MSCiv - 0600288-36.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/08/2022 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, registro que estão preenchidos os requisitos mínimos necessários para o conhecimento do mandamus.

No mérito, trata-se de mandado de segurança apresentado por Ricardo Alexandre de Moraes em face de ato do Juiz Eleitoral da 172º Zona – Novo Hamburgo/RS, que, nos autos do processo n. 0600010-04.2022.6.21.0172, negou a expedição de certidão de quitação eleitoral ao Impetrante em razão do julgamento pela omissão das contas de campanha referentes ao pleito de 2020, nos termos do art. 80, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O conceito de quitação eleitoral está definido no art. 11, § 7°, da Lei n. 9.504/97, nos seguintes termos:

Art. 11.(…).

(…).

§ 7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.

 

De fato, conforme constou na decisão impugnada, o julgamento das contas de campanha como não prestadas gera ao candidato o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura a que concorreu, nos termos do art. 80, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 80. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarreta:

I - à candidata ou ao candidato, o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o fim da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas;

 

No entanto, a partir da decisão do TSE no PA n. 519-2.2010.6.00.0000/MA, em sessão de 23.10.2010, Relator Min. Felix Fischer, consolidou-se o entendimento de que as limitações ao gozo de direitos na órbita civil se restringem ao contido no art. 7º, § 1º, do Código Eleitoral, que trata do não cumprimento da obrigação relativa ao exercício do voto, não sendo abrangidas nos efeitos do julgamento pela omissão de contas eleitorais.

Isso posto, a fim de evitar desnecessária tautologia, transcrevo os fundamentos já expostos por ocasião da concessão da liminar:

Partindo de tais premissas, no caso concreto, nos autos do Requerimento de Regularização de Omissão de Prestação de Contas Eleitorais n. 0600010-04.2022.6.21.0172, Ricardo Alexandre de Moraes, o Juízo Eleitoral da 172ª Zona manteve o impedimento de o então candidato obter a certidão de quitação eleitoral até o fim da legislatura para a qual concorreu, ou seja, até 31.12.2024, nos termos do art. 80, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 45014451).

Consultando-se o processo em questão, verifica-se que, após o trânsito em julgado, então candidato requereu a emissão de certidão de quitação eleitoral (ID 106606441, do RROPCE 0600010-04), o que restou indeferido nos seguintes termos (ID 106728679, do RROPCE 0600010-04):

Indefiro o pedido de emissão de certidão de quitação eleitoral constante na Petição ID 106606441, em razão do disposto no art. 80, inc. I, primeira parte, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme consta no dispositivo da sentença proferida nestes autos, ID 106370289.

Depreende-se das aludidas decisões que, por terem sido julgadas não prestadas as contas eleitorais do ora Impetrante, relativas à campanha de 2020, o Magistrado Eleitoral aplicou ao feito o disposto no inc. I, do § 1º, do art. 80, da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual, após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas como não prestadas, o interessado pode requerer a regularização de sua situação para "evitar que persistam os efeitos do impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral após o fim da legislatura".

Portanto, considerando que a legislatura 2021-2024, relativa ao cargo de vereador disputado nas eleições de 2020, encerra-se apenas em 31.12.2024, somente após findo tal período é que se restabelecerá a quitação eleitoral plena do interessado.

Contudo, tal como pleiteado em tutela de urgência, é possível que o requerente solicite a expedição de certidão circunstanciada diretamente à Zona Eleitoral em que está inscrito, a fim de que a ausência de quitação eleitoral não impeça o exercício de atos da vida civil para os quais o impedimento restringe-se aos eleitores que deixam de votar ou de justificar o voto, incluindo-se a posse em cargo ou função pública, com esteio no art. 7º, § 1º, do Código Eleitoral, in verbis:

Art. 7º (…).

§ 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:

I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;

II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;

III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;

IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;

V - obter passaporte ou carteira de identidade;

VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;

VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

Grifei.

Com efeito, a ausência de quitação eleitoral por omissão de prestação de contas tem relevo somente para fins de registro de candidatura, como se extrai do art. 11, § 7º, da Lei n. 9.504/97, razão pela qual o cidadão possui direito à certidão circunstanciada que refira unicamente a sua regularidade quanto ao comparecimento às urnas visando aos demais atos da vida civil, que não se referiram a sua elegibilidade.

Nesse sentido já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL. ATOS DA VIDA CIVIL. ART. 11, § 7o. DA LEI N. 9.504/97. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO.

1. O julgamento das contas de campanha como não prestadas impede a emissão, para fins eleitorais, de certidão de quitação eleitoral no curso do mandato ao qual o candidato concorreu.

2. O conceito de quitação está intrinsecamente relacionado ao jus honorum, ou seja, possui estrito cunho eleitoral, não sendo razoável, por conseguinte, estender seus efeitos restritivos ao exercício de direitos civis.

3. O art. 7o., § 1o. e incisos do CE apresenta restritivamente as hipóteses em que o descumprimento de obrigações eleitorais refletirá na prática de atos da vida civil do eleitor, e não as hipóteses estabelecidas no § 7o. do art. 11 da Lei n. 9.504/97, os quais apenas são exigidos por ocasião do Registro de Candidatura.

4. Possibilidade de fornecimento, pela Justiça Eleitoral, de certidão circunstanciada, na qual deverá constar a situação da inscrição eleitoral, descrição de eventual pendência e seu período de duração.

5. Recurso Especial ao qual se dá provimento.

(TSE - RESPE: 92420156250036 Barra Dos Coqueiros/SE 54922016, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 27.3.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 04.4.2017 - Página 171-174) Grifei.

Com idêntico entendimento, cito a jurisprudência de outros Tribunais Regionais:

Mandado de Segurança. Expedição de quitação eleitoral. Posse em cargo público. Contas julgadas não prestadas. Liminar deferida para expedição de certidão circunstanciada.

I - O impetrante não prestou as contas referentes à campanha de 2016, razão pela qual não está quite com a Justiça Eleitoral nos termos do art. 73, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15.

II - Todavia, o conceito de quitação eleitoral trazido pelo art. 11, § 7º, da Lei n. 9.504/97 está intrinsecamente relacionado ao jus honorum, ou seja, possui estrito caráter eleitoral, não sendo razoável, portanto, estender seus efeitos restritivos ao exercício de direitos civis. Precedentes do Colendo TSE e desta Egrégia Corte.

III - O eleitor pode obter certidão circunstanciada que se refira exclusivamente à obrigação de votar, justificar a ausência às urnas ou pagar a respectiva multa, a fim de que não lhe seja negada a emissão de passaporte ou a prática de outros atos da vida civil com base no disposto no art. 7º, § 1º, do Código Eleitoral.

IV - Concessão da segurança para determinar a expedição de certidão circunstanciada.

(TRE-RJ - MS: 060049327 NOVA IGUAÇU - RJ, Relator: CRISTIANE DE MEDEIROS BRITO CHAVES FROTA, Data de Julgamento: 07.10.2019, Data de Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 222, Data 15.10.2019) Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. QUITAÇÃO ELEITORAL. CERTIDÃO. EMISSÃO DE PASSAPORTE. INDEFERIMENTO. CÓDIGO ASE. NÃO PRESTAÇÃO DAS CONTAS. CERTIDÃO CIRCUNSTANCIADA. POSSIBILIDADE. RESTRIÇÃO DOS DIREITOS. FILTRO CONSTITUCIONAL. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral (§ 7º do art. 11 da Lei n. 9.504/97).

2. O conceito de quitação eleitoral delineado pelo artigo 11, § 7º, da Lei n. 9.504/97 está intrinsecamente relacionado ao jus honorum, ou seja, possui cunho eleitoral, não cabendo a extensão de seus efeitos restritivos ao exercício de direitos civis.

3. Fica autorizada a emissão de certidão circunstanciada, quando o eleitor não possuir quitação eleitoral (p. ex.: inscrição com código de ASE 230, 272-2, 264), no entanto tenha exercido o voto na última eleição (1º e 2º turnos, quando for o caso), justificado ou paga a multa devida (orientação da Corregedoria Regional Eleitoral-PE, consoante Ofício-Circular n.º 26, de 16 de maio de 2018, da Corregedoria Geral Eleitoral).

4. Voto pelo conhecimento e provimento do recurso interposto, para que seja expedida certidão circunstanciada, nos moldes das orientações acima, para fins de emissão do passaporte da recorrente.

(TRE/PE, Recurso Eleitoral n 1168, ACÓRDÃO de 13.8.2018, Relator(a) JÚLIO ALCINO DE OLIVEIRA NETO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 159, Data 15.8.2018, Página 6-7) Grifei.

 

MANDADO DE SEGURANÇA. QUITAÇÃO ELEITORAL. CERTIDÃO POSITIVA. FINALIDADE ESPECÍFICA PARA INVESTIDURA EM CARGO PÚBLICO. A certidão de quitação eleitoral exigida para fins de investidura em cargo público, conforme art. 7º, § 1º, inc. I, do Código Eleitoral, refere-se tão somente à capacidade eleitoral ativa do cidadão. Precedentes. A certidão de quitação eleitoral prevista no art. 11, § 7º, da Lei n. 9.504/97, é específica para instruir o procedimento de registro de candidaturas. Segurança concedida, para confirmar a decisão liminar e determinar a expedição de certidão circunstanciada de regular exercício do voto para fins de investidura em cargo público.

(TRE-MG - MS: 21951 OURO BRANCO - MG, Relator: PAULO ROGÉRIO DE SOUZA ABRANTES, Data de Julgamento: 21.8.2017, Data de Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 11.9.2017.) Grifei.

 

Dessa forma, agora em sede de cognição exauriente, deve ser reconhecido o direito do eleitor de obter certidão circunstanciada que ateste o regular exercício do voto, caso assim esteja constando nos assentamentos eleitorais, permitindo-lhe a prática dos atos da vida civil que não se relacionem à registrabilidade ou à elegibilidade, conforme previsto no art. 7º, § 1º, do Código Eleitoral.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela concessão da ordem, confirmando a liminar deferida, para determinar ao Juízo Eleitoral da Zona em que está inscrito o Impetrante que forneça a certidão circunstanciada que se refira exclusivamente às eventuais pendências quanto à obrigação de votar, justificar a ausência ou pagar a multa respectiva, enquanto perdurar a restrição à obtenção de certidão de quitação eleitoral plena, a fim de lhe possibilitar a prática de atos da vida civil com base no disposto no art. 7º, § 1º, do Código Eleitoral.