REl - 0600253-89.2020.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/08/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, cuida-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha de SIDNEI MÂNICA, referentes ao pleito de 2020, no Município de Sarandi/RS, porquanto utilizadas verbas do FEFC sem, contudo, atentar para as regras de emissão das ordens de pagamento dispostas no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. 

Segue excerto da bem-lançada sentença no que importa ao caso:


Gize-se  que o apontamento não adentra ao mérito da atividade e sim evidencia que houve equívoco no método de pagamento, visto que não se observou as designações do Art. 38 e seus incisos (Res. TSE 23.607/2019) na quitação dos gastos eleitorais:

"Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:
I - cheque nominal cruzado;
II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;
III - débito em conta;
 IV - cartão de débito da conta bancária."
 
A “DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE PANFLETOS”  se encaixa perfeitamente no serviço de militância previsto no art. 41, caput (Res. TSE 23.607/2019): 

"Art. 41. A realização de gastos eleitorais para contratação direta ou terceirizada de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua nas campanhas eleitorais...."

Ora, se a DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE PANFLETOS  constitui gasto eleitoral, a atividade se vincula diretamente com o normativo do Art. 38, residindo aí o cerne do equívoco.
Ademais, sobre a utilização de recursos públicos nas campanhas eleitorais (Fundo Partidário ou Fundo Especial de Financiamento de Campanha), trago as lições de Gomes (2020, p.670)¹: 

“Deveras, é direito impostergável dos integrantes da comunhão política saber quem financiou a campanha de seus mandatários e de que maneira esse financiamento se deu. Nessa seara, impõe-se a transparência absoluta, pois em jogo encontra-se o legítimo exercício de mandatos e consequentemente do poder estatal. Sem isso, não é possível o exercício pleno da cidadania, já que se subtrairiam do cidadão informações essenciais para a formação de sua consciência político-moral, relevantes sobretudo para que ele aprecie a estatura ético-moral de seus representantes e até mesmo para exercer o sacrossanto direito de sufrágio.” 

Nessa esteira, é imprescindível que a movimentação de valores ocorra através das contas bancárias. E o Art. 38, Inciso I, II, III, IV da Res. 23.607/2019 vai ao encontro dos pressupostos extraídos de José Jairo Gomes e acima mencionados, visto que os métodos de pagamento servem para registrar o trânsito de valores e a sociedade tenha acesso ao destino dos recursos  que financiam as campanhas políticas.

Destarte, a conclusão que se alcança é, senão, a desaprovação das contas eleitorais e, por conta da utilização indevida dos recursos públicos empregados na campanha, a aplicação da penalidade prevista no Art. 79, §1º da Res. TSE 23.607/2019.
 
III – DISPOSITIVO:

Isso posto, considerando o relatório final de exame e manifestação do Ministério Público Eleitoral, DESAPROVO as presentes contas de campanha, relativas às Eleições Municipais de 2020, nos termos do art. 74, Inciso III da Resolução TSE n. 23.607/2019 e determino, com fulcro no Art. 79, § 1º, no prazo de 05 (cinco) dias após o trânsito em julgado da sentença, o recolhimento de R$ 2.000,00, valor equivocadamente utilizado por meio do FEFC.

Em irresignação, o prestador sustenta que a falha constatada é meramente formal, uma vez que a movimentação financeira foi comprovada e todos os valores transitaram por conta bancária, frisando o adimplemento dos serviços de militância ter sido satisfeito mediante cheque nominal.

Não assiste razão ao recorrente.

O candidato, modo inconteste, efetuou a quitação dos serviços de militância via cártula nominal não cruzada, ao arrepio da norma vertida no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Na espécie, na data de 12.11.2020, foram sacados os cheques n. 00001 e 00002, no valor de R$ 1.000,00 cada um, não constando identificação da contraparte no extrato bancário. 

Desta feita, em que pese anexadas as cópias dos contratos de prestação de serviço e das respectivas ordens de pagamento nominais, não há como verificar se os prestadores de serviço foram os reais beneficiários dos créditos, devido à ausência de identificação das contrapartes que realizaram os saques, conforme informação no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, link https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89036/210000645037/extratos.

Com efeito, o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil.

Após debater essa matéria no julgamento do RE n. 0600464-77.2020.6.21.0099, interposto em processo de prestação de contas atinente ao pleito de 2020, envolvendo recursos públicos derivados do FEFC, este Colegiado adotou entendimento no sentido de que os valores indevidos devem ser recolhidos ao erário:


RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.
1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.
2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.
3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.
4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.
5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.
6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.
7. Provimento negado.
(Julgado na sessão de 06.7.2021, Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, redator do acórdão Des. El. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES.) (Grifei.)

 

A corroborar, segue excerto do percuciente parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:


Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.
É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.
Ademais, a obrigação para que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei nº 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.
Finalmente, ao não ser cruzado o cheque, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade.
A realização de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha mediante a utilização de forma de pagamento vedada importa em utilização indevida de recursos públicos, ensejando o recolhimento de igual montante ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

Assim, faço eco ao decisum da origem no que tange à gravidade da falha decorrente da inobservância do preceituado no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, regra que ostenta caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis, de modo a ensejar a desaprovação da contabilidade de campanha, ganhando especial relevo a necessidade de devolução ao erário quando manejadas receitas públicas, como na hipótese dos autos.

No que concerne ao montante despendido irregularmente, R$ 2.000,00, este perfaz 25,90% do total auferido pelo candidato, quantia que supera, em valor nominal e percentual, os parâmetros utilizados por esta Corte para, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, mitigar o juízo de desaprovação exarado na origem. 

Assim, inviável o afastamento dos vícios na contabilidade apresentada pelo recorrente, de forma que a sentença, incluído o dever de recolhimento da verba pública malversada ao erário, deve ser mantidas.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso, ao efeito de manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.