REl - 0600802-61.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/08/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença desaprovou as contas de MARCIO UNCINI PICOLO e lhe determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face de, no dia 29.10.2020, ter havido o ingresso de R$ 750,00 na conta corrente de campanha, por meio de depósito em espécie, em que, na operação bancária, não constou o CPF do doador, e sim o CNPJ de campanha do próprio candidato.

Irresignado, o recorrente pugna pela aprovação das contas e pelo afastamento da determinação de recolhimento de valores ao erário, sustentando, em síntese, que a falha é meramente formal, decorrente de equívoco ao serem depositados recursos próprios para campanha, bem como que o montante é diminuto, requerendo a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Sobre o tema, a Resolução TSE n. 23.607/19, regulamentadora da matéria, assim dispõe em seu art. 21, inc. I e §§ 1º a 5º:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

 

Da leitura dos dispositivos, ressai nítido que, se igual ou superior a R$ 1.064,10, a doação eleitoral somente poderá ser concretizada por intermédio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário ou cheque cruzado e nominal.

Por outro lado, o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a contrario sensu, faculta que as doações inferiores a R$ 1.064,10 sejam realizadas por depósito bancário em espécie, também comumente referido como “na boca do caixa”.

Entretanto, analisando o conjunto de processos oriundos do Município de Mato Castelhano, quais sejam, REl 0600802-61, recorrente: Márcio Uncini Picolo; REl 0600810-38, recorrente: Valdirene Teresinha Santini Palma; REl 0600798-24, recorrente: Diana Frankini Teixeira; e REl 0600801-76, recorrente: Loreni Machado Muller, constato uma identidade de valores, operações, datas e falhas que afastam a conclusão de ter ocorrido, em todos esses casos, um erro espontâneo dos respectivos prestadores.

Na espécie, analisando o extrato bancário disponível no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87025/210000798509/extratos, observo que a campanha de MARCIO UNCINI PICOLO foi custeada exclusivamente com recursos privados, mediante depósitos em dinheiro, recebidos no dia 29.10.2020, no valor de R$ 750,00, com a anotação de seu CNPJ (n. 38.685.619/0001-50), e nos dias 09.11.2020, 12.11.2020 e 18.11.2020, nas quantias, respectivamente, de R$ 230,00, R$ 20,00 e R$ 62,00, nos quais foi informado seu CPF (n. 970.439.150-15), perfazendo o montante de R$ 1.062,00.

As circunstâncias são coincidentes com aquelas visualizadas nos demais recursos eleitorais advindos de Mato Castelhano sobre o mesmo tema, consoante se evidencia da seguinte tabela construída a partir dos comprovantes de depósitos eletrônicos acostados em cada processo:

 

Processo

Favorecido

Depósitos

Datas

Depositante

Horário

REl 0600802-61

MARCIO UNCINI PICOLO

R$ 750,00

29.10.2020

CNPJ de campanha

10:33:15

R$ 230,00

09.11.2020

CPF do candidato

17:52:05

R$ 20,00

12.11.2020

CPF do candidato

11:38:30

R$ 62,00

18.11.2020

CPF do candidato

17:28:51

REl 0600810-38

VALDIRENE TERESINHA SANTINI PALMA

R$ 750,00

29.10.2020

CNPJ de campanha

10:37:05

R$ 230,00

09.11.2020

CPF do candidata

17:54:50

R$ 20,00

12.11.2020

CPF do candidata

11:45:39

REl 0600798-24

DIANA FRANKINI TEIXEIRA

R$ 750,00

29.10.2020

CNPJ de campanha

10:15:07

R$ 230,00

09.11.2020

CPF do candidata

17:43:53

R$ 20,00

12.11.2020

CPF do candidata

11:41:31

REl 0600801-76

LORENI MACHADO MULLER

R$ 750,00

29.10.2020

CNPJ de campanha

10:32:10

R$ 230,00

09.11.2020

CPF do candidata

17:50:58

R$ 20,00

12.11.2020

CPF do candidata

11:44:40

 

Nesse cenário, entendo que se esvai a presunção de boa-fé do candidato e a verossimilhança das alegações recursais, no sentido de ter ocorrido equívoco no preenchimento dos dados do depósito.

Resta evidenciado que as operações apontadas como irregulares foram realizadas, no mesmo dia e com poucos minutos de diferença, sempre com o mesmo erro, esvaziando a presunção de boa-fé que compreendi ao analisar isoladamente o REl 0600801-76, na sessão de 29.07.2022.

Não é crível que todos tenham creditado montantes idênticos em três oportunidades diferentes. As coincidências demonstram que os depósitos não foram feitos pelos candidatos, pois foram realizados por uma mesma pessoa e de modo padronizado para, no mínimo, quatro candidatos.

Poderia haver uma orientação partidária ou dos serviços contábeis nesse sentido, porém tal circunstância não foi trazida em matéria de defesa e careceria de maiores esclarecimentos.

Portanto, o contexto depreendido do conjunto de processos semelhantes de Mato Castelhano não só esvai a presunção de boa-fé como se verificam elementos claros de que os depósitos não foram feitos como afirmado, ou seja, não foram os candidatos pessoalmente a creditar os valores com simples equívoco pessoal no momento de identificar o CPF do depositante em troca pelo CNPJ de campanha.

Nesse passo, a mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea relacionada à movimentação bancária de sua conta pessoal, é insuficiente para a comprovação da origem dos valores, estando caracterizada a afronta ao art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19 e, por consequência, a necessidade de recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, § 6º, da referida Resolução.

Noutro vértice, apesar da caracterização da irregularidade, a sentença merece ser reformada para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, uma vez que o valor absoluto da falha é inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, na esteira do parecer ministerial e da jurisprudência desta Casa.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas da campanha eleitoral de 2020 de MARCIO UNCINI PICOLO, mantendo a determinação de recolhimento de R$ 750,00 ao Tesouro Nacional.