REl - 0600283-10.2020.6.21.0024 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/08/2022 às 16:00

VOTO

 

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Juntada de Novos Documentos na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados na fase recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica, como na presente hipótese.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO.

1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS - RE: 50460 PASSO FUNDO - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 13, Data 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.)

 

O prestador trouxe ao feito microfilmagens dos cheques emitidos a demonstrar, sem a necessidade de intervenção técnica, a escorreita emissão das cártulas (ID 44965687).

A Procuradoria Regional Eleitoral exarou parecer no sentido de admitir a prova colacionada (ID 45003136).

Logo, conheço os documentos juntados ao recurso.

 

Mérito

No mérito, cuida-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, referente ao pleito de 2020, de FABIANO SANTOS DA LUZ, no Município de Itaqui/RS, porquanto utilizadas verbas do FEFC sem, contudo, atentar para as regras de emissão das ordens de pagamento dispostas no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. 

Segue excerto da decisão no que importa ao caso:

Após a análise dos extratos bancários eletrônicos não foi possível identificar o pagamento através de cheque nominal cruzado ou transferência bancária dos seguintes gastos eleitorais:

Teobaldina Teresinha da Costa Marques (cheque nº 850003), no montante de R$ 700,00 (ID 80124782), ausente a identificação da contraparte;

Naiara Ribeiro Silva (cheque nº 850011), no montante de R$ 150,00 (ID 80124775), foi compensado por pessoa jurídica diversa da prestadora do serviço;

Arnaldo Pedrozo Neto (cheque nº 850012), no montante de R$ 1.200,00 (ID 80124784), foi compensado por pessoa física diversa do prestador do serviço;

Naiara Ribeiro Silva (cheque nº 850007), no montante de R$ 150,00 (ID 80124781), foi compensado por pessoa jurídica diversa da prestadora do serviço;

Endrya da Silva Silva (cheque nº 850006), no montante de R$ 150,00 (ID 80124785), foi compensado por pessoa jurídica diversa da prestadora do serviço;

GM Artes Graficas Ltda. ME (cheque nº 850004), no montante de R$ 300,00 (ID 80124780), ausente a identificação da contraparte.

Ainda, o contrato de Honorários Advocatícios atribuído a Teobaldina Teresinha da Costa Marques carece de sua assinatura e a advogada sequer está substabelecida nos autos.

Registre-se, também, que, embora regularmente intimado, o prestador de contas não apresentou qualquer esclarecimento sobre a irregularidade supra.

De acordo com a disciplina contida no art. 38, incs. I a IV, da Resolução TSE n. 23.607/19, os gastos eleitorais de natureza financeira – excetuados aqueles de pequeno vulto e movimentados sem necessidade de trânsito por conta bancária – devem ser efetuados por meio de cheque nominal e cruzado, transferência bancária com identificação do CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária. A esse regramento não escapa a movimentação de verbas derivadas do FEFC, de modo que a realização do saque eletrônico da conta-corrente específica para a quitação de despesa com recursos dessa natureza importa irregularidade grave e insanável.

Ausente, também, comprovação de pagamento de despesas, por meio de cheques não nominativos, com recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, pois os beneficiários dos recursos foram terceiros que não os fornecedores dos serviços.

Na hipótese dos autos é incontroverso o descumprimento da norma eleitoral, porquanto, além de não haver documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados ou qualquer prova capaz de elidir a falha, está caracterizada a ausência de comprovação na destinação de recursos do FEFC, o que torna inviável a aprovação das contas eleitorais do Sr. Fabiano Santos da Luz.

[...]

Como consequência do vício ora esposado, deve ser reconhecida a obrigatoriedade de transferência do valor de R$2.650,00 (dois mil seiscentos e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional, consoante determina o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, saliento que o julgamento das contas apresentadas está adstrito às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não afastando a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, conforme previsto no art. 75 da Resolução TSE n. 23.607/19.

III – DISPOSITIVO

Isso posto, e com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, julgo DESAPROVADAS as contas de FABIANO SANTOS DA LUZ , relativas às eleições de 2020.

Determino, outrossim, o recolhimento do montante de R$2.650,00 (dois mil seiscentos e cinquenta reais) , importância considerada como irregular, a ser destinada ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à Advocacia-Geral da União para fins de cobrança, nos termos do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Irresignado, o prestador sustentou a impossibilidade de, no prazo recursal, obter os “negativos” de todos os cheques arrolados na sentença, contudo, colacionou ao feito cópia de duas cártulas, e registrou ter instado, junto ao ente bancário, microfilmagem das demais ordens de pagamento, no intuito de comprovar a observância das normas eleitorais. Com o mesmo fito, aduziu não ter como controlar a forma utilizada pelos destinatários para descontar os cheques, e carreou aos autos declaração, nota fiscal e recibos.

Com efeito, a documentação, ainda que tenha aportado ao feito após a interposição do recurso, faz prova quanto à adequada emissão dos cheques, nominais e cruzados, como preceitua o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Senão vejamos:

- cheque n. 850003, R$ 700,00, destinado à Teobaldina Teresinha da Costa Marques, restou comprovado, conforme ID 44947782 e 44965689, fl. 8, contudo o extrato bancário não apresenta a contraparte que debitou o valor e não consta nos autos procuração;

- cheque n. 850004, R$ 300,00, destinado à GM Artes Gráficas Ltda. ME, restou comprovado, conforme ID 44965689, fl. 1, ainda que o extrato bancário não apresente a contraparte que debitou o valor, o recorrente juntou ao feito nota fiscal a indicar prestação de serviços pela beneficiária informada (ID 44947787);

- cheque n. 850006, R$ 150,00, destinado à Endrya da Silva Silva, restou comprovado, conforme ID 44965689, fl. 2, debitado por Distribuidora de Bebidas Itaquiense Ltda.;

- cheque n. 850007, R$ 150,00, destinado à Naiara Ribeiro Silveira, restou comprovado, conforme ID 44965689, fl. 4, debitado por Alexsandro Silveira Vasques ME;

- cheque n. 850011, R$ 150,00, destinado à Naiara Ribeiro Silveira (na cártula Nayara Silveira), restou comprovado, conforme ID 44947783 e 44965689, fl. 5, debitado por Alexsandro Silveira Vasques ME; e

- cheque n. 850012, R$ 1.200,00, destinado à Arnaldo Pedroso, restou comprovado, conforme ID 44965689, fl. 6, debitado por Eva Montenegro;

 

Aproveitados os documentos, do rol descrito na decisão de piso, remanesce apenas vício quanto à cártula n. 850003, nominal à Teobaldina Teresinha da Costa Marques, isto porque, conquanto demonstrada a acertada forma de emissão dos cheques, a regularidade do gasto não restou comprovada.

A irregularidade foi apontada no exame preliminar (ID 44947762), repisada no parecer conclusivo (ID 44947769), e confirmada em sentença, tendo transcorrido in albis o prazo para manifestação do prestador após intimação sobre os dois relatórios emitidos pela servidão cartorária.

Destarte, visto que em momento algum da fase de instrução, mesmo após instado o prestador, aportou ao feito procuração em nome da beneficiária da ordem de pagamento quitada com recursos do FEFC, adiro, quanto à necessidade de devolução da quantia ao erário, à manifestação da sempre diligente Procuradoria Regional Eleitoral:

em que pese a microfilmagem demonstre que o cheque em questão foi emitido cruzado e nominal, não está comprovada a regularidade do gasto, tendo em vista a ausência de demonstração da condição de fornecedora atribuída à beneficiária do pagamento. O contrato de honorários inicialmente anexado à prestação de contas não apresentava assinatura, tampouco havendo demonstração da efetiva prestação de serviços advocatícios pela advogada, que sequer possuía procuração nos autos. Por outro lado, há outro profissional habilitado e que sempre atuou nesta prestação de contas, de modo que a juntada, com o recurso, de substabelecimento (ID 44947789) ao advogado com mandato expresso nos autos (ID 44947681), além de não fazer nenhum sentido, é inábil a comprovar o real e efetivo fornecimento do serviço pela contratada.

Portanto, não há como afastar a irregularidade referente ao pagamento realizado por meio do cheque nº 850003, emitido em favor da advogada Teobaldina Teresinha da Costa Marques.

 

Noutro giro, no que toca à alegação do recorrente quanto à impossibilidade de controlar a forma como os beneficiários utilizaram os cheques, contanto que o candidato tenha emitido os cheques na forma prescrita do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, não pode ser responsabilizado por seu endosso e pagamento a terceiro diferente da relação contratual entre as partes indicadas na contabilidade, dado que o cheque nominal e cruzado pode ser endossado mediante assinatura no verso.

Na forma do art. 17, § 1°, da Lei n. 7.357/85 (Lei do Cheque), para proibir o endosso de cheque, ainda que nominal e cruzado, deve-se marcar como “não à ordem” a cártula, pois todo o cheque, por padrão, apresenta a expressão “à ordem”, podendo ser endossado normalmente. Para proibir a concessão deve-se riscar o “à ordem” e colocar “não à ordem” em cima, todavia o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 não contempla a exigência de vedação ao endosso.

No que atina ao montante despendido irregularmente, R$ 700,00, este perfaz 11,98% do total auferido pelo candidato, contudo a cifra é inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 utilizado por esta Corte para considerar o valor módico, a autorizar, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a mitigação da sentença exarada na origem. Segue ementa de aresto de relatoria do Des. Federal Luís Alberto D´Azevedo Aurvalle, julgado na sessão de 17.3.2022, REl n. 0600369-88.2020.6.21.0150,  a ilustrar o entendimento deste Colegiado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS APRESENTADOS COM O RECURSO. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. AUSENTE DOCUMENTO FISCAL CAPAZ DE COMPROVAR GASTO COM ALIMENTAÇÃO. PAGAMENTO EM ESPÉCIE DE DESPESA REALIZADA COM CABO ELEITORAL. VALOR ABSOLUTO REDUZIDO. APLICADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinado o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Preliminar. Conhecidos os documentos apresentados com o recurso, seguindo orientação firmada nesta Corte, pois independem de novo parecer técnico.

3. Descumprimento dos requisitos encartados no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, restando configurada a ausência de comprovação dos gastos realizados com recursos do FEFC. 3.1. Falta de documentação fiscal capaz de comprovar gasto com alimentação. Acostado tão somente recibo sem a descrição da despesa. 3.2. Pagamento em espécie de despesa realizada com cabo eleitoral. Não efetuado o pagamento por meio de cheque nominal e cruzado, resta inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha. Prejudicado, ainda, o rastreamento para verificação se os destinatários dos pagamentos de fato integravam a relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

4. A realização de gastos com recursos do FEFC por meio impróprio de pagamento e sem comprovação da despesa eleitoral importa em emprego indevido de recursos públicos, ensejando o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia irregular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. A irregularidade representa 26,82% das receitas declaradas. Embora o percentual seja significativo diante do somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19). Nessa hipótese, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para mitigar o juízo de reprovação das contas.

6. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

 

Assim, afastados os demais vícios na contabilidade, permanece mácula, ainda que de valor irrisório, quanto à regularidade da despesa com serviços advocatícios quitados com recursos públicos, de forma que a sentença deve ser modificada para aprovar as contas com ressalvas, mantido o dever de recolhimento da parcela da verba malversada.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, mantido o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 700,00, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.