REl - 0600470-58.2020.6.21.0140 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 08/08/2022 às 14:00

DECLARAÇÃO DE VOTO DO PRESIDENTE

 

Eminentes colegas:

A prova dos autos foi judiciosamente analisada na sentença de improcedência prolatada pelo digno Dr. Bruno Enderle Lavarda, Juiz da 140ª Zona Eleitoral, e no voto da ilustre Relatora, cumprindo enaltecer o criterioso e sensível trabalho realizado em ambas as decisões, que bem compreenderam as circunstâncias fáticas, sociais e culturais que envolveram as candidaturas femininas da comunidade indígena de Redentora.

De acordo com as razões recursais, a fraude à quota de gênero estaria caracterizada porque as candidatas Ádima Amaro Fortunato e Cleusa Fortunato não obtiveram votos, não registraram gastos financeiros de campanha e não teriam promovido atos de propaganda eleitoral.

A avaliação da prova, entretanto, releva que houve a desistência tácita de ambas de suas campanhas após o registro das candidaturas, em razão de pressões e intimidações levadas a efeito pelo cacique local, apoiador do grupo político contrário ao que as candidatas integravam.

Assim, não está evidenciada de forma cabal e segura que as candidatas, quando assinaram seus requerimentos de registro de candidaturas, não pretendiam concorrer de fato.

Para a configuração da fraude sobre a quota de gênero, não se prescinde da demonstração do elemento subjetivo consistente na vontade deliberada de frustrar o objetivo da ação afirmativa por meio de candidaturas meramente simuladas.

É certo que fatos supervenientes ao registro podem levar ao desestímulo e ao abandono da corrida eleitoral, ainda que sem renúncia formal à candidatura. Disso, podem decorrer a votação zerada, a inexistência de gastos e a ausência de divulgações de campanha, que representam meros indícios de fraude, mas não comprovam o conluio prévio com o fim de burlar a regra do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Quanto ao tema, colho passagem da obra de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 342, grifei):

Embora esse tipo de fraude se perfaça na fase de registro de candidatura, em geral os indícios de sua ocorrência aparecem depois do pleito, sendo evidenciados por situações como a ausência de votos à candidata, a não realização de campanha, a inexistência de gasto eleitoral, a não transferência nem arrecadação de recursos – nesses últimos casos a prestação de contas aparece zerada. Note-se, porém, que tais eventos, sozinhos, não significam necessariamente que houve fraude ou que a candidatura em questão foi fraudulenta. É mister que o contexto seja bem ponderado, afinal, não é impossível que surjam obstáculos que tornem muito difícil ou impeçam a candidata de levar adiante sua campanha, ou mesmo que simplesmente se desinteresse ou não se empolgue com ela.

 

No caso concreto, as candidatas apresentaram suas contas apenas com receitas estimáveis de impressos de publicidade, doados pelo partido a partir de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, no valor de R$ 123,60, situação que, consoante atestou o Magistrado a quo, não destoou da movimentação dos outros 12 candidatos lançados pelo PSB de Redentora, independentemente do gênero.

Aliás, a singeleza dos aportes econômicos constitui situação até bastante comum nas prestações de contas dos candidatos das pequenas cidades do interior, tanto em razão das dificuldades na obtenção de doações de terceiros quanto pelas práticas de campanha ainda voltadas à distribuição de “santinhos”, no “corpo a corpo” com o eleitor.

No aspecto, o contexto da comunidade indígena distante do centro urbano, humilde em suas condições de vida e de sobrevivência agrícola não revela incongruência com a ausência de investimentos em propaganda pela internet, também não havendo informações nos autos sobre endereços eletrônicos ou redes sociais utilizadas pelas candidatas, ainda que para fins não eleitorais.

Por outro lado, as candidatas, em juízo, afirmaram que pretendiam disputar a eleição para realizar projetos políticos específicos e, no procedimento preparatório realizado pelo Ministério Público Eleitoral, constam fotos que sugerem a participação de Ádima e Cleusa em eventos do PSB, suficientes para que se depreenda algum grau de engajamento político e eleitoral das candidatas.

Todas as testemunhas ouvidas relatam, em maior ou menor intensidade, situações de constrangimentos, intimidações e retaliações do líder indígena em relação às candidatas e outras pessoas que se colocavam contrárias às preferências políticas do cacique.

Embora conste nos autos notícias de outros candidatos que, igualmente perseguidos, não desistiram de suas campanhas e obtiveram expressiva votação, tal como Joel e Elizeu, é inviável comparar situações subjetivas díspares para se exigir que a postura adotada pelas candidatas poderia ser diferente.

Pensar de outra forma corresponderia a acatar a premissa de que as mulheres concorrentes ao pleito deveriam ter uma resiliência ética e moral mais rigorosa que os demais participantes, impedindo-as de desistirem de suas candidaturas por desestímulos e percalços supervenientes, aos quais todos e todas estão sujeitos, o que mais as afastaria de política do que fomentaria a participação feminina, em subversão ao propósito da ação afirmativa.

Logo, consoante bem assentou a Relatora, as condições pessoais das candidatas e o contexto sociocultural em que inseridas tornam razoável a alegação de que o quadro de intimidações e ameaças por parte do líder indígena, agravado pelo isolamento social exigido pela pandemia de Covid-19, conduziu a que elas abandonassem a disputa eleitoral.

Por outro lado, não há prova robusta e cabal de simulação no lançamento das candidaturas que pudesse levar à conclusão segura sobre a ocorrência de fraude à quota de gênero.

Nessa linha, a Corte Superior consolidou a sua orientação no sentido de que, "apesar do importante papel da Justiça Eleitoral na apuração de condutas que objetivam burlar o sistema previsto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, a prova da fraude à cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias do caso a denotar o inequívoco fim de mitigar a isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu garantir" (AgR-REspe n. 799–14/SP, Relator: MINISTRO JORGE MUSSI, DJe de 27.6.2019; e, no mesmo sentido, RESPE 060203374/PI, Relator: MINISTRO TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJE de 02.12.2020).

 

DIANTE DO EXPOSTO, acompanho integralmente o voto da douta Relatora para negar provimento a ambos dos recursos.