RecCrimEleit - 0000030-20.2019.6.21.0117 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/08/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

 

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo.

Sublinho que o prazo para interposição do recurso sob exame é de 10 (dez) dias, conforme previsto no art. 362 do Código Eleitoral e, nos termos do art. 798, § 5º, do Código de Processo Penal, a contagem de tal interregno há de ser realizada a partir da última intimação da sentença condenatória, seja ela do réu ou do defensor, conforme a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal, externada na Súmula n. 710: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”.

No caso, o réu foi pessoalmente intimado em cartório em 20.7.2021, ID 44863984, fls. 1015, e o recurso interposto em 29.7.2021, ID 44863985, fls. e 1019-1027 do PDF.

Tempestivo, o recurso deve ser conhecido.

 

2. Prescrição

Destaco que não há prescrição a ser reconhecida, pois tanto o lapso temporal entre o recebimento da denúncia (27.6.2019, ID 44863917 – fls. 533 e v. do PDF) e a publicação da sentença condenatória, marco fixado pelo recebimento da sentença em cartório (19.7.2021, ID 44863985 – fl. 1028 do PDF), quanto esta última e a presente data, é inferior a oito anos, prazo prescricional previsto pelo art. 109, inc. IV, do Código Penal, quando a pena aplicada for superior a dois anos e não exceder a quatro, observando no ponto a Súmula STF n. 497, a qual determina que “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”, de modo que a pena base para cálculo da prescrição foi de dois anos e oito meses (e não a pena final fixada).

Logo, permanece hígida a pretensão punitiva estatal.

 

3. Mérito. 

3.1. Considerações iniciais.

Logo após as eleições de 2016, a Coligação Unidos Pela Renovação, de Victor Graeff, protocolizou expediente eleitoral, no bojo do qual foram autorizados mandados de busca e apreensão de celulares encontrados em posse de MARCOS ROBERTO PETRI e de outros investigados. Tal expediente deu origem ao Inquérito Policial n. 6-60.2017.6.21.0117, do qual decorre a presente ação penal.

Na sentença, MARCOS ROBERTO PETRI foi condenado pela prática do crime de corrupção eleitoral, art. 299 da Lei n. 4.737/65, Código Eleitoral. Como sanções, foi decretada a pena privativa de liberdade pelo período de 4 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e o pagamento de 60 dias-multa, à razão unitária de 1/30 do salário-mínimo mensal, ID 44863984, fls. 989-1013.

A caracterização legal do crime de corrupção eleitoral está prevista no art. 299 da Lei n. 4.737/65:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

 

Quanto à estrutura do crime, leciona José Jairo Gomes:

O objeto jurídico é a liberdade do eleitor de escolher livremente, de acordo com sua consciência e seus próprios critérios e interesses, o destinatário de seu voto. Tanto a dação, a oferta ou a promessa, quanto a solicitação e o recebimento de vantagem podem criar vínculo psicológico no eleitor, gerando obrigação moral que o force a apoiar determinada candidatura em razão da vantagem auferida ou apenas acenada.

[...]

No que concerne ao tipo subjetivo, só é típica a conduta dolosa, não sendo prevista a modalidade culposa.

Há previsão de elemento subjetivo do tipo, assim expresso: "para obter ou dar voto e para conseguir ou promoter abstenção". Destarte, para a perfeição do crime é preciso que a causa da conduta esteja relacionada diretamente ao voto, isto é, obter ou dar voto, bem como conseguir ou prometer abstenção de voto. Caso contrário, atípica será a conduta.

[…]

O crime em exame é de natureza formal. Para sua consumação, basta a oferta (ainda que não seja aceita), a promessa (ainda que não seja cumprida) ou a solicitação (ainda que não seja atendida). A entrega concreta, efetiva, real da coisa, bem ou produto, ou mesmo a transferência de sua propriedade, posso ou detenção, configura o esgotamento da ação delituosa.

A tentativa não é admitida: "[...] o crime de corrupção eleitoral, por ser crime formal, não admite a forma tentada, sendo o resultado mero exaurimento da conduta criminosa" […]

(GOMES, José Jairo. Crimes e Processo Penal Eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 53-56.)

 

Indico que, como regra, a prática de corrupção eleitoral é crime de difícil comprovação, pois geralmente se trata de condutas sem registros, ocorrentes mediantes acordos verbais e atos praticados de forma escamoteada.

Não é assim, contudo, o caso dos autos, conforme será esmiuçado ao longo do presente voto.

Inicialmente, destaco do conjunto probatório presente nos autos:

(1) os diálogos travados entre o recorrente MARCOS ROBERTO, que então ocupava o cargo de Secretário de Saúde do Município de Victor Graeff, e os codenunciados Fábio Lara, Pedro Nunes, Fátima Kuhn Nunes, Igor Elias Gheller, Guilherme Volmir Schneider e Diógenes Amann, os quais receberam o benefício da suspensão condicional do processo; e

(2) as mensagens enviadas entre o recorrente e a acusada Márcia Mara Kirst, absolvida pela sentença combatida, todos sobremaneira elucidativos, oferecendo comprovação de conduta criminosa, e friso desde já que os testemunhos judiciais não apresentaram elementos a desconstituir os registros telefônicos, extraídos do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, até porque todos reconheceram a autoria das respectivas mensagens.

Mas não é só.

No celular utilizado pelo recorrente foram encontradas imagens que merecem destaque:

(1) panfletos de propaganda de campanha e plano de governo;

(2) foto de vários (mais de dez) títulos de eleitores em um mesmo local, em mensagem de 14.09.2016;

(3) foto de listagem com 11 nomes de pessoas, alguns seguidos de “+3”, e, ao lado, expressões como "gasolina", "viagens", "escola", "gás" e uma coluna final com “100” ou “150”, totalizada ao final em “1.250,-”, em mensagem de 18.9.2016;

(4) foto de folha de caderno com sequência de sete números, com resultado de soma totalizada em 36.950;

(5) foto de uma pilha de cédulas de R$ 50,00 e R$ 100,00;

(6) foto de maços de dinheiro separados em atilhos com documentos associados (cédulas de identidade ou títulos de leitores) – estas três últimas imagens em mensagem de 30.09.2016, antevéspera da eleição.

Observo que as imagens encontram sintonia com os diálogos registrados no mesmo aparelho e com os depoimentos dados em sede policial e em juízo.

Nessa linha, adianto que me alinho ao entendimento do juízo a quo ao reconhecer a suficiência probatória dos autos para comprovar a prática de corrupção eleitoral realizada pelo recorrente em quatro eventos, de modo a não acolher a argumentação do réu de inexistência de elementos na prova testemunhal que amparem a imputação de conduta delitiva ou de ausência da intenção de compra de votos, pois tais alegações contradizem o comprovado. A decisão hostilizada reconheceu, acertadamente, a existência de prova de autoria e materialidade nos fatos 1º, 3º, 5º e 6º apontados na denúncia, praticados em continuidade delitiva, dos quais passo à análise individualizada.

3.2. Crime de corrupção por Marcos Roberto Petri em relação à eleitora Márcia Mara Kirst.

O primeiro fato, descrito conforme a denúncia:

1º) Entre os dias 24 de agosto de 2016 e 05 de setembro de 2016, no Município de Victor Graeff, o denunciado Marcos Roberto Petri ofereceu vantagem à eleitora Márcia Mara Kirst para fins de obter seu voto. Na ocasião, o denunciado, detentor de vínculo político com Cláudio Afonso Alffen e Gilmar Francisco Appelt, então candidatos à chapa majoritária nas Eleições Municipais de 2016, pelo Partido Democrático Trabalhista de Victor Graeff (PDT/VG), e então Secretário de Saúde e Assistência Social do Município de Victor Graeff, mediante mensagens enviadas pelo aplicativo Whatsapp, ofereceu para a eleitora Márcia, sua comadre (o denunciado é padrinho do filho da eleitora), dinheiro referente às passagens de ônibus intermunicipal e outra vantagem que a eleitora desejasse, para a mesma vir da cidade de Concórdia/SC para votar em Cláudio e Gilmar e em um dos candidatos a Vereador pelo PDT/VG.

 

O Ministério Público aponta que o recorrente MARCOS ROBERTO ofereceu custeio das passagens de ônibus do Município de Concórdia/SC para a cidade de Victor Graeff/RS, no dia das eleições de 2016, em troca de o voto de Márcia Mara Kirst ser destinado aos candidatos da chapa majoritária Cláudio Afonso Alffen e Gilmar Francisco Appelt, bem como a candidato a vereador a ser  indicado posteriormente.

Márcia Kirst registrou a conversa havida em ata notarial, ID 44863894 fls. 65-66 v. do processo físico, e o documento integrou o expediente que deu azo ao Inquérito, o qual culminou no presente feito.

Transcrevo o diálogo:

[24/8 07:57] Petri saúde: Quero saber se vc vai vir para votar

[24/8 07:57] Petri saúde: Queria combinar contigo

[24/8 07:57] Petri saúde: Te pago a passagem

[5/9 21:30] Márcia Kirst: Pra quem VC está fazendo campanha preciso mais do que a passagem. E o dia de trabalho quem vai pagar

[5/9 21:31] Petri saúde: Me diga minha comadre

[5/9 21:31] Petri saúde: Quanto a passagem?

[5/9 21:34] Márcia Kirst: Da cem pra ir e mais pra voltar

[5/9 21:34] Petri saúde: Que mais vc quer

[5/9 21:35] Petri saúde: Te falo no dia pra quem a vereador

[5/9 21:35] Petri saúde: Mas a prefeito o claudio

[5/9 21:38] Márcia Kirst: Não sei o que VC me dis quem e os candidato dis o nome deles

[5/9 21:50] Márcia Kirst: Só vou se valer apena se vc sabe eu pagar três anos IPTU

[5/9 21:54] Petri saúde: Quanto dah os tres anos?

[5/9 21:57] Márcia Kirst: Não sei tem que ver aí na prefeitura quanto da

[5/9 21:58] Petri saúde: Eu vejo

[5/9 21:58] Petri saúde: E se falamo

[5/9 22:01] Márcia Kirst: Ta bom eu espero a tua resposta

 

Em audiência, o recorrente admite conhecer Márcia e inclusive ser padrinho de seu enteado, bem como tê-la procurado antes da eleição, não admitindo, contudo, a entrega dos benefícios e, em razões recursais, alega:

[…] Não houve promessa nem oferecimento de vantagem, tão menos o alcance de vantagem à eleitora. (acabou a conversa e nada mais houve). Da mesma forma que MARCOS não realizou o pagamento, quem insistentemente pediu algo foi Márcia.

 

Verifico explícita oferta de vantagem elaborada por MARCOS à Márcia, em troca de voto. A benesse é inaugurada com “Te pago a passagem”, mas não se encerra aí, pois diante da resposta “preciso mais do que a passagem” e da afirmação de que o valor seria “cem pra ir e mais pra voltar”, MARCOS pergunta à eleitora “Que mais vc quer?”. No contexto do pedido de voto e do estabelecimento do preço a abordada refere o pagamento de três anos de IPTU, sobre os quais MARCOS se compromete "de ver".

Portanto, a prática de oferecer e prometer dinheiro e outras vantagens, para obter o voto de Márcia, fica plenamente revelada por meio do diálogo reproduzido, o qual foi reconhecido pelo recorrente, embora se insurja contra a conclusão óbvia que se alcança ao lê-lo.

Da parte de Márcia, igualmente se confirma o diálogo, tanto que o registrou em ata notarial e, no ponto, apropriada a transcrição de irretocável excerto da sentença:

A ata notarial de fls.65/66, em que a própria acusada Marcia registra as mensagens trocadas com Marcos Petri, constitui importante elemento de prova no sentido de que sua intenção de fato não foi a de efetivamente receber as vantagens solicitadas, mas produzir prova no sentido de que estava sendo cometida uma infração eleitoral por parte de Marcos, para futura investigação pela autoridade competente. É pouco crível que Márcia se expusesse ao risco de ser processada criminalmente pela indevida solicitação de vantagem em troca de voto, com a confecção de ata notaria, se não tivesse a lícita intenção de acionar as autoridades competentes para a apuração dos fatos.

Ainda que se possa cogitar que ela somente registrou os fatos por não ter sido cumprida a “promessa” de vantagem indevida, já que a ata é datada de 05.10.2016, três dias após as eleições daquele ano (02.10.2016), tal tese sequer foi especificamente levantada pelo Ministério Público Eleitoral e tampouco provada. E, como a acusada Márcia demonstrou sua boa fé, pela confecção da ata notarial, o ônus da prova de que ela o fez apenas pelo não cumprimento da promessa incumbia ao Ministério Público Eleitoral.”

 

Ora, a promessa de pagamento das passagens e possível acerto de valores de IPTU conjugado com o pedido de votos estampa o objetivo de corrupção eleitoral, tornando sem credibilidade o argumento de que o contato feito por MARCOS tenha sido somente em razão do vínculo de amizade entre ele e Márcia.

Nesse norte, entendo comprovada a materialidade e autoria do crime de corrupção por Marcos Roberto Petri em relação à eleitora Márcia Mara Kirst, ponto em que o recurso não merece provimento.

3.3. Crime de corrupção por Marcos Roberto Petri em relação aos eleitores Fábio Lara, Pedro Nunes e Fátima Kuhn Nunes.

O terceiro fato, descrito conforme a denúncia:

3º) Entre os meses de agosto de 2016 e setembro de 2016, em diferentes oportunidades, no Município de Victor Graeff, o denunciado Marcos Roberto Petri deu dinheiro e vantagens aos eleitores Fábio Lara, Pedro Nunes e Fátima Kuhn Nunes para fins de obter os seus votos.

Nas ocasiões, o denunciado, detentor de vínculo político com Cláudio Afonso Alflen e Gilmar Francisco Appelt, e então Secretário de Saúde e Assistência Social do Município de Victor Graeff, além de apoiador da campanha do codenunciado Guilherme, de apelido “Mão”, então candidato a vereador em Victor Graeff, distribuiu dinheiro e vantagens aos eleitores referidos, em troca de seus votos.

O laudo criminal federal (fls. 138-184 do IP), que periciou o material apreendido na residência do denunciado, apontou a existência de fotografias em seu aparelho celular retratando “diversos títulos de eleitor” (fl.143 do IP) e uma folha com anotação de nomes associados a registros como “gás”, “escola, ou “gasolina” e um número: “100” ou “150”, os quais foram todos somados ao final da página: “1.250,-” (fl. 144 do IP).

Conforme consta no laudo pericial, nos manuscritos “é possível identificar o nome de pelo menos um dos titulares dos Títulos de Eleitor que aparecem na figura 1. [...]a exemplo do nome de FÁBIO LARA” (fl. 143 do IP).

[…]

na figura de fl. 144 do IP visualiza-se anotação referente aos eleitores Pedro Nunes e Fátima Kuhn Nunes, ao lado da palavra “escola” e do número “150”.

[…]

 

Em outras palavras, a prova documental aponta a existência de listagem de eleitores associados à benesses disponibilizadas pelo recorrente, tais como escola, viagem, gás, gasolina e quantias de “100” e “150”, além de foto com inúmeros títulos de eleitores, dos quais foram identificados três: Fábio Lara, Pedro Nunes e Fátima Kuhn Nunes.

Em audiência, o recorrente alegou que as fotografias encontradas em seu celular não foram capturadas por ele, mas encaminhadas pela coordenação da campanha dos candidatos à majoritária e, em sede de recurso, sobre as anotações contidas nas fotos, aponta não ter sido realizado teste grafotécnico a fim de confirmar a autoria. Conclui que estas circunstâncias tornam o conteúdo probatório duvidoso.

Sem razão.

Uma vez aceita a circunstância das imagens e anotações possuírem autoria da "coordenação de campanha", somente há reforço da existência de um esquema estruturado de compra de votos do qual MARCOS ROBERTO foi peça chave na articulação entre recursos financeiros e eleitores cooptados, comprovado pelo fato de o recorrente receber tais informações, claramente emblema de práticas ilegais. 

Os eleitores Fábio Lara, Pedro Nunes e Fátima Kuhn Nunes, codenunciados no presente feito e beneficiados com a suspensão condicional do processo, prestaram depoimentos em juízo por ocasião da instrução da Representação n. 264-07.2016.6.21.0117 (apensa à AIJE n. 1-38.2016.6.21.0117), que processou na esfera cível os mesmos fatos.

Transcrevo trechos pertinentes das decisões daquele processo, sentença e acórdão, este de relatoria do Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, e indico que estão integradas a estes autos, ID 44863891:

O eleitor Fábio Lara afirmou que efetivamente entregou seu título de eleitor para Marcos, a fim de pesquisar sobre a necessidade de realizar a biometria. Disse ser conhecido de Marcos, em quem confia, por isso não se preocupou em deixar seu documento com ele. Negou a oferta ou o recebimento de combustível ou dinheiro em troca de seu voto (fl. 829).

Pedro Nunes, cujo nome consta nas anotações ao lado de Fátima e Jorge, afirmou ser casado com Fátima Nunes e ter um filho chamado Jorge. Negou a oferta ou recebimento de qualquer benefício em troca de voto. Disse conhecer Marcos por ser Secretário da Saúde, com quem conversava eventualmente no posto de saúde, mas nunca sobre política (fl. 726).

Fátima Nunes disse ser amiga de Cláudio Alflen. Afirmou que sua filha precisou de atendimento de saúde, mas negou a oferta ou recebimento de qualquer vantagem com finalidade eleitoral. Confirmou que entregou seu título de eleitor para Marcos, de quem é amiga, para ele verificar se poderia votar com o nome de solteira, o qual foi devolvido já no dia seguinte (fl. 727).

 

O recorrente, em juízo, declarou lembrar que Fábio e Fátima entregaram os seus títulos de eleitor para que ele verificasse, junto ao cartório eleitoral, a regularidade dos documentos – de Fátima em razão do nome ainda estar como de solteira e de Fábio por não ter realizado a biometria.

Todavia, as alegações de MARCOS, Fátima e Fábio, ainda que convergentes, não são críveis. Entendo despido de lógica o argumento de que os títulos foram entregues pelos eleitores ao secretário da saúde do município com o fim de este se dirigir ao cartório eleitoral e verificar a regularidade das inscrições.

Ora, Victor Graeff é uma cidade pequena, e a situação do recorrente, reconhecido articulador da campanha majoritária de Cláudio Alflen, prefeito que concorria à reeleição, não recomenda a entrega (ou o recebimento, de parte do recorrente) de títulos eleitorais de cidadãos. Ademais, as "questões" a serem resolvidas mostram-se incrivelmente prosaicas e, por exemplo, Fátima ou Fábio poderiam resolver as questões mediante um simples telefonema ao Cartório da Zona Eleitoral, que indicaria, aliás,  a necessidade de resolução de maneira pessoal, pelos eleitores, e não mediante interposta pessoa, sobretudo sem poderes outorgados para tanto.

Ademais, as fotos de tais documentos, junto de inúmeros outros títulos, verificadas em posse de articulador de campanha eleitoral – o que foi admitido por MARCOS em relação aos documentos de Fátima e Fábio –, é situação que não alcança explicação plausível, senão a prática ilícita de controle na compra de votos. Conclusão reforçada pela lista contendo nomes associados a benesses: “Fábio Lara – gasolina 100” e “Pedro/Fátima/Jorge – Escola 150”. Esclareço que Jorge é filho de Pedro e Fátima, os quais têm uma filha em idade escolar que, à época, não votava.

Observo que em seus depoimentos Pedro e Fátima não admitem a compra de votos proposta por MARCOS, contudo os depoimentos perdem credibilidade na medida em que Pedro afirma “conhecer Marcos por ser Secretário da Saúde, com quem conversava eventualmente no posto de saúde, mas nunca sobre política”, enquanto Fátima havia se declarada amiga íntima e, conforme a sentença, “inclusive faziam jantares em sua casa”.

Na mesma linha, destaco o entendimento do então Des. Eleitoral Jamil Bannura no julgamento AIJE referida:

Os testemunhos de Pedro e Fátima mostram-se contraditórios. Ambos são casados e Pedro negou qualquer amizade com o candidato Cláudio Alflen. Por sua vez, Fátima afirmou considerar-se amiga íntima do candidato, com quem janta por vezes. Não é possível que os cônjuges tenham percepções tão distintas sobre o relacionamento com Cláudio, nem se cogita que apenas Fátima seja próxima a ele, pois atestou que se reúnem para jantar às vezes, evento do qual seu marido certamente participa. Fica evidente, assim, que tanto Pedro quanto Fátima não tiveram participação isenta no processo, além de apresentarem afirmação contraditória a respeito de seu relacionamento com uma das partes. Seus testemunhos, assim, não se mostram seguros.

 

Nessa senda, julgo inconteste a materialidade e autoria do crime de corrupção por Marcos Roberto Petri em relação aos eleitores Fábio Lara, Pedro Nunes e Fátima Kuhn Nunes, e mantenho a bem lançada sentença.

3.4. Crime de corrupção por Marcos Roberto Petri em relação à Ledi Rossi

O quinto fato, descrito conforme a denúncia:

5º) Entre os meses de agosto de 2016 e setembro de 2016, no município de Victor Graeff, os denunciados Marcos Roberto Petri e Igor Elias Gheller, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, ofereceram vantagem à eleitora Ledi Rossi pra fins de obter o seu voto.

Na ocasião, os denunciados, previamente ajustados, ofereceram atendimento de saúde à eleitora Ledi em troca do seu voto.

Para tanto, em uma consulta médica efetuado pelo denunciado Elias, médico, este, sob a orientação do denunciado Marcos, então Secretário de Saúde, solicitou o voto à leitora Ledi, “lembrando” a esta que o Município de Victor Graeff, gerido pelos então candidatos à reeleição Cláudio Afonso Alflen e Gilmar Francisco Appelt, estava arcando com os custos do seu atendimento.

 

Em juízo, o recorrente relatou que os atendimentos disponíveis pelo sistema de regulação estadual, os quais são integralmente por meio do SUS, não eram suficientes para atender a municipalidade, então a prefeitura se valia de um consórcio regional de municípios, COJAMA, mediante o qual eram realizados atendimentos em outras cidades, sendo as consultas pagas pela administração aos médicos conveniados, incluindo o Dr. Igor Elias Gheller, cirurgião geral, de apelido “Tocta”.

Alega que intermediou a consulta da eleitora Ledi enquanto estava em férias, usufruídas naquele período em razão da campanha eleitoral, e que apenas lembrou ao médico que ele deveria avisar a paciente que “o atendimento seria pago” (pela prefeitura).

Não é, entretanto, o que concluo da leitura do diálogo entre o recorrente e o Dr. Igor, por si só esclarecedor, pois o recorrente indica expressamente ao médico para que "cobre o voto pro Cláudio pra prefeito", e "insista":

Marcos Petri:

Tocta…

Como foi a cirurgia da paciente?

Quero que fale para ela e cobre o voto pro claudio pra prefeito…

Ela é muito de reclamar Diga que ninguém tá fazendo cirurgias Que soh nos estamos Fala bem de nos e cobre Mas cobre o voto dela e da família

Igor ( “Tocta”): Bem difícil Tudo aderido Várias cirurgias previas Mas falo sim Pra te dar uma força.

Marcos Petri:

Isso O prefeito vai La na sexta Visitar ela Insista muito no voti. A irmã dela que tá junto tbem vota.

Igor ( “Tocta”):

Blz

Pode deixar

 

Observo que, porquanto em férias, cabia ao secretário, quando procurado, orientar a paciente a buscar a secretaria municipal de saúde, que, de regra, deveria fazer o encaminhamento à consulta, independente do convênio ou sistema a ser utilizado. Ora, o afastamento funcional se deu exatamente em decorrência do período eleitoral e, ainda assim, houve a utilização do cargo de secretário para o exercício de poder político na prática do crime de corrupção eleitoral, inclusive tecendo orientações impróprias. O alerta de que "a prefeitura" estava pagando a consulta apenas intentou gerar um (indevido) sentimento de gratidão na eleitora, pois os contribuintes, entre eles a paciente, são os reais pagadores dos serviços públicos. 

Igor Elias Gheller, codenunciado neste feito, aceitou a suspensão condicional do processo. Ouvido em juízo por ocasião da Representação n. 264-07.2016.6.21.0117, apenas admitiu manter relacionamento profissional com MARCOS e que o “o pedido era para esclarecer à eleitora que o Município de Victor Graeff estava pagando pela cirurgia, informação efetivamente passada pelo médico”.

Ora, a alegação é inadmissível, pois de modo evidente a prática buscou vincular a “benesse” ao candidato, chefe do executivo em campanha, de forma que verifico claramente o objetivo espúrio na fala  transcrita: “Diga que ninguém tá fazendo cirurgias Que soh nos estamos Fala bem de nos e cobre Mas cobre o voto dela e da família” e “Insista muito no voti (sic). A irmã dela que tá junto tbem vota.”, bem como a concordância expressa e consciente do médico: “Mas falo sim Pra te dar uma força” e “Blz pode deixar”.

Destaco a sentença, no ponto em que conclui pelo crime no âmbito das consultas médicas:

[…] o agendamento de atendimentos médicos através da Secretaria de Saúde consistia em um dos meios de conceder vantagens indevidas a potenciais eleitores, que eram devidamente “lembrados” pelo médico que os atendia, acerca de quem lhes proporcionava tal vantagem e deveria ser contemplado com o voto nas eleições que se avizinhavam. Não por acaso, o médico Igor Gheller atendeu pacientes em número muito acima da média, do município de Victor Graeff, pelo COMAJA, entre 04.7.2016 e 11.8.2016, período inicial da campanha, eis que fez 65 atendimentos ao passo que referiu uma média de 4 a 5 atendimentos mensais em seu depoimento, dados estes que também foram objeto de prova na AIJE.

O esquema funcionava tendo em vista que os agendamentos por intermédio do COJAMA são feitos através justamente do Secretário Municipal de Saúde, que era Marcos Roberto Petri.

 

Nessa linha de raciocínio, não há como afastar o reconhecimento da prática de corrupção executada por MARCOS ROBERTO, e entendo importante destacar, aqui, a surpreendente facilidade com que as razões recursais pretendem entender como compreensíveis as situações flagradas, quando em verdade elas consubstanciam provas estampadas de compra de votos.

3.5. Crime de corrupção por Marcos Roberto Petri em relação a Diógenes Amann (“Padilha”)

O sexto fato, descrito conforme a denúncia:

6º) Entre os dias 29 de setembro de 2016 e 30 de setembro de 2016, no município de Victor Graeff, os denunciados Marcos Roberto Petri e Guilherme Volmir Schneider, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, deram dinheiro ao eleitor Diógenes Amann, para fins de obter o seu voto e os votos dos eleitores Jocélia e Wesley Amann.

Na ocasião, antevéspera das eleições municipais, o denunciado Marcos acertou com o eleitor Diógenes, de apelido “Padilha”, a transferência de um valor de $ 500,00, pelos votos deste, da esposa deste, Jocélia, e do irmão do mesmo, Wesley, sendo R$ 200,00 para o combustível, mais R$ 100,00 para cada eleitor.

O dinheiro foi transferido diretamente de conta bancária do denunciado Guilherme (Agência 0457, c/c 35.004095.0-5) para conta bancária de titularidade de Diógenes Amann (Agência 0163, c/c 3500309705).

 

De início, esclareço que Guilherme Volmir Schneider, codenunciado neste feito que aceitou a suspensão condicional do processo, sofreu a perda do mandato eletivo de vereador, no pleito de 2016, no Município de Vitor Graeff, por sentença proferida na citada Representação n. 264-07.2016.6.21.0117, a qual decretou a cassação do diploma em razão de reconhecer a prática de captação ilícita de sufrágio. A decisão foi confirmada por este Tribunal.

Guilherme, ouvido como informante, confirmou a transferência da quantia de R$ 500,00, por meio da conta bancária de sua esposa, para a conta de Diógenes Amann, alegando ser a título de empréstimo.

As circunstâncias fáticas apontadas na denúncia vêm corroboradas pelo diálogo entre o recorrente e Guilherme Schneider, extraído de celulares apreendidos:

Marcos Petri

Ontem a noite o Padilha conformou que vem em três de Lá

O Padilha

O Wesley e a Jocelia

Eles querem o combustível (200) e 100 pra cada um

500,00 no total

São de confiança

Soh que precisa depositar na conta hoje

Banrisul

Ag 0163 CC 3500309705

Tu faz depois?

Guilherme Schneider (Mão)

Voce faz

Marcos Petri

Não tenho nada

Guilherme Schneider (Mão)

Meio dia faço

Marcos Petri

Pode ser

 

O recorrente, em juízo e nas razões recursais, sustenta ter sido procurado pelo candidato Guilherme Schneider para que trabalhasse em sua campanha, igualmente admite ser amigo de Diógenes, apelidado de “Padilha”, mas alega que seu envolvimento, na transferência dos R$ 500,00 foi apenas para intermediar um empréstimo. Da audiência, transcrevo o pertinente:

Quando chegou mais no final da eleição, eu fui procurado pelo Guilherme para ajudar ele, inclusive pediu o meu voto. Eu disse: olha, não tenho como te ajudar porque são tantos candidatos e a gente aí Secretário, e eu tenho que trabalhar pra Prefeito, eu tenho que ajudar pra Prefeito. Ele disse: não, mas me ajuda, não sei o que e coisa. E várias pessoas que eu conheço e votam em Victor moram fora de Victor Graeff. Algumas delas, dentre elas o Diógenes. Eu tive uma relação muito estreita com o Diógenes, quando eu morava sozinho em Victor Graeff. Isso foi pelos anos de 92, 93 e quando eu saía de casa ele ficava cuidando da casa pra mim, aonde eu morava sozinho. Era um apartamentozinho que eu tinha lá. E pra mim ele se transformou num, quase num segundo irmão, ele...a gente se dava muito bem. E eu chamei ele e perguntei se ele viria então para votar e coisa assim. E ele disse: olha, eu não tenho porque ir votar, porque senão eu tenho muito gasto e coisa. E a conversa desenrolou, a apedido do Guilherme … daí ele disse: óh, se tu quiser pode bancar a gasolina e eu ajudo, né, para ele vir votar. E eu ofereci, então, para o Diógenes então: olha se tu quiser, pode vir, então, a gente consegue alguma coisa pra ti. Só que daí depois disso ele conversou com o tio dele, e o tio dele é Promotor Federal, e que orientou ele a não fazer isso, não pegar dinheiro, nem nada. E aí ele me ligou e disse: Marcos, olha eu vou dispensar, não quero dinheiro pra ir, pra votar, não quero dinheiro pra nada, só assim eu pedi dinheiro emprestado pro meu pai, que é o Clóvis, e então, eu preciso pagar esse dinheiro de volta para o meu pai. Aí eu disse: mas Diógenes, eu não tenho esse dinheiro, talvez eu consiga esse dinheiro para ti, então, mas eu vou tentar, mas título de empréstimo, então, eu vou ver se eu consigo te ajudar. E eu falei com o Guilherme: Ó Guilherme, tu empresa o dinheiro pro Diógenes? E ele disse: não, posso fazer isso. E foi o que aconteceu, depois ele transferiu, eu não sei como ele transferiu, ele disse agora há pouco que foi a mulher dele que fez, eu nem sabia que tinha sido por transferência. Mas eu que fiz essa interlocução entre o Diógenes e o Guilherme, mas pra mim, a princípio, seria um empréstimo já no final porque ele me ligou então pedindo isso e dizendo que não queria mais porque tinha falado com o tio dele que orientou a ele não fazer isso então. (Grifei.)

 

Verifico que, por meio do contato telefônico com Diógenes, narrado pelo próprio recorrente em juízo, foi perfectibilizado o ato de oferecer vantagem específica – o custeio da gasolina para abastecer o carro do eleitor na viagem a Vitor Graeff, e conforme a conversa acima reproduzida, entre o recorrente e o candidato a vereador, MARCOS deixa claro que Diógenes (Padilha), sua esposa Jocélia e seu irmão Wesley aceitaram o combustível e mais a vantagem de R$ 100,00 para cada um, totalizando uma oferta de R$ 500,00.

Há mais provas objetivas, pois a quantia foi transferida para conta de titularidade de Diógenes Amann no dia 30.9.2016, antevéspera da eleição, em operação originária da conta n. 35.004095.0-5, agência 0457, de titularidade de Guilherme Schneider. A transação bancária, presente nos autos, é admitida por Marcos e Guilherme.

O recorrente, Guilherme e Diógenes alinharam seus depoimentos no sentido de a transferência ter se dado a título de empréstimo, pois os três eleitores haviam desistido de vender seus votos, mas a prova da transferência, bem como o valor, orientam a rejeitar os testemunhos. Caso Diógenes, a esposa e o irmão tivessem de fato "desistido" de vender seus votos por R$ 100,00 cada, necessitariam apenas de empréstimo para abastecer o veículo na viagem, e esse valor seria de R$ 200,00,  (“Eles querem o combustível (200) e 100 pra cada um 500,00 no total”). Nessa linha de raciocínio, os testemunhos são contraditórios à transferência de R$ 500,00, a qual nitidamente comportou a compra dos três votos.

Ademais, visto que a corrupção eleitoral constitui um crime de natureza formal, é suficiente o ato da oferta para sua consumação, independente da aceitação ou cumprimento, de forma que se mostra presente o elemento subjetivo do tipo, pois inequívoco o motivo da oferta expressamente direcionada aos votos de Diógenes, Jocélia e Wesley.

E sem esquecer da independência das decisões proferidas nas instâncias cível-eleitoral e criminal-eleitoral, mais uma vez entendo apropriada a referência ao acórdão julgado que confirmou a sentença na Representação n. 480-19.2016.6.21.0100, pelas práticas agora analisadas sob a ótica criminal:

Todos os fatos apurados envolvem diretamente o Secretário da Saúde, Marcos Petri, sem evidenciar uma atuação direta dos representados.

Todavia, é inequívoco o apoio político de Marcos Petri ao candidato a vereador Guilherme Schneider. A perícia apontou o armazenamento, no celular de Marcos, da foto de um "santinho" de Guilherme Schneider (fl. 185).

Seu apoio fica claro também pela conversa entre Marcos e Igor Gheller após a eleição. Igor indaga se o amigo de Marcos foi eleito vereador e ele responde que o candidato é conhecido por “Mão”, como se identifica Guilherme Schneider em sua propaganda, afirmando em seguida: “O que apoiei foi o mais votado” (fl. 191-192).

Ademais, os diálogos havidos entre Marcos e o candidato Guilherme sobre as conversas com eleitores e o acerto das quantias para cada um, além da transferência de R$ 500,00 diretamente da conta de Guilherme para Diógenes, motivada pela afirmação de Marcos de que “eles querem o combustível (200) e 100 pra cada um”, não deixam dúvidas a respeito da ciência da compra de votos, além da participação direta no esquema, dispondo-se a visitar eleitores e disponibilizar valores que claramente eram destinados à captação ilícita de votos.

Não importa, no presente caso, que as testemunhas tenham negado qualquer contato com os candidatos, pois quem agiu de forma direta, buscando votos, acertando e entregando valores em troca de seus votos, foi Marcos Petri, o qual contou com a anuência e auxílio material do candidato Guilherme Schneider, como foi acima exposto.

 

Nessa senda, vejo configurada a prática de corrupção eleitoral por parte do recorrente em relação ao eleitor Diógenes Amann, e entendo por manter a condenação de Marcos Roberto Petri pela prática de crime de corrupção eleitoral nos quatro fatos acima analisados.

4. Do pedido de redução da pena-base ao mínimo legal com regime inicial aberto.

O recorrente requer, sucessivamente ao pedido de absolvição, que a pena-base seja reduzida ao mínimo legal e, consequentemente, substituída por pena restritiva de direito, em razão de inexistir reincidência por crime doloso.

Adianto que eventual reincidência não foi objeto da fundamentação da sentença hostilizada, não impactando na sanção, e a pena-base foi fixada de modo a respeitar os parâmetros legais do art. 284 do Código Eleitoral e o art. 59 do Código Penal. Mesmo a agravante aplicada recebeu lastro do art. 61, inc. II, al. "g", do Código Penal, respeitando igualmente o art. 285 do Código eleitoral na aplicação do quantum, que foi acrescido em um terço.

Portanto, não há fundamento legal ou fático para o pedido do recorrente.

Reproduzo aqui a impecável sentença, que deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos, e expressamente adoto como razões de decidir no que toca à dosimetria da pena, evitando assim desnecessária tautologia:

Atendendo às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, que serão analisadas de forma conjunta para todos os fatos pelos quais o acusado restou condenado, quanto à culpabilidade, que diz respeito ao grau de censurabilidade da conduta, pode-se dizer que é exacerbado, diante da evidente premeditação e planejamento que se verificou pelas conversas extraídas pela perícia, além do fato de que o acusado é político experiente na cidade, tendo plena ciência da ilicitude de sua conduta, bem como dos benefícios eleitorais dela advindo. O acusado, na data do fato, não registrava condenações transitadas em julgado, pelo que não se verificam maus antecedentes. A respeito da conduta social e da personalidade do agente, além da reprovabilidade já associada às condutas ora em julgamento, não há elementos nos autos para aferição. O motivo dos delitos foi a eleição dos candidatos do PDT às eleições proporcionais e majoritária da cidade de Victor Graeff, o que é inerente ao tipo. No tocante às circunstâncias, extrai-se como evidente que Marcos era o grande articulador da organização criminosa que comprava os votos em favor do PDT de Victor Graeff, no período eleitoral de 2016, de forma que merece apenamento mais grave em função dessa atribuição de liderança e organização do esquema. As consequências do crime foram graves na medida em que as condutas auxiliaram tanto na reeleição dos candidatos do PDT na disputa majoritária, quanto do Vereador Guilherme Volmir Schneider, que acabou sendo posteriormente cassado em função desses fatos, gerando evidente dispêndio de recursos públicos nos pagamentos de seus salários e verbas parlamentares, além dos danos à imagem da Prefeitura e Câmara de Vereadores de Victor Graeff. Note-se que a diferença de votos na eleição majoritária foi de 50, conforme se extrai da página do TSE. Por fim, não restou demonstrado que o comportamento das vítimas tenha sido relevante para a prática dos delitos, não favorecendo nem desfavorecendo o acusado.

Uma vez que não há circunstâncias judiciais favoráveis e três delas lhe são desfavoráveis, observado o disposto no artigo 284 do Código Eleitoral, entendo ser necessário e suficiente para prevenção e reprovação da infração penal de captação ilícita de sufrágio que a fixação da pena-base de cada um dos delitos pelos quais restou condenado se estabeleça acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos de reclusão (atribuindo-se quatro meses para cada circunstância desfavorável).

Também não há atenuantes, mas incide a agravante prevista no art. 61, inc. II, al. "g", do Código Penal, já que, como visto, o acusado exercia a função pública de Secretário Municipal da Saúde e Assistência Social, tendo inclusive se prevalecido dessa condição para a oferta de vantagens em troca de votos, de forma que a pena merece aumento de um terço (artigo 285 do Código Eleitoral), estabelecendo-se em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão. Inexistentes causas especiais de diminuição de pena, mas presente a já referida causa de aumento relativa à continuidade delitiva, devendo ser aplicada a pena de apenas um dos fatos, aumentada de dois terços (tendo em vista a quantidade de fatos pelos quais o réu restou condenado), fixando-se a pena definitiva em 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão.

 

Assim, porquanto inadmissível o acolhimento do pedido de redução de pena privativa de liberdade, é igualmente inviável a decretação da pena em regime inicial aberto, visto que este decorre de previsão legal e a situação dos autos não atende aos requisitos legais:

Código Penal

Art. 33 - (…)

2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

(…)

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

(…)

 

5. Do pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e, sucessivamente, suspensão condicional da pena.

No que se refere ao pedido de substituição da sanção imposta por pena restritiva de direitos, o art. 44, inc. I, do Código Penal expressamente estabelece que “as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando (…) aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos (…)”, o que não se verifica no caso dos autos, em que a condenação alcança 4 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão.

Desse modo, inviável a aplicação do benefício de suspensão condicional da pena, pois somente poderá ser suspensa a execução de pena privativa de liberdade quando a sanção não for superior a dois anos, nos termos do art. 77 do Código Penal.

6. Do pedido de supressão dos dias-multa e, sucessivamente, diminuição do valor fixado.

Finalmente, o recorrente pugna pela supressão total da multa aplicada ou, ao menos, a diminuição dos dias-multa sob o argumento de sobreviver em condições precárias.

Observo que o recorrente deixou de trazer aos autos  prova da condição que alega, e verifico do depoimento em juízo que o réu é aposentado de carreira de servidor público concursado, e que a prática dos crimes ocorreu no curso do exercício do cargo de secretário municipal. Portanto, entendo como infundado o pedido, em face do panorama de regular condição financeira.

No que se refere à aplicação da multa, destaco que o crime de corrupção eleitoral recebe previsão cogente de apenamento com “reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa”, inviabilizando o afastamento da pena pecuniária, e a quantia de dias-multa foi adequadamente fixada pelo juízo de origem, pois o valor resta estabelecido no patamar mínimo legal de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal, 15 dias-multa para cada fato, em um total de 60 dias-multa. Considero que as condutas perpetradas são dotadas de alta gravidade no contexto eleitoral ao malferirem a liberdade de voto dos eleitores, devendo permanecer conforme determinado na sentença.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso de MARCOS ROBERTO PETRI, mantendo a sentença penal condenatória nos exatos termos em que proferida pelo juízo de origem.