REl - 0600663-04.2020.6.21.0163 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/08/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o recurso.

 

Da Preliminar de Juntada de Documentos em Grau Recursal

Juntamente com o recurso, a recorrente acosta documentos (ID 44880295).

Observo que, no âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

Na hipótese, deixo de considerar os referidos elementos como documentos novos em razão de já terem sido integrados aos autos em momento anterior à sentença (ID 44880280 e 44880287).

Assim, não conheço dos documentos juntados com o recurso.

Da postulação ministerial quanto à anulação da sentença

Embora o Parquet eleitoral conclua pela anulação da sentença, tenho que é possível, nos termos do § 3º do art. 1.013 do Código de Processo Civil, decidir desde logo o mérito da prestação de contas. A singeleza dos dados da contabilidade e a análise técnica realizada em primeiro grau permitem a aplicação da teoria da causa madura para que o Tribunal aprecie imediatamente as contas, além de atentar para a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional.

Ademais, assim procedeu a Corte em recente julgado, também proveniente do Município de Rio Grande, envolvendo circunstâncias bastante semelhantes às que aqui se analisa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. PRELIMINAR DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA IMPUGNAR AS CONTAS. ART. 56 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. REJEIÇÃO. FALTA DOS EXTRATOS BANCÁRIOS. DOCUMENTOS OBRIGATÓRIOS. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE APLICAÇÃO DE RECURSOS DE FORMA IRREGULAR. POSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou não prestadas as contas referentes às eleições municipais de 2020, em virtude da falta de apresentação dos extratos bancários referentes à movimentação financeira de campanha.

2. Rejeitada a preliminar de nulidade por ausência de intimação. Edital devidamente publicado no órgão de comunicação oficial, não havendo impugnação. Ademais, descabida a pretendida intimação para efeitos do art. 56 da Resolução TSE n. 23.607/19, cujo corolário é o de apontar irregularidade no ajuste contábil, exatamente o que o candidato busca repelir.

3. A falta de extratos bancários não leva, por si só, ao julgamento das contas como não prestadas, conforme jurisprudência deste Tribunal, devendo a contabilidade ser aprovada com ressalvas ou desaprovada. Tratando-se de valor irrisório, e tendo as contas sido examinadas pelo órgão técnico, que deixou apenas de confrontar os gastos com os extratos bancários, desnecessária a anulação da sentença, em prestígio aos atos já praticados.

4. As falhas identificadas não prejudicaram o exame da movimentação financeira. Foi possível verificar que a ausência de movimentação de recursos financeiros do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) evidencia-se por não constar seu emprego dos registros contábeis e por não estarem disponibilizados os respectivos extratos eletrônicos pelo TSE. E o extrato eletrônico alusivo à conta Outros Recursos, por onde transitaram os únicos valores declarados, encontra-se disponível pelo sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.

5. Ainda que sem esclarecimentos do candidato e sem o necessário registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, a despesa com combustível foi declarada e paga mediante cartão de débito, tratando-se, pois, de irregularidade meramente formal. Em relação à omissão de gastos com o Facebook – não contabilizado com impulsionamento de conteúdo, há indícios de que tal gasto foi declarado em favor dessa empresa.

6. Inconsistência que atingem 10% das receitas arrecadadas, atraindo, assim, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

7. Parcial provimento para aprovar as contas com ressalvas.

(REl 0600648-35.2020.6.21.0163; Relator: DESA. ELEITORAL KALIN COGO RODRIGUES, DJERS de 07.04.2022, unânime.) (Grifei.)

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Do Mérito

Eminentes Colegas, as contas da recorrente foram julgadas não prestadas, na origem, uma vez que a candidata teria deixado de apresentar a integralidade dos extratos das contas bancárias destinadas à movimentação dos recursos, de modo a cobrir todo período da campanha, mesmo após intimação (ID 44880289).

A recorrente alega ter juntado os documentos solicitados no parecer preliminar.

A fim de examinar o recurso, colho da manifestação técnica (ID 44880276):

2. ANÁLISE DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (ART. 53, DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

Há contas bancárias na base de dados dos extratos eletrônicos não registradas na prestação de contas em exame, caracterizando omissão na prestação de informações à Justiça Eleitoral relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha, infringindo o art. 53, II, alínea "a", da Resolução TSE nº 23.607/2019:

CNPJ BANCO AGÊNCIA CONTA

38.451.499/0001-26 001 5672 00000002544407

38.451.499/0001-26 001 5672 00000002544415

38.451.499/0001-26 001 5672 00000002544423

Na Ficha de Qualificação, ID 70853530, foi informado apenas uma conta corrente, do Banco 041, Agência 330, Conta 62041330-7, destinada a movimentação de Outros Recursos. Solicita-se esclarecimentos e/ou retificação das contas, acostando os documentos pertinentes.

Pois bem, é perceptível que a recorrente atendeu à intimação para manifestar-se sobre os apontamentos juntando documentos – os mesmos que acompanham o recurso – que contêm extratos das três contas do Banco do Brasil, registrando ausência de movimentação e encerramento.

Porém, não houve qualquer manifestação acerca da conta bancária informada na ficha de qualificação - Banco 041, Agência 330, Conta 62041330-7 -, apontamento que contava no parecer logo depois da relação de contas do Banco do Brasil, tendo sido proferida sentença nesses termos:

A Prestação de Contas apresentada pela candidata não foi instruída com os documentos arrolados na Resolução TSE nº 23.607/2019.

A candidata deixou de apresentar a integralidade dos extratos das contas bancárias destinadas à movimentação dos recursos, de modo a cobrir todo período da campanha sendo que, mesmo após intimação, não foram juntados aos autos.

Assim sendo, por falta de documento obrigatório à instrução do processo, resta imperativo o julgamento das contas como não prestadas por violar o disposto no art. 53 da Resolução TSE n° 23.607/2019.

Ante o exposto, na forma do inciso IV do artigo 74 da Resolução TSE n° 23.607/2019, julgo como NÃO PRESTADAS AS CONTAS de CARMEN SUZANA LEMOS PIEDADE, referente aos recursos financeiros utilizados na campanha das eleições municipais de 2020.

Assim, depreende-se que a conclusão pela não prestação de contas está assentada na ausência da apresentação da integralidade dos extratos bancários pela candidata, então considerada fator determinante para o prejuízo aos procedimentos técnicos de exame.

Contudo, conforme remansosa jurisprudência, a ausência de extratos bancários, embora possa caracterizar irregularidade de natureza grave, não conduz necessariamente ao julgamento de contas não prestadas, como ocorre no presente caso.

Cito julgados do Tribunal Superior Eleitoral nesse mesmo sentido:

ELEIÇÕES 2016. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. AUSÊNCIA DE EXTRATO BANCÁRIO DE TODO O PERÍODO DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. PRECEDENTES. OMISSÃO. AUSÊNCIA. REJULGAMENTO DA CAUSA. REJEIÇÃO. 

(...).

3. Conforme já assinalado por esta Corte Superior, nas eleições de 2016, a não apresentação do extrato bancário de todo o período de campanha eleitoral constitui motivo para a desaprovação das contas, mas não enseja, por si só, o seu julgamento como não prestadas. Nesse sentido: AgR-REspe nº 157-24/AP, de minha relatoria, DJe de 6.6.2018; AgR-REspe nº 741-81/CE, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 18.12.2018; AgR-Respe nº 450-04/SE, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 25.10.2018. 

4. Embargos de declaração rejeitados.

(Recurso Especial Eleitoral n. 65210, Acórdão, Relator: MIN. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 52, Data 18.3.2019, p. 22).

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. AUSÊNCIA DE EXTRATO BANCÁRIO COMPLETO. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, apresentados minimamente documentos na prestação de contas, estas devem ser desaprovadas, e não julgadas não prestadas (Precedentes: AgR-REspe nº 725-04/PR, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 18.3.2015; AgR- REspe nº 1758-73/PR, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 26.4.2018).

2. A não apresentação do extrato bancário de todo o período de campanha eleitoral constitui motivo para a desaprovação das contas, mas não enseja, por si só, o seu julgamento como não prestadas. (Nesse sentido: AgR-REspe nº 157-24/AP, de minha relatoria, DJe de 6.6.2018; AgR-REspe nº 3110-61/GO, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 20.9.2016; AgR-REspe nº 1910-73/DF, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 5.8.2016).

3. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 65210, Acórdão, Relator: MIN. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data: 19/12/2018, Página 92.)

Na hipótese, cabe verificar se os elementos informativos constantes dos autos permitem a análise sobre a regularidade das contas apresentadas, incluindo-se eventuais transferências de recursos públicos.

Quanto ao aspecto, colho as judiciosas considerações lançadas no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, de lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes:

No caso dos autos, foram juntados pela prestadora (ID 44880280) os extratos relativos às contas bancárias para movimentação de recursos oriundos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da conta “Outros recursos”, abertas no Banco do Brasil, e nenhuma dessas contas apresenta movimentação financeira.

No que toca à conta “Outros recursos”, embora o parecer conclusivo aponte que a candidata deixou de apresentar os extratos da conta-corrente do Banco 041 (Banrisul), Agência 330, Conta 62041330-7, a qual fora informada na ficha de qualificação, o exame automatizado do SPCE apontou a existência de apenas três contas bancárias com o CNPJ da campanha, todas no Banco do Brasil, como igualmente reconhece a unidade técnica. Assim, é possível concluir que a conta do Banrisul foi equivocadamente informada pela recorrente.

Adicionalmente, constata-se que a prestação de contas foi instruída com documentos relacionados às receitas obtidas (ID 44880266), informações estas que não foram analisadas pela unidade técnica nem consideradas na sentença, para os fins do que preconiza o já citado art. 74, §2º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Por essas razões, entende-se que deve ser anulada a sentença, para que seja determinado o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que o juízo proceda na forma do art. 74, §4º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, uma vez que a causa não está madura para julgamento conforme admite o art. 1.013, §3º, do CPC.

Ante o exposto, o Ministério Público Eleitoral opina pela anulação da sentença, com o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que seja proferida nova decisão de mérito, com o exame das contas apresentadas, nos termos da fundamentação.

Ressalto que o julgamento de não prestação de contas, ao acarretar o impedimento de o candidato obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura a que concorreu (art. 80, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19), limita um direito político fundamental do prestador, qual seja, o de concorrer e ser votado, de forma que, sempre que possível, se deve dar preferência ao julgamento pela aprovação ou desaprovação da contabilidade.

A própria finalidade da prestação de contas é a busca pelo exame substancial da movimentação financeira, que se impõe ante o interesse público em se aferir a regularidade da contabilidade quanto à arrecadação e à aplicação dos recursos de campanha.

Nesse passo, o julgamento de omissão das contas deve ficar restrito àquelas hipóteses em que a ausência de documentos sobre a movimentação financeira inviabiliza, de forma absoluta, o controle e a fiscalização pela Justiça Eleitoral, nos exatos termos do art. 74, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 74. (...).

§ 2º A ausência parcial dos documentos e das informações de que trata o art. 53 ou o não atendimento das diligências determinadas não enseja o julgamento das contas como não prestadas se os autos contiverem elementos mínimos que permitam a análise da prestação de contas.

Como mencionado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a conta cuja ausência dos extratos determinou o julgamento de não prestação da contabilidade pode ter sido resultado de mero equívoco no preenchimento dos documentos apresentados pela candidata. Todos os indícios dos autos apontam que tal conta não foi aberta pela candidata.

Os extratos juntados aos autos comprovam que a prestadora abriu três contas bancárias no Banco do Brasil e que essas não apresentaram qualquer movimentação financeira.

Da análise dos documentos que vieram aos autos, é possível verificar que, além de não ter movimentado recursos financeiros, a candidata declarou e juntou recibos eleitorais pertinentes a doações estimáveis em dinheiro recebidas de outro candidato (Augusto Cesar Martins de Oliveira – Prefeito) e de Augusto Cesar Martins de Oliveira, as quais correspondem às despesas, também estimáveis, relacionadas a santinhos (R$ 374,22), honorários contábeis (R$ 350,00), produção de rádio, televisão e foto (R$ 62,50), além de honorários advocatícios (R$ 200,00). A prestadora não contratou despesas e nem recebeu recursos financeiros, como demonstra o extrato de ID 44886205.

Segundo as informações disponíveis no Divulgacand, não houve transferência de recursos oriundos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para a prestadora.

Sendo certo que o candidato tem o dever de fornecer as informações sobre as contas abertas para tal finalidade, ainda que não tenha havido movimentação financeira, também prescreve a Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 49, § 5º, inc. III, que a unidade técnica, nos tribunais, e o chefe de cartório, nas zonas eleitorais, instruirão os autos com os extratos eletrônicos encaminhados à Justiça Eleitoral, com as informações relativas ao recebimento de recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, de fonte vedada e/ou de origem não identificada e com os demais dados disponíveis. É dizer, a instância de origem não registrou nos autos a existência de recebimento de quaisquer desses valores.

Também não há notícia de que o batimento automático tenha detectado notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ da campanha, o que corrobora a ausência de contratação de despesas pela candidata.

Assim, no caso concreto, entendo que os documentos juntados aos autos, sobretudo ponderando a diligência da candidata, a existência de declarações consistentes relativas aos gastos estimáveis, a efetiva abertura das contas bancárias (que se comprovou não terem recebido recursos), o registro de movimentação compatível com a campanha que se examina e a singeleza dos registros envolvidos, permitem o exame da contabilidade e sua aprovação com ressalvas, tão somente em razão do erro na declaração da conta bancária.

A sentença deve, portanto, ser reformada, a fim de que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Desse modo, merece reforma da sentença de primeiro grau.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por não conhecer dos documentos juntados com o recurso e, no mérito, pelo parcial provimento do apelo para aprovar com ressalvas as contas de CARMEN SUZANA LEMOS PIEDADE, relativas às eleições de 2020.