MSCiv - 0600287-51.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/08/2022 às 16:00

VOTO

Preliminarmente, consigno que, excepcionalmente, esta Corte tem conhecido de mandado de segurança impetrado em face de decisão judicial nas hipóteses de manifesta ilegalidade e de grave atentado contra direito líquido e certo do impetrante, demonstrado, de modo inequívoco, na petição inicial, nos termos da Súmula n. 22 do TSE.

Na hipótese concreta, o impetrante, após o trânsito em julgado da sentença que julgou as contas, teve negado o seu pedido de renovação dos prazos processuais, deduzido em razão de irregularidades verificadas nas publicações dirigidas à sua advogada.

Assim, consoante bem sintetizou a Procuradoria Regional Eleitoral, “não se mostra presente nenhuma medida recursal cabível para a impugnação da decisão referida, não sendo também o caso de se falar em querela nullitatis, pois não se está discutindo a ausência de pressupostos processuais de existência, mas sim questionando a validade de ato judicial violador, em tese, de direito líquido e certo”.

Portanto, estão preenchidos os requisitos mínimos necessários para o conhecimento do mandamus.

No mérito, o ato indicado como violador de direito líquido e certo é a decisão proferida nos autos do processo n. 0600338-95.2020.6.21.0044, pela Juíza Eleitoral da 44ª Zona Eleitoral, Dra. Ana Paula Nichel Santos, nos seguintes termos (ID 45012266, fls. 209-213):

Vistos.

 

Descabe acolhida do pleito de ID 106686216.

 

Com efeito, não caracteriza justa causa, a afastar a preclusão operada, a alegada falha na comunicação, de publicação de nota de expediente, pela OAB à advogada que patrocina os interesses do prestador das contas, uma vez que a terceirização do serviço de acompanhamento das publicações não exime a profissional da advocacia de acompanhar as publicações regularmente realizadas pelo Diário da Justiça Eletrônico. Nesse sentido, a propósito, o pacífico entendimento do egrégio STJ:

[...].

 

Ademais, ainda que assim não fosse, descaberia o acolhimento do pleito de restituição dos prazos, haja vista as preclusões operadas, uma vez que não arguida a ocorrência de justa causa na primeira oportunidade seguinte de falar nos autos. Nessa senda:

 

[...].

 

Com efeito, posteriormente às intimações realizadas via DJe em 18.02.2022 e 19.5.2022 (DJe de nº 27/22, fls. 96-98, e DJe de nº 87/22, fls. 73-80), apontadas como objeto de falhas de informação pela OAB, foi publicada nota de expediente no DJe, intimando o prestador das contas, através de sua advogada, em 15.6.2022 (Edição 106 do DJe, fls. 122-129, IDs 106444028 e 106444030), para a comprovação do recolhimento à União do valor a que condenado na sentença, oportunidade em que, ao invés de arguir a ocorrência da justa causa e praticar os atos processuais, manteve-se inerte (ID 106788313), somente vindo a invocar a elisão da preclusão em 24.6.2022 (ID 106686216).

 

Isso posto, tendo em vista que não houve a arguição na primeira oportunidade posterior à alegada falha de intimação, indefiro o pedido de ID 106686216.

 

Intimem-se.

 

Após, inclua-se a União na autuação, como “Interessada”, e a sua intimação por meio da Procuradoria-Regional da União da 4ª Região (AGU) para o que entender cabível no prazo de 30 dias, via ato de comunicação, diretamente pelo Sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe).

 

Em síntese, o impetrante narra que sua advogada deixou de receber as notas de expediente publicadas no Diário de Justiça Eletrônico da Justiça Eleitoral em razão de falha no serviço de envio das notas de expediente da OAB/RS, o qual, por sua vez, decorreu da discordância da grafia do nome completo da advogada encontrada na publicação realizada pela Justiça Eleitoral, acarretando a não vinculação do processo ao cadastro da profissional.

Assim, o erro ocasionado pela Justiça Eleitoral teria impedido a ciência oportuna da decisão, justificando a restituição dos prazos, pedido esse, porém, indeferido pela apontada autoridade coatora, de forma que teria sido afrontado direito líquido e certo relativo à comunicação processual e ao exercício de defesa.

O pedido deduzido na origem (ID 45012266, fls. 201-202) está instruído com documentos produzidos pela OAB/RS, corroborando o argumento de que a falha na disponibilização da nota de expediente ocorreu por erro da grafia no nome da advogada, por equívoco do Cartório Eleitoral (ID 45012266, fls. 203-207), cabendo destacar a seguinte passagem:

Informo também que o erro ocorrido deu-se por discordância da grafia encontrada nos DJE’s do Tribunal Regional Eleitoral, nas datas de DISPONIBILIZAÇÃO de 16 e 17.02.2022, acarretando em uma não vinculação dos processos ao seu cadastro e tão logo o não envio das notas ao seu e-mail nas datas de PUBLICAÇÃO, nos dias 17 e 18.02.2022.

 

Constata-se que, de fato, a publicação da intimação foi realizada com o nome incompleto da procuradora do impetrante, pois faltante o sobrenome "Mattos" (ID 45012266, fls. 159-161) em relação ao que consta na procuração acostada aos autos (ID 45012266, fl. 133).

Por sua vez, há previsão expressa no § 4º do art. 272 do CPC de que, na publicação dos atos no órgão oficial da Justiça, a grafia dos nomes dos advogados corresponda exatamente aos nomes completos presentes na procuração ou no registro na OAB, in verbis:

Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.

§ 1º Os advogados poderão requerer que, na intimação a eles dirigida, figure apenas o nome da sociedade a que pertençam, desde que devidamente registrada na Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 2º Sob pena de nulidade, é indispensável que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, com o respectivo número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, ou, se assim requerido, da sociedade de advogados.

§ 3º A grafia dos nomes das partes não deve conter abreviaturas.

§ 4º A grafia dos nomes dos advogados deve corresponder ao nome completo e ser a mesma que constar da procuração ou que estiver registrada na Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 5º Constando dos autos pedido expresso para que as comunicações dos atos processuais sejam feitas em nome dos advogados indicados, o seu desatendimento implicará nulidade.

§ 6º A retirada dos autos do cartório ou da secretaria em carga pelo advogado, por pessoa credenciada a pedido do advogado ou da sociedade de advogados, pela Advocacia Pública, pela Defensoria Pública ou pelo Ministério Público implicará intimação de qualquer decisão contida no processo retirado, ainda que pendente de publicação.

§ 7º O advogado e a sociedade de advogados deverão requerer o respectivo credenciamento para a retirada de autos por preposto.

§ 8º A parte arguirá a nulidade da intimação em capítulo preliminar do próprio ato que lhe caiba praticar, o qual será tido por tempestivo se o vício for reconhecido.

§ 9º Não sendo possível a prática imediata do ato diante da necessidade de acesso prévio aos autos, a parte limitar-se-á a arguir a nulidade da intimação, caso em que o prazo será contado da intimação da decisão que a reconheça.

(Grifei.)

 

Paralelamente, o art. 280 do CPC determina a nulidade dos atos de comunicação processual que não seguirem as prescrições legais:

Art. 280. As citações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais.

 

Esse é o entendimento do e. Tribunal Superior Eleitoral, antes mesmo do advento do CPC/15:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI N. 9.504/97. INTIMAÇÃO DA SENTENÇA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. DECADÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DESPROVIMENTO. 

1. A publicação da decisão no órgão de imprensa oficial contendo o nome incompleto do advogado constituído pela parte implica a nulidade desse ato. Por medida de economia e celeridade processuais, admite-se o agravo regimental e procede-se desde logo ao seu exame.

2. A intimação realizada em nome de quaisquer dos advogados constituídos pelas partes é válida, desde que inexista pedido expresso para que seja procedida exclusivamente em nome de determinado causídico. Precedentes.

3. Não há falar em violação do art. 535, inc. II, do CPC, pois a decadência do direito de propor a ação não foi examinada pelo TRE/SP ante a intempestividade do recurso eleitoral.

4. As matérias de ordem pública - dentre as quais a decadência - também estão sujeitas ao requisito do prequestionamento, razão pela qual não podem ser conhecidas originariamente em sede extraordinária. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 3511, Acórdão, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 221, Data 20.11.2013, Página 21) (Grifei.)

 

Na mesma senda, colaciono julgado recente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro, que cita precedentes também dos Estados do Maranhão e da Bahia com idêntica conclusão:

ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. MATÉRIA DEVOLVIDA NO APELO LIMITADA À ARGUIÇÃO DE NULIDADE DA INTIMAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. NÃO OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES ESSENCIAIS PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO. INEFICÁCIA DO ATO EM ALCANÇAR A SUA FINALIDADE PRECÍPUA. PREJUÍZO PATENTE. INVOCAÇÃO DO VÍCIO NA PRIMEIRA OPORTUNIDADE. ALEGAÇÃO ADEQUADA. ESPECIFICIDADES DO PROCESSO ELEITORAL. PRAZOS EXÍGUOS, CONTÍNUOS E PEREMPTÓRIOS. PUBLICAÇÃO EM MURAL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA ESTRITA DAS REGRAS FIXADAS PARA A INTIMAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS. NULIDADE RECONHECIDA. PROVIMENTO DO RECURSO. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO NATURAL PARA REALIZAÇÃO DE NOVA INTIMAÇÃO COM OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS ESSENCIAIS. 

1. Rejeita–se a preliminar de intempestividade do recurso suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral. Prazo recursal que teve como termo inicial a data da ciência inequívoca do representado da decisão judicial, ainda antes da publicação do ato decisório no Diário da Justiça Eletrônico. Inteligência do art. 218, § 4º, do CPC. Jurisprudência do STJ.

2. A teor da regra extraída do § 4º do art. 272 do CPC, nas intimações feitas por meio da publicação dos atos processuais no veículo oficial, a grafia dos nomes dos advogados deve corresponder ao nome completo e ser a mesma que constar da procuração ou que estiver registrada nos assentamentos da Ordem dos Advogados do Brasil.

3. Intimação da sentença condenatória efetivada mediante publicação no mural eletrônico do TRE, dela constando o nome incompleto da única procuradora judicial do recorrente, divergindo da grafia constante da procuração juntada nos autos e do seu registro na OAB.

4. As formalidades essenciais previstas na legislação para a comunicação dos atos processuais não consubstanciam um fim em si mesmo, na medida em que propiciam o seu efetivo conhecimento pelos sujeitos do processo. São verdadeiras emanações concretas dos princípios do contraditório e da ampla defesa, resultando, via de consequência, na nulidade da intimação realizada com preterição da forma prescrita em lei e que tenha acarretado prejuízo efetivo para a parte por ela alcançada. Aplicação do art. 280, CPC.

5. Na seara eleitoral, especificidades como a previsão legal de prazos exíguos, contínuos e peremptórios e a publicação dos atos de comunicação processual em mural eletrônico, conforme disposto nos arts. 7°, 12 e 22 da Resolução TSE n. 23.608/19, implicam na necessidade de observância estrita das regras pertinentes às intimações dos atos processuais, sob pena de nulidade. Precedentes do TSE e dos TRE–MA e TRE–BA.

6. Nulidade arguida pelo réu na primeira manifestação processual após ter tomado ciência da decisão, respeitando–se a regra do art. 278 do CPC e o princípio da alegação adequada.

7. Preliminar ministerial de não conhecimento rejeitada e, no mérito, PROVIMENTO do recurso eleitoral para declarar a nulidade da intimação da sentença condenatória e tornar sem efeito todos os atos processuais subsequentes, devolvendo–se os autos ao juízo natural para nova intimação do ato decisório com observância das formalidades legais essenciais.

(RECURSO ELEITORAL nº 060005905, Acórdão, Relator(a) Des. Tiago Santos Silva, Publicação: DJE - DJE, Tomo 193, Data 14.7.2022.) (Grifei.)

 

Embora a Magistrada da 044ª Zona tenha entendido pela ocorrência de preclusão, porquanto o candidato voltou a ser intimado em 15.6.2022 (Edição 106 do DJe), tendo permanecido em silêncio, constata-se que também essa publicação está eivada do mesmo vício (ID 45012266, fls. 193-200), impedindo que se presuma a ciência da parte sobre os atos processuais então praticados.

Dessa forma, cumpre reconhecer a violação ao direito líquido e certo ante a manifesta inobservância dos arts. 272 e 280 do CPC, posto que as notas de expediente contidas no Diário da Justiça Eletrônico do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul – DJERS, nos autos do processo n. 0600334-58.2020.6.21.0044, foram publicadas com o nome incompleto da advogada constituída, constando “Adriana Castiel do Amaral” quando o correto seria “Adriana Castiel do Amaral de Mattos”.

A irregularidade em questão ocasionou flagrante prejuízo à defesa do impetrante, razão pela qual se impõe o reconhecimento da nulidade do ato de intimação e, por consequência, de todos os posteriores, com renovação da oportunidade de manifestação.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pela concessão da segurança, confirmando a liminar deferida, para determinar a reconstituição integral de prazo para manifestação sobre parecer técnico emitido em 16.02.2022, cuja nota de expediente respectiva foi publicada em 18.02.2022, com anulação dos atos processuais posteriores, inclusive da sentença, os quais devem ser renovados nos termos legais.