REl - 0600801-76.2020.6.21.0128 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 15/08/2022 às 16:00

VOTO VISTA

Trago em mesa voto vista, nos autos de processo da relatoria do ilustre Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, relativo ao recurso interposto pela candidata LORENI MACHADO MULLER contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha da eleição para vereadora de Mato Castelhano/RS, e determinou o recolhimento de R$ 750,00 ao Tesouro Nacional, em face do recebimento de depósito em dinheiro identificado na conta bancária com o número do CNPJ da sua candidatura, sem registro do CPF do depositante, em contrariedade ao art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A candidata alegou que os valores são próprios e que indicou seu CNPJ, e não o seu CPF, por equívoco, mas a quantia foi considerada na sentença como recursos de origem não identificada na forma do art. 32, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta da doadora ou do doador;

A decisão recorrida ressaltou que não se está diante de mero equívoco formal suprível por declarações de fato, suposições ou possibilidades de origem do recurso. Apontou que “Se assim o fosse, não haveria razão para a clara determinação normativa suprarreferida. A infração da norma pressupõe, de forma imperativa, a comprovação da efetiva origem do recurso, ou seja, de que o recurso pertencia ao doador declarado e, efetivamente, veio desse doador. Caso contrário, restaria exaurido o objetivo da norma, que prevê a operação realizada com requisito, primordial, a ser observado”.

Pois bem.

Inicialmente, na sessão de 29.7.2022, o ilustre Relator, Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, apresentou voto acolhendo a tese recursal, concluindo que deveria ser acatada a alegação de erro na realização do depósito bancário, com o consequente parcial provimento do recurso para que as contas fossem aprovadas com ressalvas, afastando-se a determinação de recolhimento da quantia de R$ 750,00 ao Tesouro Nacional.

Em judiciosas razões, o Desembargador Eleitoral Caetano posicionou-se contra o entendimento firmado por este Tribunal para as contas das eleições de 2020, desde a sessão de 01.9.2021, quando do julgamento do Recurso Eleitoral REl n. 0600158-60, no qual restou vencida a tese de que deveria ser acolhida a alegação de que eventual depósito efetuado na conta de campanha, com indicação do CNPJ da candidatura como depositante, era proveniente de recursos próprios.

Naquela assentada, definiu este Tribunal, a partir do voto divergente por mim prolatado, que os argumentos de que o candidato possui capacidade financeira, declarou que os recursos são próprios em documentos produzidos unilateralmente, ou apresentou o comprovante do depósito glosado, não são suficientes para se atestar a real fonte dos recursos e afastar a exigência normativa de identificação do CPF do depositante.

Transcrevo a ementa do julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. APROVADAS COM RESSALVAS. CONHECIDOS DOCUMENTOS NOVOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. DOAÇÃO IRREGULAR. APORTE FINANCEIRO EM ESPÉCIE EM NOME DO CNPJ DA CANDIDATURA. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

 

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas prestação de contas, em virtude do recebimento de depósito bancário, em que consta o CNPJ do candidato como doador, e pagamento de despesa de campanha com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), sem comprovação de utilização de cheque cruzado e nominal, determinando o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

 

2. Juntada de novos documentos na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica, como na presente hipótese.

 

3. Doação irregular. Evidenciado nos extratos bancários aporte financeiro, por meio de depósito bancário em espécie, em que consta como depositante o CNPJ de campanha e não o CPF do candidato, em afronta ao regramento estabelecido no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Este Tribunal já afastou a tese de que devem ser considerados como recursos próprios os valores depositados na conta de campanha em nome do CNPJ da candidatura, devido à falta de confiabilidade da procedência dessa receita a partir de mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea. Ademais, o recorrente não se desincumbiu de comprovar o fato que invoca em sua defesa, na forma do art. 373, inc. II, do CPC, sequer quanto à demonstração de que o depósito foi realizado no seu CNPJ por equívoco. Incabível a análise da boa ou má-fé do prestador. A regra sobre a identificação do CPF do doador deve ser aplicada de forma isonômica a todos os candidatos e partidos que disputaram o pleito, independentemente do valor depositado. Prova dos autos inapta para esclarecer a origem do depósito, impondo o recolhimento da quantia ao erário.

 

4. Utilização irregular de recursos do FEFC. Não comprovada a regularidade do pagamento de gasto eleitoral. A microfilmagem acostada aos autos demonstra que a cártula, embora nominal, não foi cruzada, em afronta ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que prescreve que os cheques empregados para pagamento de dispêndios de campanha sejam nominais e cruzados. Ausente a devida comprovação da utilização de recursos públicos, impõe-se a obrigação de ressarcir ao Tesouro Nacional o respectivo montante, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

5. Provimento negado.

(TRE-RS, REl PC n. 0600158-60.2020.6.21.0018, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Redator para o acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 01.09.2021).

 

Após o pedido de vista dos presentes autos, ocorrido em 29.7.2022, o ilustre Relator levou a julgamento, na sessão de 8.8.2022, três processos análogos, também de contas de candidatos a vereador do Município de Mato Castelhano/RS (0600798-24.2020.6.21.0128, 0600810-38.2020.6.21.0128, 0600802-61.2020.6.21.0128), e apontou ter verificado, em todos os feitos, uma identidade de valores, operações, datas e falhas que afastam a conclusão de ter ocorrido, em todos esses casos, um erro espontâneo dos respectivos prestadores.

Referiu que todas as candidatas receberam, na mesma data, dia 29.10.2020, no mesmo dia e com poucos minutos de diferença, “de modo padronizado”, depósitos bancários em dinheiro de R$ 750,00, com a anotação de seus CNPJs como depositantes dos valores.

Por conta disso, revisou o entendimento inicialmente exposto e votou pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, diante do baixo valor da falha de R$ 750,00 - em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade -, mas manteve a determinação de recolhimento da quantia ao erário.

Entretanto, uma vez que a conclusão do nobre Relator no sentido de que os recursos devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, nada obstante as contas possam ser aprovadas com ressalvas, está fundamentada no esvaimento da presunção de boa-fé e de verossimilhança da alegação de equívoco no preenchimento dos dados do depósito, cumpre tecer algumas considerações sobre o caso concreto.

Com a vênia do pensamento em sentido contrário, e conforme também consignei nas razões de decidir do REl n. 0600158-60, entendo que em caso de recebimento de recursos de origem não identificada “não se analisa a boa ou a má-fé do prestador, mas a falta de confiabilidade e de transparência na arrecadação, especialmente se levando em conta que a regra sobre a identificação do CPF do doador deve ser aplicada de forma isonômica a todos os candidatos e partidos que disputaram o pleito, independentemente do valor depositado”.

A questão é importante, pois na hipótese dos autos o ilustre Relator afastou a tese de equívoco somente em razão de uma identidade de falhas verificada casualmente em quatro processos de contas de vereadores de Mato Castelhano, de sua relatoria.

A existência da mesma irregularidade, em idênticas circunstâncias de tempo e lugar, foi apurada a partir da comparação de processos de contas, procedimento que não é comumente efetuado nos processos de contas, especialmente devido ao volume de feitos e à exiguidade do prazo para análise e julgamento prevista na legislação eleitoral.

Veja-se que, de acordo com a Resolução TSE n. 23.674/21, que estabelece o Calendário Eleitoral do pleito de 2022, dia 01.11.2022 é o último dia para a apresentação das contas finais da campanha das eleições proporcionais e dos demais cargos decididos em primeiro turno (Lei nº 9.504/1997, art. 29), e que o dia 15.12.2022 é o último dia, observado o prazo de até 3 (três) dias antes da data da diplomação, para a publicação da decisão eleitoral que julgar as contas das candidatas e dos candidatos eleitos (Lei nº 9.504/1997, art. 30, § 1º).

Ou seja, a Justiça Eleitoral tem prazo inferior a 45 dias para efetuar a análise e o julgamento de todos os processos de contas dos candidatos eleitos, sendo inviável que se realize, no caso de recebimento de depósitos bancários com origem identificada, a comparação que fundamenta a conclusão do voto condutor.

Desta feita, entendo que mesmo na ausência de comparação de processos com a mesma falha, não podem ser considerados como recursos próprios os valores depositados na conta de campanha, com registro do CNPJ da candidatura, devido à falta de confiabilidade da procedência dessa receita a partir de mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea.

Ressalto que localizei casos em que a impropriedade foi relevada por esta Corte, especialmente quando os candidatos apresentam o extrato bancário da conta pessoal e outros meios de prova afora documentos unilateralmente produzidos, conferindo segurança sobre a real origem do valor depositado. Contudo, ausente demonstração segura e inequívoca, entendo que não há confiabilidade na mera declaração de que a procedência é própria e que o recurso é pessoal. Colaciono precedentes:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. CANDIDATO. VEREADOR. DEPÓSITOS BANCÁRIOS EM DINHEIRO. DOAÇÃO COM O CNPJ DA CAMPANHA. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO. DOAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS. NÃO COMPROVADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA DE VALORES. EXIGÊNCIA NORMATIVA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DA FALHA. DIMINUTO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

 

1. Recurso contra sentença que aprovou com ressalvas a prestação de contas relativa às eleições municipais de 2020 para o cargo de vereador e determinou o recolhimento de R$ 350,00 ao Tesouro Nacional, em face do recebimento de dois depósitos bancários, em dinheiro, com o CNPJ de campanha indicado como doador, com a justificativa de tratar-se o valor de receitas próprias, embora tenha sido declarada a ausência de bens por ocasião do registro de candidatura.

 

2. A falta de confiabilidade e de transparência sobre a origem do recurso não fica afastada pela declaração de que o depósito foi realizado pelo próprio prestador, pois o art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 expressamente determina que as doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado.

 

3. A exigência normativa de que as doações de campanha, mesmo que provenientes dos próprios candidatos, sejam feitas por meio de transferência eletrônica, visa coibir a possibilidade de manipulações e de transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, o que não pode ser confirmado na espécie.

 

4. O total de irregularidades de R$ 350,00 representa 12,68% do conjunto da arrecadação de campanha, afigurando-se razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas, mantendo-se a determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

 

5. Desprovimento do recurso.

 

(TRE-RS, REL PC 0600155-08, de minha relatoria, julgado em 29.7.2021, publicação PJe – Processo Judicial Eletrônico.)

 

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PROPORCIONAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. DOAÇÃO SEM IDENTIFICAÇÃO DO CPF DO DOADOR. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. DESPESAS COM COMBUSTÍVEL SEM COMPROVAÇÃO DE PROPRIEDADE DE VEÍCULO OU USO EM CAMPANHA. SAQUE EM CONTA SEM DEMONSTRAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. IRREGULARIDADES TOTALIZANDO 85.26% DAS RECEITAS DECLARADAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO DO RONI. DESPROVIMENTO.

 

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas do recorrente, em virtude do recebimento de depósito bancário com identificação do CNPJ do candidato como doador, de realização de despesa com combustível sem registro de veículo na prestação oferecida e de saque da conta bancária sem especificação do beneficiário do recurso. Determinado o recolhimento do valor recebido, a título de doação, sem identificação do doador.

 

2. A Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 21, inc. I, define que as contribuições oriundas de pessoas físicas devem informar o CPF do doador, sendo insuficiente a mera declaração posterior sobre a titularidade do aporte para demonstrar a real origem da cifra depositada na conta de campanha, caracterizando o recurso como de origem não identificada - RONI. Vício não sanado.

 

3. Não carreada aos autos documentação apta a comprovar a propriedade do veículo automotor que gerou despesa com combustível durante o pleito, de modo a atender ao disposto no art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19. À mingua de provas, mantém-se a irregularidade.

 

4. Retirada de importância da conta bancária, pelo recorrente, sem justificativa ou demonstração de destinação. O valor irrisório do saque não afasta a necessidade de indicação do beneficiário da quantia, visto que, ausente informação sobre a finalidade do numerário, resta maculada a confiabilidade e a transparência das contas de campanha do candidato.

 

5. Irregularidade que perfaz 85,26% das receitas declaradas, percentual superior ao marco de 10% utilizado por esta Justiça Especializada para mitigar o juízo de desaprovação das contas diante dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

6. Manutenção da sentença de desaprovação e do dever de recolhimento do montante recebido a título de RONI.

 

7. Desprovimento.

 

(TRE-RS, REL PC 0600805-16, de minha relatoria, julgado em 3.8.2021, publicação PJe – Processo Judicial Eletrônico.)

 

 

 

Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014. Irregularidades, entre outras, prejudiciais ao exame da prestação de contas do candidato: ausência de recibos eleitorais; devolução de cheques sem apresentação do original ou da declaração de quitação do débito, caracterizando dívida de campanha não consignada e sem a devida assunção pelo partido; discrepância entre o total dos créditos e a identificação dos CPF/CNPJ observados nos extratos bancários eletrônicos constantes da base de dados da Justiça Eleitoral; depósito bancário identificado com o CNPJ da candidatura, o que caracteriza o recurso como de origem não identificada e impõe o recolhimento do valor arrecadado ao Tesouro Nacional. Desaprovação.

(TRE-RS, PC 203114, Relatora: DRA. GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA, DEJERS 25.01.2016.)

 

Destarte, além dos argumentos trazidos pelo ilustre Relator, entendo que a recorrente não se desincumbiu de comprovar o fato que invoca em sua defesa, no sentido de que os recursos depositados no seu CNPJ por equívoco são próprios, ônus que lhe incumbia, na forma do art. 373, inc. II, do CPC.

Com esses fundamentos, acompanho a conclusão pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de LORENI MACHADO MULLER e manter a determinação de recolhimento da quantia de R$ 750,00 ao Tesouro Nacional.