prestação de contas simplificada será composta exclusivamente pelas informações prestadas diretamente no SPCE e pelos documentos descritos nas alíneas a, b, d e f do inciso II do art. 53.

§ 1º A adoção da prestação de contas simplificada não dispensa sua apresentação por meio do SPCE, disponibilizado na página da Justiça Eleitoral na internet.

§ 2º O recebimento e/ou processamento da prestação de contas simplificada, assim como de eventual impugnação oferecida, observará o disposto nos arts. 54 a 56.

§ 3º Concluída a análise técnica, caso tenha sido oferecida impugnação ou detectada qualquer irregularidade pelo órgão técnico, a prestadora ou o prestador de contas será intimada(o) para se manifestar no prazo de 3 (três) dias, podendo juntar documentos.

§ 4º Apresentada, ou não, a manifestação da prestadora ou do prestador de contas, o Ministério Público terá vista dos autos para apresentação de parecer no prazo de 2 (dois) dias.

§ 5º Na hipótese de utilização de recursos provenientes do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além das informações transmitidas pelo SPCE, na forma do caput, a prestadora ou o prestador de contas deverá apresentar os respectivos comprovantes dos recursos utilizados, na forma do disposto no § 1º do art. 53 desta Resolução.

Ora, uma vez que as falhas não foram corrigidas, não apenas há a prerrogativa da Justiça Eleitoral no relativo ao apontamento da irregularidade, mas inclusive o dever desta Especializada, naquele momento representada pelo servidor público, de fazer cumprir os ditames legais. Os sistemas informatizados de fiscalização (por exemplo, departamentos de trânsito ou sistemas de recolhimento de tributos) são, logicamente, meros instrumentos para a correta aplicação da lei.

No caso sob análise, noto que os exames e as diligências realizadas se alinharam aos deveres de fiscalização da Justiça Eleitoral, de transparência na aplicação dos recursos pelos candidatos e estão de acordo com a regulamentação normativa.

Afasto também esta prefacial.

3. Mérito das contas.

A análise técnica identificou três recibos referentes ao adimplemento de despesa com combustíveis, sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, em montante de R$ 511,25.

No campo normativo, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece as hipóteses nas quais os gastos com combustíveis são considerados gastos eleitorais consoante art. 35, § 11, inc. II:

Art. 35 (…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas;

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

No ponto, o prestador informou que os veículos utilizados eram de sua propriedade, todos relacionados na declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral.

Destaco, entretanto, que a legislação é clara no sentido de que gastos com combustível e manutenção de veículo utilizado pelo candidato em campanha eleitoral devem ser considerados de natureza pessoal, sendo vedado o uso de recursos de campanha para seu pagamento, nos termos do § 6º do mesmo art. 35, e no caso posto há a situação agravante de não ter havido a apresentação de “relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim”, como determina o já citado art. 35, § 11, inc. II, al. "b" .

Assim, mantém-se configurada a falha, a qual, aliás, seria passível de ordem de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, inocorrente em razão do silêncio da sentença em relação ao tema, e sendo incabível tal determinação na presente instância, sob pena de ofensa ao princípio do non reformatio in pejus.

Por fim, aponto que o montante das irregularidades, R$ 511,25, possui valor inferior ao parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), cabendo a aplicação do princípio da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO para dar provimento do recurso e aprovar as contas com ressalvas.