REl - 0600384-05.2020.6.21.0038 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/08/2022 às 14:00

VOTO

As contas do Partido Liberal de Rio Pardo foram desaprovadas em razão das seguintes irregularidades: a) recebimento de recurso de fontes vedadas, no valor de R$ 712,00; b) não aplicação do percentual mínimo de verbas do Fundo Partidário para candidaturas femininas e pessoas negras, no montante de R$ 1.412,00 e R$ 1.454,80, respectivamente; e c) transferência de numerário entre a conta “Outros Recursos” e a conta do Fundo Partidário.

Verifica-se nos autos que houve um depósito em espécie do doador Leopoldo Buchaim da Silva, CPF n. 918.223.780/87, o qual é permissionário, constituindo-se em fonte vedada, portanto, de acordo com o inc. III do art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ademais, o argumento do recorrente de que tal contribuinte é permissionário em outro município não o socorre, isso porque não há delimitação geográfica no dispositivo legal.

A vedação expressa na norma eleitoral é quanto à fonte do recurso, não em relação à circunscrição do doador.

Assim, permanece a irregularidade na quantia de R$ 712,00, a qual deve recolhida ao erário, por ser considerada como proveniente de fonte vedada, conforme art. 31 da Resolução supramencionada.

A segunda irregularidade motivadora da desaprovação refere-se à ausência de destinação do percentual mínimo de recursos do Fundo Partidário para candidaturas femininas e de pessoas negras.

O partido recebeu verbas do Fundo Partidário no total de R$ 4.000,00, e deveria ter aplicado nas campanhas de candidatas a quantia de R$ 1.412,00, correspondente a 35,30%, e para as candidaturas de pessoas negras a quantia de R$ 1.454,80, correspondente a 36,37%, totalizando R$ 2.866,80.

O argumento recursal de que a falha ocorreu por lapso e não causou prejuízo às campanhas, ou de que o valor é ínfimo e irrisório em seus termos absolutos, não afasta as irregularidades.

A falha é gravíssima e o prejuízo é irreparável, pois houve expresso descumprimento da decisão proferida na ADI STF n. 5.617 e do disposto no art. 19, § 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Não está em discussão, neste feito, a intencionalidade no cometimento da falha (dolo), ou a má-fé da agremiação, mas o descumprimento de regra cogente aplicável a todos os partidos.

Conforme assentado pelo TSE: “É de se ter enraizada nas estruturas partidárias a consciência da transparência, da moralidade, da economicidade, da razoabilidade, da boa-fé, da cooperação e de outros importantes princípios norteadores das despesas com recursos públicos"(Prestação de Contas n. 22997, Acórdão, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE 19.4.2018.).

Destaco que o art. 45, § 2o, da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece a responsabilidade dos partidos sobre suas contas, não podendo a irregularidade ser relevada.

Portanto, permanece o apontamento de falhas quanto ao repasse para as cotas de gênero e racial de verbas do Fundo Partidário, que totalizam o montante de R$ 2.866,80.

A terceira e última irregularidade apontada na decisão de piso foi causada porque a agremiação, ao verificar não ter aplicado a verba reservada à cota feminina, transferiu a quantia de R$ 1.412,00 da conta “Outros Recursos” para a conta do Fundo Partidário.

Todavia, essa transferência de valores se trata de erro formal, pois foi possível o rastreamento dos recursos, e recebeu o tratamento de mera impropriedade, pois não acarretou condenação ao recolhimento de valores ao erário.

Em conclusão, tem-se que a soma das irregularidades é de R$ 3.578,80, sendo R$ 712,00 em virtude do recebimento de recursos de fonte vedada, e R$ 2.866,80 devido à irregularidade na aplicação de verbas do Fundo Partidário no sistema de cotas de gênero e racial.

As irregularidades perfazem a soma de R$ 3.578,80, que representa 65,95% do total das receitas financeiras (R$ 5.426,00), não sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, pois as falhas são graves e comprometem de forma insanável a confiabilidade e a transparência da movimentação financeira.

Merece ser mantida, portanto, a desaprovação das contas.

Quanto ao dever de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, deve ser decotada da condenação a quantia de R$ 2.866,80, relativa à irregularidade na aplicação de verbas do Fundo Partidário no sistema de cotas de gênero e racial, nos termos do disposto pela Emenda Constitucional n. 117, a qual expressamente estabelece que suas disposições têm aplicabilidade retroativa:


Art. 2º Aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional.

Art. 3º Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional.

 

De acordo com o TSE, as novas normas “alcançam somente as sanções porventura aplicáveis aos partidos que tenham descumprido o percentual mínimo de aplicação na ação afirmativa” (Prestação de Contas n. 060176555, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 06.5.2022.).

No acórdão em questão, o Relator, Min. Mauro Campbell Marques, apontou que a EC n. 117 não incide sobre a fase em que o Juízo Eleitoral analisa as glosas identificadas nas contas para concluir pela sua aprovação com ou sem ressalvas, ou desaprovação, nem excluiu a possibilidade desta Justiça Eleitoral aferir a regularidade do uso das verbas públicas.

Assim, em face da EC n. 117, ainda que as falhas sejam consideradas para efeito da desaprovação das contas, deve ser excluído do cálculo de recolhimento a quantia de R$ 2.866,80, permanecendo a determinação somente quanto ao valor de R$ 712,00.

Por fim, constato que a sentença não observou o disposto no § 5º do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, que prevê a perda do direito ao recebimento de valores do Fundo Partidário se o partido descumprir as normas referentes à arrecadação e à aplicação de recursos.

Entretanto, em face do princípio da vedação da reforma em prejuízo, não cabe a aplicação da sanção por este Tribunal.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para manter a sentença de desaprovação das contas e reduzir de R$ 3.578,80 para R$ 712,00 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.