AJDesCargEle - 0600160-16.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/08/2022 às 14:00

VOTO

O requerente invoca justa causa para sua desfiliação do partido União Brasil (UNIÃO), sem a perda de seu mandato de vereador.

A alegada justa causa apresentada pelo requerente, a fim de justificar a sua desfiliação, está prevista no art. 22–A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

 Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

 I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (grifo nosso)

 

Sobre o tema, o STF, ao apreciar a ADI 4583, consignou que houve revogação tácita das hipóteses outrora previstas na Resolução TSE n. 22.610/07. Confira-se a ementa:

EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL ELEITORAL. ART. 1º, § 1º, INC. II, DA RESOLUÇÃO N. 22.610/07 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. CRIAÇÃO DE NOVO PARTIDO COMO HIPÓTESE DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM PERDA DE MANDATO ELETIVO. CONTEÚDO JURÍDICO-NORMATIVO ESSENCIALMENTE PRIMÁRIO APTO AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. TEMA DIVERSO DO DEBATIDO NAS ADIs 3.999 E 4.086. CABIMENTO. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 13.165/15 INSERINDO O ART. 22-A NA LEI N. 9.096/95. ROL TAXATIVO DE JUSTA CAUSA. REVOGAÇÃO TÁCITA DA NORMA IMPUGNADA. PERDA DO INTERESSE DE AGIR. PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO.

1. Suscitada a inconstitucionalidade do art. 1º, § 1º, inc. II, da Resolução TSE n. 22.610/07 que prevê a criação de novo partido como justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo.

2. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, viável o controle abstrato da constitucionalidade de ato do Tribunal Superior Eleitoral de conteúdo jurídico-normativo essencialmente primário.

3. Cabível a presente ação, uma vez que (i) nas ADIs 3.999 e 4.086, o Supremo Tribunal Federal somente se pronunciou sobre a constitucionalidade formal da Resolução TSE n. 22.610/07, rejeitada a tese de usurpação pelo Tribunal Superior Eleitoral de competência legislativa; e (ii) acolhida, por esta Suprema Corte, ao julgamento da ADI 5.081, a possibilidade de reapreciação da constitucionalidade de dispositivo específico desta Resolução.

4. A superveniência da Lei n. 13.165/15, inserindo o art. 22-A na Lei n. 9.096/95, ao dispor de forma taxativa e exaustiva sobre as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, revogou tacitamente o § 1º do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/07.

5. O art. 22-A da Lei n. 9.096/95 acrescentou como hipótese de justa causa, no inc. III do parágrafo único, a mudança de partido durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, a chamada “janela” de desfiliação.

6. Antes da introdução do art. 22-A da Lei dos Partidos Políticos, o Tribunal Superior Eleitoral havia firmado entendimento, ao exame da Consulta nº 755-35, de que o prazo para filiação ao novo partido criado, sem a perda do mandato, seria de 30 (trinta) dias contados do registro do Estatuto do partido naquela Corte Eleitoral.

7. A medida cautelar concedida no bojo da ADI 5.398 solucionou a questão de direito intertemporal, ao conferir às agremiações recém criadas, cujos prazos para migração partidária ainda estavam em curso, o direito de não se submeter ao novo regramento, resguardando suas legítimas expectativas.

8. Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada, ante a perda superveniente do seu objeto, mais especificamente do interesse processual no prosseguimento do feito, em decorrência da revogação e do exaurimento da eficácia do ato normativo impugnado.

(STF - ADI: 4583 DF, Relator: ROSA WEBER, Data de Julgamento: 23.11.2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 03.12.2020.) (grifo nosso)

 

Nesse cenário, ainda que seja razoável a argumentação trazida na inicial quanto à mudança programática decorrente da fusão, não menos razoável é a circunstância de que a fusão, por si só, não é justa causa para autorizar a desfiliação do mandatário.

Isso porque o art. 22-A da Lei n. 9.096/95, acrescentado pela Lei n. 13.165/15, revogou tacitamente o art. 1º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE 22.610/07, que previa, de forma expressa, a hipótese de incorporação ou fusão de partido político como justa causa para a desfiliação partidária.

O vigente art. 22-A da Lei n. 9.096/95 não prevê a incorporação ou fusão partidária como justa causa para a desfiliação partidária.

Dessa forma, reitero: a mera fusão ou incorporação de partidos não significa, necessariamente, uma mudança substancial do programa partidário, sem que isso seja objetivamente aferido nos autos.

Superada a questão da fusão do DEM e PSL, como justa causa para a desfiliação partidária, resta a demonstração da mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário afirmada pelo requerente, hipótese amparada no art. 22–A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Assim, a matéria controvertida é verificar se há fundamento legítimo para que o eleito deixe o partido conservando o mandato.

Note-se que, quando há a fusão de dois partidos ou mais, em tese, não há uma alteração substancial do programa partidário, pois o novo programa é fruto de um consenso entre os integrantes das agremiações em processo de fusão. Conforme se verifica na legislação que disciplina os processos de fusão e incorporação, art. 29, § 1º, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95:

Art. 29. Por decisão de seus órgãos nacionais de deliberação, dois ou mais partidos poderão fundir-se num só ou incorporar-se um ao outro.

 § 1º No primeiro caso, observar-se-ão as seguintes normas:

 I - os órgãos de direção dos partidos elaborarão projetos comuns de estatuto e programa;

 II - os órgãos nacionais de deliberação dos partidos em processo de fusão votarão em reunião conjunta, por maioria absoluta, os projetos, e elegerão o órgão de direção nacional que promoverá o registro do novo partido.

 

A fusão do Partido Social Liberal (PSL) e Democratas (DEM) foi aprovada pelo TSE, o que significa dizer que todas as normas do art. 29, § 1º, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95 foram rigorosamente observadas. Isto é, a fusão ocorreu por decisão dos órgãos nacionais de deliberação do PSL e DEM. E, principalmente, que os órgãos de direção dos partidos elaboraram projetos comuns de estatuto e programa, bem como os órgãos de deliberação de ambos os partidos votaram em reunião conjunta, por maioria absoluta, os projetos, e elegeram o órgão de direção nacional.

A fusão tem caráter nacional, as deliberações são tomadas em nível nacional e devem ser cumpridas pelos seus filiados nos demais níveis, estadual e municipal. Entretanto, o fato de as decisões serem acertadas entre as cúpulas nacionais dos partidos fundidos não significa dizer que, antes de qualquer decisão, não tenham sido amplamente debatidas por seus correligionários internamente.

Os projetos, estatutos e programas do novo partido foram elaborados conjuntamente pela direção dos dois partidos fundidos. A votação de tais projetos ocorreu por maioria absoluta, de modo que não é crível que ninguém durante esse processo de fusão tenha se oposto à elaboração de um novo estatuto que ferisse de tal forma os ideários e programas partidários de sua agremiação original.

Em que pese o argumento acima exposto, se da fusão de partidos resultar na adoção de um programa divergente dos ideários que orientavam os partidos fundidos, sim, existe a possibilidade de se configurar a hipótese de mudança substancial, a qual deverá ser provada.

Note-se que, por óbvio, em decorrência da fusão, criação de um novo partido, a partir da construção conjunta de outros dois partidos, alterações estatutárias e programáticas existirão. Porém, o ponto nevrálgico capaz de ensejar a desfiliação por justa causa são mudanças substanciais. Logo, igual não será, pode ser semelhante, mas não discrepante.

Segundo o requerente, o partido União Brasil (UNIÃO) tem ideologias muito distintas do Partido Social Liberal (PSL), e tal premissa poderia ser verificada por meio dos respectivos Estatutos.

Ocorre que o mero cotejo dos Estatutos não é suficiente para afirmar se há ou não incompatibilidade de orientação política capaz de embasar a desfiliação, sendo necessária a demonstração cabal das diferenças entre o estatuto do partido fundido e do partido novo, traduzindo no plano de atuação partidária a substancial mudança de programa partidário, que torna incompatível a permanência de determinado cidadão filiado aos quadros da nova agremiação.

Nos termos da jurisprudência do TSE, é ônus do parlamentar requerente comprovar uma das hipóteses de justa causa previstas na legislação de regência. No caso, o requerente deve demonstrar, de forma concreta, que a fusão deu causa à mudança substancial no programa partidário, por meio de uma análise minuciosa das alterações estatutárias.

Quanto a esse ponto, o requerente sustenta na inicial algumas mudanças no programa que ele considera inviáveis à sua permanência nos quadros do UNIÃO, quais sejam: I) o PSL tem por base a redução do Estado, ou seja, a adoção do Estado Mínimo, enquanto o UNIÃO BRASIL adota como princípio imutável e inegociável o Estado como garantidor da população e, ainda, nega a ideia de Estado Mínimo; II) o PSL é marcado pelo incentivo absoluto à propriedade privada, e o UNIÃO BRASIL repudia a priorização do interesse individual, entendendo que deve prevalecer o interesse coletivo acima de qualquer outro; III) o PSL é declaradamente contrário a qualquer tipo de privilégio em razão de classe social, sexo ou cor, e o UNIÃO BRASIL valoriza programas de transferência de renda e divisão do povo em razão da condição social, concedendo-lhes recursos financeiros e o estímulo à participação das mulheres e das minorias na política, garantindo espaço privilegiado a esses grupos.

Ainda, afirma o requerente que “a mudança substancial que aqui será demonstrada não diz respeito a disputas internas ou intrigas pontuais que não interferem nas ideias e princípios do partido. Pelo contrário, simbolizam distorção e subversão de um posicionamento ideológico histórico do PSL, a ponto de tornar inviável a permanência do requerente nos quadros da agremiação pela qual foi eleito”. Ocorre que, conforme dito na contestação, o novo partido ainda não teve tempo hábil para mostrar suas efetivas características. Em verdade, não se sabe qual rumo que o partido seguirá. Logo, toda e qualquer afirmação será exercício de futurologia. A meu ver, afirmar que um partido, recentemente criado, assume posições à direita, centro ou esquerda, com base apenas na leitura do Estatuto, é bastante precipitado. Na maioria das vezes, os posicionamentos partidários ao longo de sua existência diante das votações de determinados assuntos nas Casas Legislativas é que de fato definem a posição adotada. Todavia, não restou comprovado nos autos que essas mudanças tenham sido substanciais.

Valho-me da precisa análise da douta Procuradoria Regional Eleitoral, a qual agrego expressamente como razões de decidir, evitando-se assim desnecessária tautologia (ID 44980511):

Cabe ressaltar que a inicial traz a assertiva de que o programa do UNIÃO BRASIL não aborda 5 pontos essenciais do programa do PSL, quais sejam: c) políticas de proteção às nossas fronteiras, minimizando o contrabando e o tráfico de armas e de drogas; d) políticas de esclarecimento à população, que visem a conscientização a respeito dos males provocados pelo comunismo e socialismo; e) proteção à propriedade privada e garantia de que cada cidadão de bem tenha o direito de proteger seu principal patrimônio: sua vida. Para tanto, é necessária a revogação do Estatuto do Desarmamento e a criação de condições para que os cidadãos possam ter a posse de armas de fogo, se assim o desejarem; j) combate à censura, ao constrangimento e aos desequilíbrios morais e sociais decorrentes do discurso 'politicamente correto'; k) combate à sexualização precoce de crianças. Entretanto, a ausência de referência expressa a tais temas não indica o posicionamento contrário do UNIÃO BRASIL, de modo a caracterizar mudança substancial do programa partidário em relação ao PSL. Nesse sentido, registra-se que o programa do UNIÃO BRASIL apoia a Modernização permanente das Forças Armadas, como requisito indispensável à defesa da soberania nacional e das instituições democráticas (item 9) e o exercício pelo Estado do monopólio da força com todo o rigor no enfrentamento da criminalidade, pois devemos desmontar o crime organizado, atuar com Inteligência, planejamento e integração das forças de segurança para vencer a violência e devolver a paz aos brasileiros (item 19), o que corresponde a um posicionamento amplo, no seio do qual se insere aquilo que prevê o programa do PSL – a adoção de políticas de proteção às nossas fronteiras, minimizando o contrabando e o tráfico de armas e de drogas (item c). Da mesma forma, o combate ao discurso “politicamente correto”, o qual estaria por trás de manifestações de censura, constrangimento e desequilíbrios morais e sociais, segundo o programa do PSL, vê-se inserido nos objetivos do UNIÃO BRASIL, cujo programa prega o Zelo pelo patrimônio da liberdade de expressão, que é condição fundamental à existência do Estado democrático (item 4). Ou seja, ao defender as diversas formas de expressão, por considerar que O ser humano deve ser livre para manifestar suas ideias, acessar informações, professar uma religião, escolher seus representantes, de todas as formas que o Estado de Direito lhe garante, o novo partido converge com o posicionamento do PSL, ainda que em termos mais sutis, ao sustentar o direito dos cidadãos defenderem suas ideias sem receio de que estas sejam censuradas ou menosprezadas com base em seu conteúdo. O mesmo raciocínio é cabível em relação ao tema da sexualização precoce de crianças, pois se identifica no programa do UNIÃO BRASIL a Priorização de políticas públicas voltadas para a Primeira Infância. Compreendemos que ações integradas de saúde, educação, nutrição, moradia e assistência psicossocial com foco em gestantes, mães e crianças são um caminho promissor para a real superação do ciclo de pobreza, uma vez que as capacidades cognitivas de um indivíduo são moldadas na Primeira Infância e impactam diretamente sua trajetória educacional e profissional (item 16), na medida em que há consenso no âmbito do atual desenvolvimento das ciências humanas no mundo ocidental de que o processo de crescimento da criança apresenta demandas próprias, que devem ser respeitadas, para garantir um amadurecimento saudável do ser humano. Na visão psicanalítica, a erotização ou sexualização precoce é um fenômeno de natureza traumática, um transtorno de efeitos prejudiciais duradouros na organização psíquica da pessoa, gerado por acionamento dos impulsos sexuais de maneira inapropriada, conduzindo a criança a atropelar fases de amadurecimento com prejuízo ao seu processo de aprendizagem afetiva. Assim, ao defender ações integradas de (...), educação, (...) e assistência psicossocial com foco em gestantes, mães e crianças, os programas partidários do UNIÃO BRASIL e do PSL convergem para a mesma ideia. No tocante à conscientização a respeito dos males provocados pelo comunismo e socialismo, efetivamente, não há no programa do UNIÃO BRASIL cláusula de tal natureza, embora esteja evidente, consoante demonstrado acima, que a agremiação resultante da fusão entre DEM e PSL não adota o socialismo ou o comunismo, de modo que a ausência de utilização do proselitismo consiste em uma divergência acessória e de menor relevância, insuficiente para caracterizar uma mudança substancial do programa político. Quanto à previsão de proteção à propriedade privada e garantia de que cada cidadão de bem tenha o direito de proteger seu principal patrimônio: sua vida. Para tanto, é necessária a revogação do Estatuto do Desarmamento e a criação de condições para que os cidadãos possam ter a posse de armas de fogo, se assim o desejarem, igual observação pode ser feita. O programa do UNIÃO BRASIL aponta inquestionável respeito à dignidade humana (item 3), preocupação com a criminalidade (item 19) e defesa do direito à propriedade priva- da (item 22). Relativamente à política de armamento da população civil, como instrumento de defesa de tais direitos, o programa nada afirma. Não há uma defesa enfática e tampouco uma recusa incontornável. A ausência de adoção explícita do tema, todavia, não é suficiente para configurar uma mudança substancial do programa partidário. Em primeiro lugar, porque se trata de apenas um dos diversos temas que se inserem no programa partidário de ambas as agremiações, os quais se encontram em ampla convergência. Em segundo lugar, porque o tema está em aberto e ficará sujeito a discussões intrapartidárias, de acordo com as convicções que apresentarem seus membros. Portanto, não se vislumbra alteração substancial do programa do UNIÃO BRASIL em relação ao programa do PSL, nos pontos apresentados pelo requerente.

 

Desta feita, quanto a esses pontos, verifico panorama ideológico sem severas discrepâncias entre o extinto PSL e o novo partido UNIÃO, de forma que não vislumbro mudança substancial do programa partidário.

O requerente aponta, ainda, a posição de antagonismo do União Brasil (UNIÃO) em relação ao governo do Presidente Bolsonaro, diferentemente do que ocorria com o Partido Social Liberal (PSL), onde havia uma diretriz nacional quanto à autorização institucional aos candidatos para apoiarem a candidatura majoritária do Presidente Jair Messias Bolsonaro, demonstrando-se muito relevante essa alteração na posição político-social. Em um país em que as tendências políticas são extremadas (contra ou a favor do governo), a certeza de que estaria abandonando um partido favorável ao governo para ingressar em um de oposição me pareceria suficiente para a desfiliação, em face do constrangimento que tal mudança causaria perante seus eleitores. Todavia, não restou claro e comprovado que o Partido Social Liberal (PSL) apoiava de forma irrestrita o Governo Bolsonaro e que o União Brasil (UNIÃO) é de oposição. Ademais, o requerente concorreu ao cargo de vereador pelo PSL presidido por Luciano Bivar, atual presidente do UNIÃO, partido perante o qual requer justa causa.

Como observado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44980511), “alterações em posicionamentos sobre temas específicos ou alianças políticas não caracterizam justa causa para autorizar a desfiliação, pois não subvertem o programa ou a ideologia partidária.” Com relação a isso, não existem provas formais (documentais) e concretas nos autos, apenas meras notícias nos clips jornalísticos e manifestações de alguns de seus filiados, as quais não demonstram em que medida esse posicionamento representaria mudança substancial ou desvio reiterado do programa.

Nesse sentido, ementa de acórdão de minha lavra, na AJDesCargEle 0600109-5.2022.6.21.0000, julgada por esta Corte, por maioria de votos, em 17.6.2022, nos termos que segue:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR ELEITO. INDEFERIDO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA. LEI N. 9.096/95. FUSÃO PARTIDÁRIA. MUDANÇA SUBSTANCIAL NO PROGRAMA PARTIDÁRIO. NÃO DEMONSTRADO. AUSENTE HIPÓTESE DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDENTE.

1. Ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo, ajuizada por vereador eleito em face de partido político, com fundamento na mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, tendo em vista a fusão entre agremiações. Indeferida tutela provisória.

2. Fusão partidária como hipótese de justa causa para a desfiliação partidária sem perda do cargo eletivo. Na ADI n. 4.583, o Supremo Tribunal Federal consignou que o art. 22-A da Lei n. 9.096/95 dispõe de forma taxativa e exaustiva sobre as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, revogando, tacitamente, o § 1º do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/07. Das alterações no texto se extrai que a incorporação ou fusão entre agremiações não mais caracterizam, por si sós, hipóteses legais de justa causa para desfiliação partidária.

3. A mera fusão ou incorporação de partidos não significa necessariamente mudança substancial do programa partidário, uma vez que o novo programa é fruto de consenso entre os integrantes das agremiações envolvidas, conforme se verifica na legislação que disciplina os processos de fusão e incorporação, art. 29, § 1º, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95. As deliberações são tomadas em nível nacional e devem ser cumpridas pelos seus filiados nos demais níveis, estadual e municipal. O fato de as decisões serem acertadas entre as cúpulas nacionais dos partidos fundidos não significa que não tenham sido amplamente debatidas por seus correligionários internamente. Os projetos, estatutos e programas do novo partido foram elaborados conjuntamente pela direção dos dois partidos fundidos, mediante votação por maioria absoluta, não sendo crível a aprovação de um novo programa que ferisse os ideários partidários da agremiação original.

4. Na hipótese dos autos, o ponto capaz de ensejar a desfiliação por justa causa seria a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário. Para sua perfectibilização, necessária a demonstração cabal das diferenças entre o estatuto do partido fundido e do partido novo, traduzindo no plano de atuação partidária a substancial mudança de programa que tornaria incompatível a permanência de determinado cidadão filiado aos quadros do novo partido. Nos termos da jurisprudência do TSE, é ônus do parlamentar requerente comprovar a existência de uma das hipóteses de justa causa previstas na legislação de regência. Entretanto, não comprovada a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, tampouco demonstrada qualquer hipótese de justa causa para desfiliação partidária, deve ser julgada improcedente a ação.

5. Improcedência.

 

Com essas considerações, inexistindo demonstração de hipótese de justa causa para desfiliação partidária, o juízo de improcedência da ação é de rigor.

Ante o exposto, VOTO pela improcedência do pedido.