REl - 0600881-82.2020.6.21.0017 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/08/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas

 

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Trata-se de recurso interposto por SCHANA REIS CORRÊA, candidata ao cargo de vereador no Município de Cruz Alta, contra a sentença do Juízo da 17ª Zona Eleitoral, que desaprovou suas contas de campanha relativas às eleições 2020 em razão de irregularidade em gastos efetuados com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, os quais ocorreram mediante cheque não cruzado. A decisão hostilizada determinou o recolhimento do valor de R$ 12.600,00 ao Tesouro Nacional.

As despesas eleitorais, quando da sua quitação via ordem de pagamento, devem guardar atenção ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que as cártulas devem ser emitidas na forma nominal e cruzada, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Em irresignação, a prestadora aduz ter carreado acervo probatório suficiente a elidir o vício de não cruzamento dos cheques, de forma que mantida a confiabilidade e transparência das contas de campanha. Sustenta, ainda, tratar-se de falha eventual, incapaz de ensejar a desaprovação das contas e a necessidade de recolhimento da verba pública ao erário. Colaciona jurisprudência, a qual entende dar sustentação as teses acima vertidas.

Adianto que assiste parcial razão a recorrente.

A candidata, modo inconteste, efetuou a quitação dos serviços contratados via cártula nominal não cruzada, ao arrepio da norma vertida no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Desta feita, em que pese anexadas as cópias dos contratos de prestação de serviço e das respectivas ordens de pagamento nominais, não há como verificar a real destinação dos valores, visto que os prestadores de serviço informados pela recorrente no Relatório de Despesas Efetuadas não constam ou diferem dos beneficiários dos créditos que figuram nos extratos eletrônicos, conforme sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, link https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86193/210001132372/extratos (Acesso em: 07.7.2022).

Com efeito, o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário. No entanto, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil.

Após debater essa matéria no julgamento do RE n. 0600464-77.2020.6.21.0099, interposto em processo de prestação de contas atinente ao pleito de 2020, envolvendo recursos públicos derivados do FEFC, este Colegiado adotou entendimento no sentido de que os valores indevidos devem ser recolhidos ao erário:


RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.
1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.
2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.
3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.
4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.
5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.
6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.
7. Provimento negado.
(Julgado na sessão de 06.7.2021, Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, redator do acórdão Des. El. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES.) (Grifei.)

 

A corroborar, segue excerto do percuciente parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor. É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos. Ademais, a obrigação de que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei nº 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF. Finalmente, ao não ser cruzado o cheque, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade. A realização de gastos com recursos do FEFC mediante a utilização de forma de pagamento vedada importa em utilização indevida de recursos públicos, ensejando o recolhimento ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019.

Quanto à jurisprudência relacionada, essa não se presta ao fim colimado. A uma, pois nenhum dos casos versa sobre malversação de verbas públicas. A duas, porque, diferente deste processo, as falhas são formais e não atingem a confiabilidade das contas. A três, porquanto nas ementas colacionadas o entendimento é pela suficiência da documentação acostada a demonstrar a escorreita utilização dos recursos, o que não ocorre no presente feito em que os cheques relacionados, bem como as contrapartes constantes (ou não) nos extratos, não encontram vinculação com os beneficiários arrolados pela prestadora nos relatórios do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais – SPCE. 

Contudo, entendo regular o pagamento do valor de R$ 900,00, realizado por meio do cheque n. 000010 (conta corrente n. 0614849103 - Banrisul) à prestadora de serviços Cleusa Fátima de Freitas, visto que tal cártula foi devidamente emitida de forma nominal e cruzada (ID 44982527 - pág.4). Cabe esclarecer que tal documento foi descontado por Matteo Baiotto Soares (CPF 964.948.080-34), que o recebeu por endosso, conforme se verifica no verso da ordem de pagamento (ID 44982527 - pág.4). Assim, inexistindo óbice ao aludido endosso, entendo pela regularidade da transação.

No que atina ao montante despendido irregularmente, R$ 11.700,00, este perfaz 38,78% do total auferido pela candidata (R$ 30.170,10), quantia que supera, em valor nominal e percentual, os parâmetros utilizados por esta Corte para, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, mitigar o juízo de desaprovação exarado na origem. 

Assim, faço eco ao decisum na origem, no que tange à gravidade da falha decorrente da inobservância do preceituado no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, regra que ostenta caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis, a ensejar a desaprovação da contabilidade de campanha, ganhando especial relevo a necessidade de devolução ao erário quando manejadas receitas públicas, como na hipótese dos autos.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e parcial provimento do recurso ao efeito de reduzir para  R$ 11.700,00 a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, mantendo a desaprovação das contas, nos termos da fundamentação.

 

É como voto, senhor Presidente.